sexta-feira, 4 de outubro de 2024

Crítica – O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder 2ª Temporada

 

Análise Crítica – O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder 2ª Temporada

Review – O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder 2ª Temporada
Depois de uma primeira temporada que demorava a desenhar seus principais conflitos e que funcionava como um grande prólogo de uma narrativa que estava por vir, a segunda temporada de O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder entrega uma narrativa mais concisa e focada do que seu ano de estreia. Se o primeiro ano demorou a encontrar um rumo, esta temporada já parece saber desde o início qual será seu foco.

Se na temporada anterior tudo girava em torno da possibilidade de Sauron (Charlie Vickers) estar vivo, aqui a temporada foca justamente no vilão e como ele manipula todos à sua volta, em especial o artesão élfico Celebrimbor (Charles Edwards). Os três anéis élficos forjados no final do primeiro ano foram realizados sem a influência de Sauron e agora o vilão quer estar perto de Celebrimbor conforme o convence a forjar anéis de poder para os anões e homens, inserindo suas trevas nos artefatos. Ao mesmo tempo, Galadriel (Morfydd Clark) tenta convencer o rei Gil-Galad (Benjamin Walker) e Elrond (Robert Aramayo) da presença de Sauron entre eles e de como os anéis élficos podem ser importantes para a batalha que virá. O Estranho (Daniel Weyman) segue em sua peregrinação para leste ao lado de Nori (Markella Kavenagh) enquanto Míriel (Cynthia Addai-Robinson) e Elendil (Lloyd Owen) retornam para Numenor apenas para se verem sob a suspeita dos opositores liderados por Pharazon (Trystan Gravelle).

Coração das trevas

As obras de Tolkien, como O Hobbit e O Senhor dos Anéis, sempre tiveram como tema central a noção de que a sede por poder (seja político, militar ou financeiro) é capaz de corromper as pessoas e a série coloca isso em evidência neste segundo ano, testando as convicções de seus personagens conforme Sauron, sob o disfarce de Annatar (senhor das dádivas em élfico), influencia Celebrimbor a forjar os anéis que mudarão os rumos da Terra-Média. É visível como Sauron usa o ego de Celebrimbor para manipulá-lo, encorajando a vaidade do artesão e a ambição dele de realizar obras que superem o lendário Feanor (o responsável pela criação das silmarils), tornando-o uma presa fácil a seus esquemas.

O anel presenteado aos anãos (uso aqui o plural das traduções recentes e que consta nas legendas da série) facilmente domina o coração do rei Durin III (Peter Mullan) que se deixa controlar por suas ambições, colocando em risco todo o reino para o pesar do príncipe Durin IV (Owain Arthur). Através do palantír, Sauron domina Pharazon, apelando para sua ambição de se aproximar dos portões das terras imortais e se igualar aos elfos, instigando Pharazon a tomar o poder em Numenor e iniciar um governo autoritário (quem leu O Silmarillion sabe na tragédia que isso vai acarretar).

Em sua peregrinação com Nori, o Estranho encontra o misterioso Tom Bombadil (Rory Kinnear) e o mago sombrio (Ciaran Hinds), que também testam suas convicções, colocando diante dele a escolha entre a busca por poder e a lealdade a suas aliadas Nori e Poppy (Megan Richards). Se a primeira temporada terminou com algumas pistas sobre o real nome do Estranho, aqui se torna bem fácil deduzir com os indícios dados ao longo da temporada. Primeiro temos os hobbits do leste se referindo a ele como Grand’elfo (eles o confundem com um elfo) e Nori em algum momento fala que ele está buscando seu “gand” (o termo para cajado em certa língua da Terra Média). Se você conhece o motivo de um certo mago de O Senhor dos Anéis ter seu nome, esses diálogos tornam bem evidente quem é o Estranho.

Aprisionados na escuridão

O que faz a temporada funcionar, porém, é como a série desenvolve o componente humano e trágico dessas histórias. Sim, há um claro vilão em Sauron, mas ele não cria ou sequer desperta os impulsos mesquinhos, cruéis ou gananciosos daqueles que manipula. Todos esses aspectos já estavam presentes naqueles indivíduos, como a ambição de Celebrimbor, com Sauron agindo mais como um instigador, sussurrando no ouvido daquelas pessoas que não há nada errado em cederem aos seus piores impulsos, do que uma força que corrompe pessoas puras.

Nesse sentido, a série mostra como qualquer espécie é suscetível a ser tomada por suas ambições, desde os humanos, que sempre foram descritos como facilmente corruptíveis, passando pelos anões, sempre focados em suas riquezas, e até os elfos, normalmente descritos como altivos e virtuosos, mas que aqui também cedem aos seus egos e ambições. Isso não se aplica somente a Celebrimbor, já que Elrond, cego por sua repulsa aos anéis élficos, quase põe muito a perder por querer impedir Galadriel e Gil-Galad de usarem os artefatos. Do mesmo modo se os orques costumam a ser descritos como uma raça naturalmente má, a série, desde a temporada anterior, tenta dar nuance a isso através de Adar (Sam Hazeldine), mostrando como as criaturas, como qualquer outra da Terra-Média querem se livrar do julgo de Sauron, mas, como muitos outros, Adar tem suas ambições manipuladas pelo vilão e, ao liderar um ataque à cidade élfica na qual Sauron se esconde, Adar dá ao vilão exatamente o que ele precisava para cumprir seus planos.

