sexta-feira, 27 de dezembro de 2024

Crítica – Nosferatu

 

Análise Crítica – Nosferatu

Review – Nosferatu
Considerado um dos primeiros filmes de horror, Nosferatu (1922) segue impactante mesmo hoje, mais de cem anos depois de seu lançamento. Essa releitura do romance Drácula, escrito por Bram Stoker, já tinha recebido um remake, dirigido pelo também alemão Werner Herzog em Nosferatu: O Vampiro da Noite (1979). Agora, o vampiro imortalizado nos cinemas por atores como Max Schreck e Klaus Kinski retorna nas mãos do diretor Robert Eggers (de A Bruxa e O Farol), que traz sua construção cuidadosa de atmosfera para essa história.

A sombra do vampiro

A trama se passa na Alemanha do século XIX. O recém-casado Thomas Hutter (Nicholas Hoult) almeja uma promoção e, para isso, aceita a tarefa de ir até a Transilvânia levar documentos para uma propriedade alemã que o misterioso conde Orlok (Bill Skarsgard). Lá Thomas encontra um mal ancestral que fixa sua mira em Ellen (Lily Rose-Depp) e chega na Alemanha levando uma praga de ratos que ameaça toda a cidade.

É um conto sombrio sobre corrupção e decadência, com a praga que Orlok libera sobre a cidade funcionando como um reflexo de uma sociedade moralmente corrompida apesar de se dizer iluminada. Thomas é tão focado em ganho pessoal e ascensão social que assina sem ler os contratos que Orlok lhe dá assim que vê as bolsas de ouro que o vampiro lhe oferece. A maneira como Eggers ilustra a assinatura do contrato, repleta de gravidade, deixa bastante evidente que ele está assinando algo mais do que uma procuração de compra e venda. Do mesmo modo o chefe de Thomas, Knock (Simon McBurney), não hesita em entregar o funcionário em troca do poder que o vampiro lhe promete ou como Friedrich (Aaron Taylor-Johnson) se preocupa mais com sua posição ou seus negócios do que qualquer outra coisa.

Se não tivéssemos passado recentemente por uma pandemia, pensaria que pessoas pensando mais no bem estar pessoal ou na economia do que nas medidas de segurança para conter uma praga talvez considerasse implausíveis certas ações (como no passado achava absurda a conduta do prefeito de Tubarão), mas a realidade é por vezes mais terrível que a ficção. Sim, o mal parte de Orlok, mas sua vileza só encontra por onde se arrastar pelo fato do coração humano ser tão facilmente corrompido.

Uma sinfonia de horror

Como no original alemão, o filme de Eggers investe em uma atmosfera soturna, com ambientes permeados por sombras e cores dessaturadas. O filme cria paisagens etéreas e sinistras, que parecem saídas diretamente de um pesadelo. Orlok está quase sempre envolto na escuridão, com o filme raramente nos mostrando mais do que algumas poucas partes de seu corpo, como os dedos nodosos de unhas longas ou os dentes afiados em sua boca. Ele permanece durante quase toda a projeção como uma figura sombria, enigmática, que sabemos o que representa, mas que não vemos ou compreendemos completamente.

Desaparecendo na maquiagem e nas suas escolhas de interpretação, Bill Skarsgard entrega um Orlok assustador (cuja aparência me remeteu ao Klaus Kinski), com uma voz gutural que soa quase animalesca e uma presença imponente. Quem também entrega uma performance intensa é Lily Rose-Depp, cuja Ellen é constantemente perturbada pela sua sensibilidade ao sobrenatural e pelo controle que Orlok tenta exercer sobre ela. Por mais que a performance física dela possa ter sido amplificada por efeitos visuais não deixa de impressionar o modo como ser corpo se contorce e se move de maneiras pouco naturais nas cenas de possessão. Chama atenção também o alcance emocional da atriz nessas cenas, passando rapidamente da doçura à malícia, transformando rapidamente o rosto e a voz, soando como um corpo usado como marionete por diferentes forças. Suas cenas com Orlok são carregadas por um temor constante, mas também por certa dose de erotismo.

Apesar da performance de Rose-Depp, o arco de Ellen talvez seja o mais problemático do filme por conta das várias contradições que cria para si. A trama tenta fazer dela uma mulher virtuosa, cuja sensibilidade ao sobrenatural é um talento incompreendido pela sociedade à sua volta, que a trata como frágil ou desequilibrada. Por outro lado, numa revelação que acontece lá pela metade ouvimos Ellen dizer que foi ela quem despertou Orlok de seu sono anos atrás, sendo ela a responsável por tudo que está acontecendo. Se até então o vampiro era um reflexo da corrupção no coração dos homens, agora ele é um mal liberado por uma mulher que mexeu com algo que não deveria, tal como Eva, Ellen é uma espécie de portadora do pecado original que está destruindo todos ao seu redor. Como as circunstâncias de como ela o despertou não são plenamente explicadas, a narrativa faz parecer que tudo foi culpa dela.

Daí que ela deixa de ser essa figura incompreendida e virtuosa para ser a pecadora que precisa morrer para expiar os próprios pecados e salvar os homens ao seu redor num sacrifício altruísta que exime os demais homens das falhas que exibiram ao longo da narrativa. Sim, essa é uma narrativa que se passa no século XIX, mas foi feita nos dias de hoje, com o olhar e a sensibilidade contemporâneas, soando anacrônico a noção de incutir na mulher esse fardo da virtude e da expiação, bem como a culpa pelos males do mundo. Se ao menos ela terminasse encontrando um meio de eliminar o vampiro através de algum ardil ao invés do sacrifício ou se o motivo da fixação de Orlok fosse outro (talvez ela o lembrasse de uma amada do passado), o arco da personagem soaria menos moralista e menos em contradição com os temas principais do filme.

Mesmo com decisões questionáveis na construção de algumas personagens, Nosferatu é um terror envolvente por conta de sua atmosfera sinistra, clima de pavor e ótimas performances.

 

Nota: 8/10


Trailer

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