terça-feira, 17 de dezembro de 2024

Crítica – O Auto da Compadecida 2

 

Análise Crítica – O Auto da Compadecida 2

Review – O Auto da Compadecida 2
Já faz alguns anos que Hollywood vem fazendo continuações tardias de sucessos de décadas atrás. Produções que em muitos casos se resumem a um apelo a nostalgia passada, sem oferecer muito mais que isso. Agora parece que o cinema brasileiro se atentou para o potencial comercial desse tipo de continuação tardia, com O Auto da Compadecida 2 sendo o primeiro de um ciclo que já anunciou produções como Deus é Brasileiro 2 e um segundo filme da Bruna Surfistinha.

De volta ao sertão

Se passando vários anos depois do original, a narrativa tem João Grilo (Matheus Nachtergaele) voltando para Taperoá e reencontrando Chicó (Selton Mello), que transformou sua história de morte e ressurreição em uma lenda e João Grilo se tornou uma figura amada no local. Isso coloca a dupla na mira dos dois candidatos a prefeito da cidade, o coronel Ernani (Humberto Martins) e o empresário Arlindo (Eduardo Sterblich). João Grilo precisa então usar a sua esperteza para engambelar os dois e sair ileso.

Se o primeiro filme pensava nas dificuldades dos protagonistas em sobreviverem a um contexto de banditismo e exploração do trabalho, esse se localiza mais no período do coronelismo da política brasileira do início do século XX, onde famílias lutavam pelo controle político de pequenas cidades para ampliarem seu escopo de influência. Aqui temos o bruto fazendeiro Ernani representando o poder dos latifundiários que expandiam suas propriedades na base da força e controlavam os recursos naturais da região, em especial a água. Do outro lado Arlindo é dono de uma loja de departamentos e da única rádio da cidade, controlando o fluxo de informação e do poder de compra das pessoas, mostrando como um monopólio de mídia pode interferir na política, o que não deixa de ser irônico considerando que essa é uma produção da Globo Filmes, ela própria parte de uma grande corporação midiática que tem um longo histórico de interferir na política.

Memberberries tupiniquim

Matheus Nachtergaele e Selton Melo continuam divertidíssimos como João Grilo e Chicó, acertando no tempo veloz de seus diálogos e na astúcia da dupla de trambiqueiros. É uma pena, porém, que o material não esteja a altura deles, já que muito do filme se limita a repetir ideias e situações do primeiro filme. Ao invés de levar esses personagens a novas direções, a produção parece mais interessada em simplesmente remeter ao primeiro, contando com nossa memória afetiva e nostalgia para fazer tudo funcionar. É algo que lembra a noção de “memberberries” de South Park, que parodiava essa onda de produções hollywoodianas nostálgicas mostrando como elas não faziam muito mais além de solicitar que lembrássemos de momentos bons do passado. O Auto da Compadecida 2 funciona como uma versão brasileira disso.

Se o primeiro aproveitava bem seu elenco de coadjuvantes, inclusive usando o segmento final do julgamento para dar mais camadas a personagens que até então eram clichês típicos de histórias sobre o nordeste, esse não aproveita muito seu grande elenco secundário. Ainda que Humberto Martins, Eduardo Sterblich, Fabiula Nascimento e Virginia Cavendish (retornando como Rosinha) tenham bons momentos, esses personagens nunca tem a chance de dizerem a que vieram e os novos personagens não são tão marcantes quanto os do original. 

O clímax é novamente um julgamento entre Deus e o Diabo, sendo mais um momento que existe para remeter ao original do que para ter algo a dizer sobre seus personagens. Boa parte das cenas e diálogos repete elementos do original e a decisão de fazer Nachtergaele fazer tanto Deus quanto o Diabo tira um pouco da personalidade que esses dois personagens tinham no original, já que aqui eles aparecem meramente como facetas de João Grilo. Toda a intercessão de Nossa Senhora (Taís Araújo) e seu discurso sobre a importância da fé é bem menos convincente em sua análise da resiliência do povo nordestino diante das adversidades do que o discurso da Compadecida no primeiro filme e na peça escrita por Ariano Suassuna. Taís Araújo atua como se sua Nossa Senhora carregasse a compaixão do mundo inteiro consigo, mas o texto não está a altura da capacidade expressiva de seu trabalho, entregando uma reflexão ingênua sobre fé.

Incomoda também as inserções publicitárias sem qualquer sutileza que quebram completamente a imersão no filme. Ver uma marca de cervejaria ou de uma indústria alimentícia mostradas de maneira tão acintosa faz certas cenas soarem como grandes VTs publicitários do que como algo que faz parte da narrativa. Sim, essas marcas já existiam no período em que a história se passa, então não necessariamente contrariam a lógica da história, mas a maneira como são usadas é tão jogada na nossa cara que nos tira completamente do filme.

O Auto da Compadecida 2 é uma continuação que precisava existir? Provavelmente não. É um produto cuja razão de ser parece ser apelar para a memória afetiva do primeiro sem oferecer nada de novo. Se sustenta só pelo carisma e senso de humor da dupla principal.

 

Nota: 5/10


Trailer

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