Reescrevendo a história
A narrativa acompanha a trajetória da cantora Amy Winehouse (Marisa Abela), focando no lançamento do álbum Back to Black e na relação entre ela e seu pai, Mitch (Eddie Masran), e o marido, Blake (Jack O’Connell), bem como os problemas da cantora com drogas. Como as produções que citei no primeiro parágrafo, o filme se limita a reconstruir momentos notórios da vida da cantora, mas não ajuda a compreender quem ela era para além desse retrato midiático.
O mais problemático, porém, é como a narrativa trata Amy e as relações conflituosas com as figuras masculinas de vida. Seu pai, Mitch, foi alguém com quem Amy brigou várias vezes, incluindo denúncias de que ele explorava o trabalho dela para seu ganho pessoal, fazendo acordos ou gastando seu dinheiro sem que ela soubesse e a visse basicamente como uma conta bancária ambulante. Considerando que Mitch é um dos produtores do filme, não é de surpreender que a produção o trate como um santo, um pai abnegado querendo cuidar da filha problemática e ingrata que nunca ouve seus conselhos e sempre se mete em problemas.
Do mesmo modo, o marido Blake, que foi responsável por apresentar Amy às drogas pesadas e agiu como uma influência tóxica, manipuladora e destrutiva em sua vida é tratado aqui como um sujeito sensato, que percebe a natureza problemática de Amy e tenta alertá-la sobre como eles podem ser perigosos um para o outro se ficarem juntos, mas, assim como Mitch, tem seus esforços frustrados pela natureza impetuosa e descontrolada da cantora.
Mimetismo superficial
Não lembro outra biografia com tão pouca empatia por seu biografado, já que aqui Amy recebe um retrato unidimensional como uma drogada degenerada que desperdiça o próprio talento com uma conduta destrutiva. A trama o tempo todo a julga por seu uso de drogas com um moralismo anacrônico e nunca tenta entender o que impele seu comportamento de autodestruição e autossabotagem. O olhar sobre Amy como uma porra-louca intratável enquanto os personagens masculinos são salvadores sensatos é tão machista que chega a ser surpreendente que o filme tenha sido dirigido por uma mulher. Sam Taylor-Johnson já tinha conduzido uma biografia competente em O Garoto de Liverpool (2009) ao tratar da juventude de John Lennon, mas aqui todas as suas decisões soam equivocadas.
Mesmo o uso das canções mais marcantes de Amy perde o impacto diante de cenas burocráticas que se limitam a reproduzir as apresentações mais célebres da cantora. Ora, se é pra simplesmente reproduzir a performance, porquê não usar logo imagens de arquivo? Esse esforço de reprodução mimética do real não serve aqui para lançar qualquer olhar a respeito do que a fez ser uma voz tão celebrada.
Mimética e vazia é também a performance de Marisa Abela como Amy, que limita a reproduzir os trejeitos e cadência de fala, sem buscar as intenções internas que motivassem o modo de agir da personagem. Jack O’Connell carece de canalhice e desfaçatez como Blake, falhando em trazer a ambiguidade de uma figura que embora pudesse amar de verdade Amy, também a via como um meio de viabilizar sua vida de drogas e festas, parasitando a riqueza da amada. Claro, parte do problema é o texto que retrata Blake sob uma luz majoritariamente positiva, mas nem o roteiro o trata completamente como um cara bonzinho, sendo esperado que O’Connell ao menos trouxesse um charme cafajeste ao personagem, o que não acontece. A única performance minimamente interessante é a breve participação da sempre confiável Leslie Manville como a avó de Amy.
Com um retrato demasiadamente
unidimensional e moralista que julga sua protagonista ao mesmo tempo em que
isenta os homens ao seu redor Back to
Black é um desserviço a Amy Winehouse, falhando em analisar o que a cantora
tinha de tão especial e seu legado para a música.
Nota: 2/10
Trailer
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