segunda-feira, 9 de setembro de 2024

Crítica – O Bastardo

 

Análise Crítica – O Bastardo

Review – O Bastardo
Histórias sobre a colonização de algum espaço costumam ser narradas como feitos heroicos de pessoas enfrentando ermos cheios de intempéries ou subjugando populações nativas, sem, no entanto, ponderar sobre as consequências ou a inerente violência desse processo colonial. A produção dinamarquesa O Bastardo, uma das escolhas do país para o Oscar, traz um pouco de ponderação sobre o egoísmo humano que está no cerne desse impulso desbravador.

A narrativa é baseada na história real de Ludvig Kahlen (Mads Mikkelsen) militar dinamarquês responsável por colonizar a península da Jutlândia no século XVIII, que hoje compreende a maior parte do território dinamarquês. Estabelecer o primeiro assentamento da região, no entanto, não era uma tarefa fácil e o reinado dinamarquês já tinha perdido o interesse no espaço. É apenas quando Kahlen propõe custear a empreitada do próprio bolso que a Coroa lhe dá permissão para construir seu assentamento. Lá, Kahlen enfrenta as intempéries do ermo, a dificuldade de cultivar um solo tomado por urzes, os saqueadores e principalmente as sabotagens perpetradas pelo magistrado local Frederik De Schinkel (Simon Bennebjerg) que quer as terras para si.

Violência colonial

Se de início Kahlen parece um militar estoico dotado de algum senso de decoro e nobreza, aos poucos descobrimos que a despeito de sua conduta, ele não é um aristocrata, mas o filho bastardo de um aristocrata em busca de reconhecimento dos nobres da Dinamarca. Um reconhecimento que ele sabe que provavelmente nunca terá, já que mesmo frequentando os espaços de alta classe Kahlen é constantemente lembrado que pertence a uma classe inferior, não sendo visto como um igual.

A motivação do personagem parece ser um misto de insegurança e rancor, obstinado em provar seu valor sem se importar o custo ou sacrifício, incluindo abrir mão de aliados ou das pessoas de quem afeiçoou durante a vida nos ermos apenas para obter aprovação ou deixar a colônia crescer. O momento mais marcante do quanto o personagem está disposto a comprometer sua lealdade e moral em nome da aprovação é quando ele aceita em enviar Anmai Mus (Melina Hagberg), uma garota cigana que ele praticamente adotou, embora para um convento porque os colonos alemães acreditam que ela trará má sorte. Mesmo a vitória final sobre Schinkel vem às custas do sacrifício de uma aliada a quem Kahlen não faz qualquer esforço para tirar da prisão.

Rastros de ódio

Schinkel, por sinal, é um vilão tão exagerado que chega a soar aborrecido ao invés de uma ameaça implacável ou funcionar como um antagonista que dá gosto em odiar. A composição de Simon Bennebjerg parece ir na direção de fazer dele um moleque mimado e sádico que não sabe ouvir um não e age com crueldade extrema contra quem o contraria, algo como o Joffrey de Game of Thrones. A diferença é que lá sentíamos a malícia e sadismo do vilão em sua gravidade, enquanto que aqui Schinkel soa mais como um idiota histérico, sendo mais aborrecido do que intimidador.

Não ajuda que trama ande em círculos com seus conflitos, com Schinkel criando algum plano para afastar Kahlen do urzal, Kahlen se dando conta do ardil do adversário, contornando o obstáculo e fazendo todo o ciclo se reiniciar. Chega um ponto em que entendemos essa dinâmica e como isso revela o desejo de uma aristocracia em fazê-lo fracassar e como o protagonista está disposto a cruzar seus próprios limites morais ou rifar aliados para conseguir o que quer até finalmente perceber que o reconhecimento como nobre não curou suas feridas emocionais e buscar se reaproximar de quem verdadeiramente ama.

A fotografia é eficiente em construir o senso de isolamento do protagonista, trabalhando para dar a impressão de que tudo foi filmado com luz natural e usando as sombras para mostrar a vastidão desconhecida ao redor de Kahlen, bem como a impressão de que ameaças podem estar à espreita em qualquer direção. A constante predominância de tons dessaturados contribui para um senso de frieza, de um espaço ermo e sem vida. O isolamento também é construído pelo trabalho de som, com pouco uso de música e uma paisagem sonora marcada por ruídos ambientes que denotam a ausência de muita atividade nos arredores.

Com isso, O Bastardo consegue nos fazer entender a dimensão da empreitada de seu protagonista ao mesmo tempo em que a performance de Mads Mikkelsen revela a obstinação de Kahlen e o vazio deixado pelos sacrifícios feitos em nome do sucesso.

 

Nota: 7/10


Trailer

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