segunda-feira, 16 de setembro de 2024

Crítica – Quando Eu Me Encontrar

 

Análise Crítica – Quando Eu Me Encontrar

Review – Quando Eu Me Encontrar
A ausência de um ente querido promove mudanças no cotidiano de todo mundo afetado por esse vazio. A produção cearense Quando Eu Me Encontrar se propõe justamente a examinar as consequências dessa ausência e como as pessoas reexaminam suas vidas diante dela.

Marcas da ausência

Na trama, a jovem Dayane vai embora de casa sem dar satisfação nenhuma à família. Sua mãe, Marluce (Luciana Souza) fica em choque com a partida repentina que a faz reexaminar sua relação com a própria mãe. Antônio (David Santos), noivo de Dayane, tenta de algum modo encontrar uma explicação para o sumiço da amada, se aproximando da melhor amiga dela, Cecília (Di Ferreira). A irmã mais nova de Dayane, Mariana (Pipa), enfrenta problemas na escola de classe média que ela frequenta como bolsista depois que uma amiga é abusada durante uma festa e elas se tornam alvos de comentários maldosos.

Apesar de ser a força que move a narrativa, Dayane funciona como um espectro, nunca sendo vista ou ouvida. Não sabemos quase nada a seu respeito, além de sua ausência, que nos é tão enigmática quanto para os protagonistas. É uma escolha consciente de deixá-la como uma assombração pairando sobre seus entes queridos. Para a trama importa menos o porquê dela ter ido embora e mais como sua ausência repercute naqueles que ficaram, como uma espécie de luto em vida.

A trama acompanha as personagens com uma abordagem bem naturalista, visando reproduzir um senso de cotidianidade onde as coisas caminham em um ritmo mais lento, sem grandes arroubos dramáticos, com o acúmulo de pequenos eventos movendo a jornada dessas pessoas. Esse senso de naturalidade é encontrado também nos diálogos, que refletem um clima de conversas cotidianas que evitam didatismos ou discursos expositivos, soando de maneira convincente como se fossem pessoas falando sobre seu dia e como se sentem.

Musical introspectivo

Assim, aos poucos vamos percebendo como Marluce desencava os próprios traumas de abandono em relação à sua mãe e teme ter repetido com Dayane o mesmo ciclo de negligência que tentou evitar. Antônio também repensa sua conduta no relacionamento e postura machista enquanto Mariana entende que mesmo com o abismo de classe que a separa dos colegas de escola ela não pode simplesmente aceitar os comentários maldosos depois que a amiga passa por uma situação de abuso. Como o filme investe nessa construção mais cotidiana, porém, muitos desses conflitos são desenvolvidos de maneira implícita, muitas vezes de maneira tão introspectiva com os personagens que a força desses desenvolvimentos emocionais se dilui, sem a intensidade afetiva de algo como Marte Um (2022) que também investe num senso de cotidianidade.

A trama também apresenta segmentos musicais, seja com os próprios personagens cantando, a exemplo da cena em que Marluce canta sozinha em casa ou com os personagens reagindo a algum canto em cena, como nos momentos envolvendo Antônio e Cecília. São momentos que funcionam de maneira antiprogramática em relação às expectativas que temos sobre musicais. Ao invés de buscar o espetáculo e a exuberância essas cenas buscam um minimalismo introspectivo de uma maneira similar a O Que Se Move (2013), de Caetano Gotardo, embora sem a mesma inventividade visual. São números musicais que fazem os personagens olharem para dentro de si ao invés de colocarem para fora o que sentem.

Quando Eu Me Encontrar é um drama singelo sobre ausência e autodescoberta, que envolve pela sinceridade com a qual constrói o cotidiano de suas personagens.

 

Nota: 6/10


Trailer

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