terça-feira, 12 de novembro de 2024

Crítica – Pinguim

 

Análise Crítica – Pinguim

Review – Pinguim
O anúncio de que o recente Batman (2022) ganharia uma série derivada centrada no Pinguim (Colin Farrell) não me soava muito interessante. Parecia mais o tipo de tentativa de forçar mais um universo compartilhado cheio de spin offs do que algo que partia de alguma premissa interessante. Os primeiros episódios de Pinguim reforçaram um pouco essa impressão, já que apesar de um drama competente, tudo soava muito derivativo. O protagonista, com seu ego instável, sociopatia violenta, relação tóxica com a mãe e Complexo de Édipo mal resolvido remetiam tanto ao Tony Soprano que a série parecia ser basicamente um Família Soprano situado no universo do Batman.

Ruas malignas

Felizmente conforme a série avança ela se mostra mais do que isso, tanto pelos modos com os quais explora a trajetória de Oswald quanto pela disputa que desenvolve entre ele e a imprevisível Sofia Falcone (Cristin Milioti). A narrativa segue do ponto em que Batman terminou, com parte de Gotham inundada depois das bombas detonadas pelo Charada (Paul Dano). Oz vai até a sua boate, no local onde Carmine Falcone morava, para tentar conseguir os arquivos do mafioso morto e todo seu material de chantagem. Lá ele encontra Alberto Falcone (Michael Zegen), filho de Carmine que também estava de olho no espólio do pai. Quando Alberto ofende o ego de Oz, ridicularizando suas ambições, ele é violentamente morto pelo gângster, que agora precisa esconder o corpo de Alberto para não ser implicado em sua morte. Para piorar a situação Sofia, irmã de Alberto, finalmente é liberada de Arkham e está disposta a qualquer coisa para encontrar o irmão.

Muito do que torna a série interessante é a complexidade de seus dois personagens centrais. Oz é um sujeito nascido na pobreza, obcecado em vencer a qualquer custo, mas por conta de sua origem nunca foi visto como nada mais do que um capanga por líderes como o Falcone. Seu ressentimento com as elites financeiras da cidade, mesmo as do crime organizado, nasce de um ódio de classe bem compreensível considerando o quanto Gotham é desigual. Por outro lado, Oz não é nenhum revolucionário e busca o maior ganho pessoal possível independente de quem tenha que matar. Ele é um sociopata que sempre recorre à violência quando contrariado, mas tem um profundo complexo de inferioridade não apenas por sua origem, mas pela relação complicada com a mãe, que o mima em demasia ao mesmo tempo em que constantemente o emascula. Uma combinação explosiva de tendências homicidas e baixa autoestima que resulta na trajetória de mortes que acompanhamos ao longo da série.

Oz inclusive percebe o valor desse ressentimento de classe e usa isso para recrutar novos asseclas e fazer os tenentes das outras famílias mafiosas a se voltarem contra seus líderes. De certa forma, a disputa entre ele e Sofia é uma disputa entre uma aristocracia tradicional e as pessoas exploradas por elas. Em meio a isso está Victor (Rhenzy Feliz), jovem pobre que é forçado a cooperar com Oz depois que ele o pega tentando roubar seu carro. Inicialmente o garoto coopera com Oz por medo dele, mas aos poucos é atraído pelo estilo de vida do gângster e passa a entender que numa cidade como Gotham, o crime é talvez o único meio de ascensão social para alguém como ele.

Oz desenvolve com Victor a única relação minimamente saudável que ele parece ter com qualquer pessoa ao longo da série, já ele se torna mais do que um subalterno e sim um aliado valioso, responsável inclusive pela aliança final que dá a Oz o controle da máfia da cidade. Esse elo quase fraterno é justamente a perdição de Victor, por conta da noção problemática que Oz tem de família (é difícil não se chocar com o que ele fez com os irmãos ainda na infância) e com a pouca disposição que o gângster tem em dividir suas glórias com quem quer que seja.

