terça-feira, 10 de setembro de 2024

Rapsódias Revisitadas – Campo dos Sonhos

 

Análise – Campo dos Sonhos

Review – Campo dos Sonhos
Lançado em 1989, Campo dos Sonhos foi tão referenciado e parodiado que mesmo que não assistiu conhecia a frase “se você construir, ele virá”. É um drama que se vale do realismo fantástico para falar sobre beisebol, sonhos, relações entre pais e filhos e como o esporte pode unir gerações.

Sonhos e desilusões

A trama adapta um romance escrito por W.P Kinsella, sendo protagonizada por Ray (Kevin Costner), um fazendeiro que está se aproximando da idade que o pai tinha quando ele morreu e teme que, assim como o pai, vai envelhecer sem nunca ter concretizado seus sonhos. Um dia ele ouve uma voz dizendo “se você construir, ele virá” e tem uma visão de um campo de beisebol sendo construído em seu milharal. Com o apoio da esposa, Annie (Amy Madigan), Ray ceifa parte de sua plantação para construir um campo de beisebol. Com o campo pronto, o jogador Shoeless Joe Jackson (Ray Liotta), ídolo do pai de Ray, surge misteriosamente do meio do milharal para jogar apesar de ter morrido há décadas. Ray então começa a ter visões envolvendo o recluso escritor Terrance Mann (James Earl Jones) e decide ir atrás dele, acreditando ser possível resolver o mistério do campo de beisebol.

É uma trama sobre perseguir os próprios sonhos e como nunca é tarde para termos uma segunda chance. A narrativa também reflete sobre o esporte e como a apreciação pelo jogo pode unir as pessoas, incluindo pais e filhos. A narrativa acerta em nunca tentar explicar demais o realismo fantástico de Ray conseguir trazer de volta esses jogadores esquecidos de beisebol ou como ele parece conseguir até viajar no tempo. O porquê disso acontecer não importa, o que importa é como isso impacta o personagem.

Conhecer as histórias desses jogadores esquecidos que nunca tiveram a chance de brilhar nos campos como esperavam faz Ray repensar sua relação com as próprias expectativas que tinha com a vida e também a relação com o pai, um sujeito que abriu mão do sonho de jogar e se tornou um homem frustrado, difícil de lidar e com quem Ray cortou relações. O percurso também impacta o modo de pensar do recluso Mann, um escritor e ativista cujas obras impactaram muito da contracultura da década de 60, mas ele se desiludiu e se isolou do mundo.

No livro de W.P Kinsella o personagem do escritor é uma versão ficcionalizada de J.D Salinger, romancista famoso por O Apanhador no Campo de Centeio e conhecido por seus hábitos reclusos. Para a adaptação cinematográfica a figura de Salinger foi substituída pelo ficcional Terrance Mann depois que Salinger ameaçou processar o estúdio caso seu nome fosse usado no filme.

Pais, filhos e despedidas

James Earl Jones traz sua famosa voz grave (ele é o Darth Vader, afinal de contas) para dar um ar de imponência e autoridade a um escritor brilhante cujos ideais nunca se concretizaram e acredita que a sociedade está desencaminhada. O ator é eficiente em construir um senso de amargura para o escritor, que aos poucos transforma esse pessimismo em esperança conforme a viagem com Ray o mostra como segundas chances são possíveis e que o passado pode ser reparado. Se o desfecho do personagem já era emocionante, assistir o filme depois do falecimento de James Earl Jones dá à cena final do personagem outra dimensão, um senso de despedida ainda mais definitivo, embora ainda dotado de uma celebração afetuosa de toda a sua contribuição para a arte e como seu trabalho impactou e inspirou tantas pessoas ao redor do mundo.

Essa emoção se faz presente também na jornada de Ray, que vai compreendendo melhor a si mesmo e o pai conforme conhece as histórias dos jogadores que cruzam o seu caminho. O destaque fica por conta da conversa com Doc Graham (Burt Lancaster), que jogou apenas uma partida como profissional antes de ser demitido e voltou para sua cidade natal para se tornar médico e referência para a comunidade. É uma história que mostra como nossos sonhos não necessariamente refletem nossa vocação e como a vida nos leva por caminhos que achamos prejudiciais, mas que nos revelam novas possibilidades.

Essas experiências fazem o protagonista repensar suas frustrações, afinal tem uma família que o ama e uma vida estável a despeito das dificuldades, bem diferente da solidão amargurada de seu pai. Ele também entende melhor o que moveu seu pai a ficar tão endurecido pelos rumos da própria vida. Nesse sentido, é difícil não se emocionar com o reencontro final entre os dois no campo de beisebol, uma chance para que ambos reparem os erros do passado e tenham mais um momento juntos. Qualquer um que já perdeu um ente querido é capaz de se identificar com a força emocional disso, da possibilidade de estar com essa pessoa novamente mesmo que por um breve instante.

Talvez seja por isso que Campo dos Sonhos permanece em nossa memória, é um filme sentimental de modo singelo, sem se entregar a excessos ou histrionismos. Uma reflexão sincera acerca do impacto cultural e afetivo do esporte, sobre luto, arrependimento e relações entre pais e filhos.


Trailer


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