Make love, not war(craft)
A família de Mats teve acesso aos logs do fórum do clã que ele participava no jogo, mostrando mais de 42 mil páginas de interações e ações dele ao longo de anos no mundo de WoW como o personagem Ibelin Redmoore e, a partir disso, o documentário recria muito da vivência de Mats usando os avatares e ambientes do jogo, algo similar ao que South Park fez em seu episódio sobre WoW. Mesclando essas cenas com narrações do blog pessoal de Mats em que ele refletia sobre sua vida e os impactos de suas limitações, além de entrevistas com familiares do jovem e os amigos que ele fez no jogo compreendemos o alcance das relações que ele construiu e a oposição entre o que a família achava de sua existência isolada em casa e na sociabilidade que ele tinha online.
As cenas no jogo servem para ilustrar como esse mundo virtual permitia a ele viver certas experiências sem se preocupar com suas limitações físicas, já que dentro do jogo com seus companheiros de clã ele podia usar seu avatar sentar na floresta e fazer piqueniques, sair para “beber”, dar abraços e várias outras ações que ele não poderia realizar no mundo real. Mais que isso, o jogo lhe permitia interagir com outras pessoas sem que elas soubessem de seus problemas de saúde e que não o julgariam por isso, fazendo ele receber das pessoas no jogo um tratamento diferente dos olhares de pena ou estranhamento que recebia no mundo real.
Alma eletrônica
Nesse sentido o filme pensa como os games permitiram a Mats transcender suas limitações físicas, ponderando sobre o transhumanismo presente nessas experiências de mundos virtuais compartilhados e das possibilidades de sociabilidade que eles trazem. Games são muitas vezes analisados como um meio alienante, que distancia as pessoas da realidade e aqui vemos como é possível que eles dão a possibilidade de criar laços significativos, de pertencer a uma comunidade e construir afetos duradouros. De certa forma, o jogo não afastou Mats do mundo real, ele o aproximou de uma experiência de socialização que ele provavelmente não conseguiria ter no mundo real e o documentário usa a história de Mats para ressaltar a importância de recursos de acessibilidade em games.
O documentário é inteligente ao não reduzir a experiência de Mats no jogo como uma maravilha ou romantizar a situação para tentar argumentar que as vivências no jogo substituem plenamente interações no mundo real. Ao longo da trama vemos como as inseguranças de Mats com sua aparência e suas limitações no mundo real o afastavam dos amigos virtuais, já que ele evitava falar de seus problemas e temia ser julgado por eles. A narrativa também reflete que mesmo interagindo com muitas pessoas virtualmente e até se envolvendo em flertes através do seu avatar no jogo, Mats nunca se declarou para a garota de quem gostava e nunca viveu um namoro pleno, tanto pelas limitações de só interagir pelo jogo, como a própria relutância do jovem em se declarar ou querer assumir uma relação de fato por medo de como isso poderia terminar. Assim, o filme é cuidadoso em sua reflexão sobre as possibilidades de desenvolvimento de sociabilidade em ambientes virtuais, entendendo a complexidade da situação e como esses mundos virtuais não são capazes de substituir relações que se estendem para o mundo real.
Mesmo com esse cuidado, A Extraordinária Vida de Ibelin não
deixa de construir uma emoção genuína em relação à trajetória de Mats,
mostrando o impacto do contato dele na vida dos amigos virtuais e como a
descoberta dos pais dessa vida oculta que o filho levava os fez perceber que
ele teve uma vida mais plena do que imaginavam.
Nota: 8/10
Trailer
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