Mulheres silenciadas

Se Oz se sente invisível por sua origem social, Sofia se sente invisível por ser mulher em um ambiente masculino e machista, nunca sendo ouvida por seu pai apesar de ser mais competente do que Alberto ou qualquer outro na gestão dos negócios da família. A jornada de Sofia é marcada por ter seu destino alterado por homens que insistem que ela deve aceitar o seu lugar e não questionar a ordem das coisas. Ela não é apenas traída por Oz, a quem ele descarta no momento em que vê que pode cair nas graças do pai dela, como tem a vida destruída pelo próprio pai, que imputa nela crimes que ele próprio cometeu. Sofia enfrenta tanto Oz quanto o legado sangrento de sua família.

O episódio que mostra o seu passado internada em Arkham nos faz entender porque ela dava tanta importância a Alberto, já que ele foi o único parente que tentou ajudá-la, e como anos submetida a violência física e psicológica a tornaram a figura instável que conhecemos no início da série. Cristin Milioti traz uma intensidade insana a Sofia, se valendo de seus olhos expressivos para comunicar muito da intempestividade da personagem sem precisar falar. Basta olhar para o rosto de Sofia para ver que estamos diante de alguém instável e que foi tão machucada que agora rechaça com violência extrema qualquer ato que ela interprete como ameaça. A cena em que ela abre todos os seus ressentimentos contra os parentes em um jantar de família revela o quanto ela cansou de manter as aparências e está disposta combater qualquer um que ela ache que lhe fez mal, principalmente levando em conta as consequências mortais desse jantar.

Que ao final ela decida jogar tudo para o alto apenas para se vingar de Oz mostra como ela percebe que continuar nesse universo criminoso seria apenas repetir os mesmos padrões destrutivos de família em relação às mulheres, principalmente quando Sofia percebe as consequências de seus atos sobre sua sobrinha, servindo também como até atos de aparente piedade tem consequências sombrias em um local como Gotham. A ironia de tudo é que ela termina onde começou justamente por mais um grupo de homens se reunindo em segredo para decidir que ela é louca e deve responder pelos crimes desses mesmos homens. Não que ela seja plenamente inocente, ele explodiu uma bomba que abriu uma cratera na cidade, mas boa parte dos crimes pelas quais ela é presa não foram sua responsabilidade.

Universo desconectado

Apesar de continuar diretamente a trama de Batman (2022), é estranho a completa ausência de menções ao morcego ao longo da série considerando que no final do filme toda a cidade sabe que o Batman existe. Eu nunca esperei que o Robert Pattinson ou o Gordon de Jeffrey Wright aparecessem na série, mas que ao menos ouvíssemos algo sobre eles, como criminosos temendo agir à noite por medo de topar com o Batman ou algum telejornal mencionando criminosos pegos pelo herói enquanto Oz fazia seus esquemas, justificando porque o morcego não interferiu nos eventos que vemos ao longo da série. É difícil ainda mais crer na ausência do Batman durante os dois últimos episódios quando Sofia causa um explosão na cidade quase tão severa quanto a do Charada. Sim, na cena final de Oz em sua cobertura vemos o bat-sinal no céu, mas é estranho que o sinal só tenha aparecido naquele instante e não em tantos outros banhos de sangue que Oz, Sofia e outros cometeram ao longo da série.

Em meio a tantos personagens bem construídos como Oz, Sofia ou a mãe de Oz, Francis (Deirdre O’Connel), o terapeuta de Sofia que a acompanha durante boa parte da série se destaca negativamente. O personagem é mais um dispositivo de roteiro para dar a Sofia o que ela precisa do que um sujeito plenamente realizado, já que sua devoção à Sofia nunca é desenvolvida pela narrativa e essa ausência de motivação é prejudicada também pela performance inane de Theo Rossi (que também já tinha sido um dos elos fracos da série do Luke Cage) que nunca situa a servitude do médico em nenhuma emoção real. Felizmente é um personagem que aparece pouco e não prejudica muito o resultado final.

Embora comece como uma história de máfia bem típica, Pinguim acaba sendo mais interessante do que seu início derivativo por conta das performances de Colin Farrel e Cristin Milioti e pelo modo como explora o que move seus personagens.

 

Nota: 8/10


Trailer


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