quinta-feira, 31 de outubro de 2024

Crítica – Agatha Desde Sempre

 

Análise Crítica – Agatha Desde Sempre

Review – Agatha Desde Sempre
Apesar de ter adorado a vilã afrontosa vivida por Kathryn Hahn em Wandavision, confesso que não estava muito empolgado para a minissérie Agatha Desde Sempre. Primeiro porque não sabia se a personagem tinha estofo suficiente para sustentar uma série sozinha. Segundo porque a produção teve tantas atribulações, sendo reescrita, adiada e sofrendo alterações de título tantas vezes que temi que o resultado fosse uma bagunça incoerente. Felizmente a série é melhor do que eu esperava.

Algo oculto e impuro

A trama reencontra Agatha (Kathryn Hahn) ainda presa na vida ilusória que Wanda (Elizabeth Olsen) criou para ela no final de Wandavision. Ela é libertada graças à intervenção de um misterioso jovem (Joe Locke) que deseja a ajuda de Agatha para adentrar o mítico Caminho das Bruxas e alcançar o poder dado a quem supera seus desafios. Agatha vê no garoto uma oportunidade de recuperar seu poder, montando um novo coven de bruxas de quem poderá extrair poder.

Assim, ela recruta um grupo de bruxas com suas próprias razões para trilhar o caminho, como a especialista em poções Jennifer (Sasheer Zamata), que quer desfazer o feitiço que limitou seu uso de magia, a especialista em proteção Alice (Ali Ahn), que busca reverter uma maldição de sua família, a vidente Lilia (Patti LuPone), que quer compreender melhor seu poder de ver o futuro, e a bruxa verde Rio (Aubrey Plaza), que tem um passado conturbado com Agatha.

Ao contrário de outras histórias de super-heróis que focam nos vilões, a série não tenta transformar Agatha em uma anti-heroína ou justificar suas ações. Ela é, do começo ao fim, uma vilã, alguém que age por suas próprias razões egoístas e usa aqueles ao seu redor para ganho pessoal. Isso não significa deixar de dar a ela complexidade, já que a série explora o passado da personagem, sua relação com o filho e o impacto que a morte dele lhe causou. Isso ajuda a entender a busca dela por poder e o motivo dos problemas de sua relação com Rio e, ainda assim, a narrativa nunca usa isso para abonar a conduta de Agatha.

Isso é ótimo porque a personagem funciona melhor quando permite a Kathryn Hahn faça de Agatha uma figura alegremente maligna, que se diverte com seus próprios ardis e na sua habilidade de manipular as pessoas constantemente recorrendo ao sarcasmo e a comentários ácidos. A atriz, no entanto, transita bem entre esses momentos da Agatha mais afrontosa e grandiloquente e as cenas que requerem uma vulnerabilidade emocional da personagem.

Bruxas em união

Hahn é auxiliada por um ótimo elenco que não só convence da química relutante das integrantes desse coven improvisado por Agatha, que aos poucos vão entendendo que precisam cooperar para superar as provações mortais do Caminho, como também funcionam individualmente. Aubrey Plaza traz o senso de humor sombrio e excêntrico pelo qual se tornou famosa, fazendo Rio soar como alguém tão poderosa e longeva que trata qualquer coisa em seu caminho como um obstáculo facilmente removível. A comediante Sasheer Zamata é muitas vezes relegada a alívio cômico, reagindo ao caos que a cerca, mas consegue trazer todo o peso e dor de Jennifer por estar banida de acessar magia. A cena em que ela finalmente desfaz o feitiço que a baniu traz um senso catártico justamente pela performance de Zamata, que profere as palavras mágicas com a urgência de alguém desesperada para recuperar uma parte de vital de si mesma.

O destaque, no entanto, fica por conta de Patti LuPone como a vidente Lilia. De início a bruxa soa meramente como uma figura excêntrica, cujas premonições parecem deslocadas ou equivocadas, mas conforme a trama progride percebemos como ela tem uma noção diferente de tempo, vivendo toda a temporalidade simultaneamente. LuPone nos faz sentir a angústia de alguém com tão pouco controle sobre seus dons que eles se tornam uma maldição. O episódio centrado nela se estrutura sob o ponto de vista da personagem, nos fazendo ver o mundo sob sua perspectiva e construindo a medida do tormento que é ver tudo ao mesmo tempo o tempo todo.

Aliás, a série é bem habilidosa em construir episódios focados em cada personagem, construindo seu passado, motivações e dores. O episódio focado Alice dá o devido peso aos sentimentos dela em relação à mãe, sua busca por desfazer a maldição da família e sua necessidade de se provar como uma bruxa de proteção. Já o episódio focado no jovem, que se revela como Billy Maximoff, o Wiccano, não só revela como Billy sobreviveu aos eventos de Wandavision como serve como uma sensível alegoria queer conforme o personagem descobre os próprios poderes e sente que há algo diferente em si, buscando compreender o que está acontecendo ao mesmo tempo em que teme revelar a verdade sobre si para as pessoas ao seu redor.

Nesse ritual, a glória é o final

Billy forja uma relação complicada com Agatha, já que ele sabe que poucas pessoas além dela seriam capazes de ajudá-lo a compreender o próprio poder ao mesmo tempo em que sabe que não pode confiar nela. Essa tensão move boa parte da série e vai até o clímax quando Billy parece cair em uma última traição de Agatha e consegue convencê-la a não entregá-lo a Rio (por sinal o confronto entre Rio e Agatha falha em nos fazer sentir a extensão do poder de Rio). De início achei essa guinada de Agatha fácil demais, como se bastasse mencionar seu filho morto para ela recobrar alguma consciência, entretanto o final mostra como esse ato foi movido menos por altruísmo e mais porque Agatha encontrou nele um meio de se livrar de Rio. É uma decisão inteligente, uma vez que mantem a essência egoísta e inescrupulosa da personagem enquanto a coloca em uma situação na qual ela não tem outra escolha além de depender da cooperação com Billy devido ao seu atual estado.

Por outro lado, alguns aspectos do passado de Agatha que pareceriam ser importantes para a trama acabam sendo pouco explorados. De início a narrativa estabelece as bruxas do antigo coven de Agatha em Salem como a principal força antagônica, constantemente perseguindo os personagens. No entanto, lá pela metade da série uma das provas do Caminho força o grupo a enfrentar as bruxas, lideradas pela mãe de Agatha, Evanora, e o embate mostra como Evanora sempre tratou Agatha como uma ameaça e com menosprezo. É algo que poderia ajudar a compreender a personagem, mas que a série nunca explora, já que depois desse episódio toda a questão das bruxas de Salem no encalço do grupo é deixado de lado. 

A correria pelo caminho muitas vezes não dá espaço para que algumas mortes repercutam como deveriam, dando a impressão que a trama não faz justiça a certas personagens. O final também deixa muita coisa em aberto e, por mais que saibamos que isso pode ser explorado depois, algumas dessas questões são centrais para narrativa, o que deixa a sensação de que nem tudo foi bem amarrado.

Talvez seja uma questão de expectativa, mas eu fui assistir a série esperando o pior e me surpreendi positivamente com Agatha Desde Sempre e o modo como ela entende a complexidade sombria de sua protagonista sem tentar forçar uma redenção, conseguindo encontrar espaço para desenvolver suas personagens coadjuvantes e refletindo sobre a dureza que é lidar com a perda e a inevitabilidade da morte.

 

Nota: 7/10


Trailer

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