terça-feira, 17 de setembro de 2024

Crítica – Feios

 

Análise Crítica – Feios

Review – Feios
Quando escrevi sobre o péssimo Mentes Sombrias nos idos de 2018 e o fraco Máquinas Mortais em 2019 mencionei como eles chegaram atrasados para a festa das adaptações de romances jovens distópicos, estreando em um momento em que todo mundo já estava cansado dos clichês desse tipo de história e com tramas que não faziam muito mais do que repetir tropos desgastados. Pois é com surpresa ver que Hollywood ainda insiste neste gênero que ninguém mais quer com este Feios. Produzido pela Netflix, é mais uma adaptação de uma série de romances sobre distopias protagonizadas por adolescentes e, como era de se esperar, é muito, muito ruim.

Distopia que não convence

A trama se passa em um futuro no qual a humanidade superou as catástrofes climáticas. Não existem mais guerras e todos vivem em aparente harmonia. O motivo disso é que aos dezesseis anos todos recebem uma cirurgia que torna todos fisicamente perfeitos e permitem que vivam como jovens e bonitos o resto da vida. Até chegar a essa idade, no entanto, os jovens são tratados como “feios” cidadãos de segunda classe excluídos até chegarem na idade para serem integrados após a cirurgia. Tally (Joey King) é uma dessas jovens que espera o dia para ficar perfeita. Quando seu melhor amigo Peris (Chase Stokes) passa pela cirurgia e transforma também sua personalidade, Tally começa a pensar que essa utopia pode não ser aquilo que imaginava. É aí que Tally se aproxima de Shay (Brianne Tju), que faz parte de uma comunidade às margens da sociedade que rejeita a cirurgia obrigatória e se permite envelhecer. Isso, porém, coloca Tally na mira da Dra. Cable (Laverne Cox), a responsável por criar a cirurgia e quem controla toda a sociedade.

Num filme que fala sobre padrões de beleza o primeiro empecilho para a história é a escalação de Joey King e de todo o elenco jovem. Pertencentes ao padrão de beleza da sociedade atual, é difícil comprar a ideia de que ela e os demais são “feios” por mais que o filme tente forçar isso ao maquiar espinhas ou olheiras em seus rostos. Sim, isso poderia ser usado para mostrar como os padrões de beleza da sociedade retratada no filme são altos e absurdos, mas não só a trama não desenvolve isso como o filme é feito para ser visto por pessoas do nosso mundo, um mundo em que sim, King e os demais estão dentro de um padrão de beleza, então por mais que se tente justificar na narrativa, é difícil o espectador comprar a ideia.

Talvez funcionasse se a narrativa ocultasse de nós os rostos e corpos dos “belos” e quando revelassem nos descobrimos que o ideal de perfeição deles seria algo deformado e perturbador para os nossos padrões, algo similar ao episódio A Beleza Está Nos Olhos de Quem Vê de Além da Imaginação (1959). Isso ajudaria também a dar força para a reflexão de como padrões de beleza e perfeição física não são coisas que emergem naturalmente, mas construções históricas e sociais, embora esperar isso seria desejar um nível de sofisticação que esse filme não quer e nem parece ser capaz de alcançar.

Pobreza de forma e conteúdo

Se de partida já não embarcamos na premissa, nem acreditamos no universo que ele nos apresenta fica difícil aderir a qualquer drama ou conflito. O conflito, por sinal, pode ser resumido pela necessidade da protagonista ter que decidir entre a claque dos bonitos e populares ou dos hipsters que vivem na natureza e leem poesia. É um binarismo básico que nem precisava de um cenário distópico para ser construído, poderia se passar em um colégio no mundo atual que daria na mesma. Mais que isso, a noção de que as pessoas que passam pela cirurgia sofrem uma literal lavagem cerebral empobrece ainda mais toda a discussão sobre padrões de beleza opressores, tratando quem adere a esses padrões como meras vítimas de uma comunicação de massa manipuladora quando na realidade a construção desses padrões de beleza perpassa por uma série de variáveis sociais, históricas, políticas e econômicas que são bem complexas.

É tudo bem raso e isso se reflete também nos personagens, cada um definido por um único traço de personalidade, completamente preso a clichês e sem nada digno de nota. Em The Act (2019) Joey King entregou uma performance capaz de redefinir sua carreira, mas ao invés de usar isso para construir novos rumos, continua retornando a esse tipo de produção vagabunda que parece fanfic ruim de wattpad como faz aqui ou no recente Tudo em Família. Laverne Cox devora o cenário como a doutora Cable, mas é uma vilã tão vazia e com motivações tão vagas que não tem como dar a ela qualquer gravidade. Todo o restante do elenco é um buraco negro de carisma.

Não ajuda que a ação seja construída em cima da mesma montagem epilética que se tornou padrão em Hollywood e que é incapaz de estabelecer qualquer mínimo senso de movimento, energia ou coesão de tempo e espaço da ação. Se o texto já torna difícil acreditarmos nesse universo, a computação gráfica precária nos afasta ainda mais de qualquer possibilidade de imersão.

Feios é tão inane em sua discussão sobre padrões de beleza e tão precário e desprovido de imaginação na construção visual de sua distopia que não conquista nem pela aparência, nem pela beleza interior.

 

Nota: 1/10


Trailer

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