Mãe eletrônica
De início o arco de Roz para cuidar de Bico-Bonito serve como uma metáfora para os desafios da maternidade e faz isso com uma sinceridade que nem sempre encontramos em produções voltadas ao público infantil. Há, obviamente, a construção do afeto entre ela e o bebê ganso, mas o filme também revela as agruras da maternidade (ainda mais uma inesperada) de ter que repensar os hábitos e abrir espaço para comportar essa nova vida no cotidiano mesmo que o tempo dedicado a essa cria não seja o mais eficiente ou que até atrapalhe o andamento de nossas atividades. Isso é ilustrado na cena em que Roz começa a construir uma casa para eles e Bico-Bonito tenta ajudar colocando pequenos gravetos, de início Roz rejeita a ajuda do pequeno ganso afirmando que ele não seria necessário e só iria atrasá-la, mas ao vê-lo triste, decide incluí-lo no processo só para vê-lo feliz, mesmo que não seja a melhor maneira de cumprir a tarefa.
É também uma reflexão sobre a maternidade como um exercício de desprendimento, já que Roz está essencialmente criando o pequeno ganso para que ele saia da ilha, e como é importante criar filhos para que eles sejam autônomos. Nesse sentido, o aprendizado de Roz é também o de deixar de lado uma postura surperprotetora e permitir que o pequeno ganso se engaje com o mundo e aprenda coisas que ela sozinha não conseguiria ensinar a ele.
Gentileza gera gentileza
Conforme a época da migração e Roz pensa não ter mais propósito depois de preparar Bico-Bonito para a maturidade, a trama muda para uma reflexão sobre a cooperação e tolerância conforme a protagonista encontra um novo objetivo em ajudar os animais da ilha a sobreviverem o inverno. De certa forma essa busca por um novo propósito remete à “síndrome do ninho vazio” que acomete mães e pais depois que seus filhos vão embora de casa.
O foco dessa segunda metade, no entanto, parece ser no esforço de fazer os animais da ilha entenderem que eles tem mais chances de sobreviverem juntos, ajudando uns aos outros, do que se continuarem disputando recursos uns com os outros. Se Escobar inicialmente acha Roz ingênua por achar que a cooperação é um melhor meio de vida, ao longo do inverno ele percebe como os laços de amizade que se constroem entre os animais apenas fortalecem o coletivo.
O filme é inteligente de comunicar essas transformações dos personagens, em especial de Roz, através da construção visual deles. Conforme a trama progride e a robô se danifica, a vemos improvisar reparos com elementos da floresta, como o uso de casca de árvore para substituir um painel da perna, ou como a vegetação começa a crescer em várias partes de seu corpo, conotando como ela está se tornando parte daquele ambiente. Do mesmo modo, a cena em que ela salta da aeronave ao final e arranca seu núcleo de energia para colocar Bico-Bonito dentro de si para protegê-lo funciona como uma metáfora visual de como Roz abandonou sua programação e passou a ter o pequeno ganso e toda a floresta como seu “núcleo”. Seu coração não é mais um dispositivo artificial, mas a vida pulsante daquela floresta.
A conclusão emociona justamente
por funcionar como a culminação de toda a construção afetiva da trama, tanto
entre Roz e Bico-Bonito, como também entre ela e os diferentes animais da
floresta. Uma celebração emotiva de como o afeto, o cuidado e a gentileza são
capazes de transformar o mundo. Uma mensagem inspiradora que o filme apresenta
com um sabor um pouco agridoce por conta da escolha final de Roz, mas que não
deixa de ser carregada de otimismo.
Nota: 8/10
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