A tragédia desses indivíduos reside muito em ver como esses personagens tinham potencial para fazerem coisas boas e como suas boas intenções são pervertidas pelos esquemas de Sauron e acabam servindo a ele. Charles Edwards desenvolve muito bem a queda de Celebrimbor, que começa empolgado a forja dos anéis, certo de que isso o fará entrar para a história, mas que aos poucos vai percebendo os problemas de sua obra e praticamente enlouquece com a culpa e o pesar do que fez e quando percebe o ardil de Sauron é tarde demais para evitar. O mesmo acontece com Adar, que em seus últimos momentos abre mão do poder do anel de Galadriel (e de retornar à sua forma élfica) para aceitar uma aliança entre elfos e anãos, apenas para perceber que é tarde demais e que Sauron já dominou seus orques.

Do mesmo modo, o arco entre Durin IV e o pai revela a dor de ver um ente querido se perdendo entre suas ambições e arriscando não só o próprio legado, mas todo o seu povo. O príncipe claramente ama o pai, o que evita que ele tome qualquer ação mais agressiva, e tenta convencê-lo com palavras que nunca surtem efeito. Owain Arthur ilustra bem o sentimento de impotência do príncipe Durin IV em ver o pai se afundar em suas piores facetas, ao mesmo tempo em que se culpa por não fazer o que é preciso para evitar que o rei destrua a montanha. Como boa parte dos arcos da temporada, tudo termina em tragédia, ainda que o príncipe consiga evitar um problema maior ao trazer o rei de volta a si.

O senhor da escuridão

No centro disso tudo está Sauron e é difícil não elogiar o trabalho de Charlie Vickers em construir a desfaçatez sórdida do vilão. Alguém que usa uma fala mansa e uma linguagem polida para sussurrar veneno nos ouvidos de suas vítimas sem que elas sequer tenham ciência do que ele está fazendo e mesmo quando desconfiam dele, como no caso de Celebrimbor, ele afeta uma inocência tão convincente que faz todos acreditarem nele. 

Por outro lado, quando se revela plenamente como Sauron, Vickers destila uma crueldade irrefreada, brincando com suas vítimas como um predador brinca com uma presa ferida, dizendo tudo que mais os magoa, mostrando visões das trevas que virão, revelando o quanto foram facilmente dominadas por ele ou eliminando qualquer ao menor inconveniente. Ele também demonstra a extensão de seu poder durante algumas cenas de ação, em especial em sua luta contra Galadriel no episódio final, facilmente esquivando de qualquer ataque contra ele e revidando com golpes poderosos que jogam seus inimigos para longe. Ao longo da temporada Sauron é construído como um vilão formidável, alguém com uma inigualável capacidade de antever os passos de seus inimigos e formar estratégias contra eles. Ele também é dotado de um poder bruto capaz de superar qualquer um em um confronto direto.

Eventos canônicos

Essas qualidades, porém, não significam que a série não tenha sua parcela de problemas. Um dos meus principais incômodos é com a construção da temporalidade. Pelo que é descrito nas obras de Tolkien, esses eventos da Segunda Era, como a forja dos anéis de poder, a corrupção dos reis e a guerra contra Sauron, se desenvolvem ao longo de décadas e séculos. Na série, porém, a impressão é que tudo aconteceu ao longo de poucos meses, nunca dando a dimensão da amplitude desses conflitos. O fato da maioria dos personagens serem imortais ou que envelhecem bem mais lentamente que pessoas normais (um problema que acontecia também em The Witcher) certamente não ajuda a narrativa a desenvolver esse senso de tempo. 

Incomoda também como certas escolhas narrativas “quebram o cânone” estabelecido em certos eventos e personagens quando a série poderia explorar outras lacunas dos escritos tolkenianos, como faz muito bem no arco dos anãos cujos efeitos dos anéis sobre eles não foram explorados por Tolkien. Sim, algumas dessas escolhas são inofensivas, a exemplo da informação de que a porta secreta para Moria foi criada durante a forja dos anéis quando nos livros é estabelecido que ela é anterior. Outros elementos, como a identidade do Estranho ou Durin IV vendo o balrog nas entranhas da montanha, parecem estar presentes apenas porque a série quer fazer fanservice ao remeter a elementos conhecidos da trilogia O Senhor dos Anéis e não necessariamente porque isso ajuda a trama de alguma maneira.

Ainda assim, a segunda temporada de O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder funciona ao focar na ascensão de Sauron e na tragédia daqueles que tiveram suas ambições usadas por ele.

 

Nota: 8/10


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