Vou tirar você deste lugar
A narrativa é protagonizada por Ani (Mikey Madison), uma stripper trabalhando em Nova Iorque que sonha com uma vida melhor para si. Sua chance aparece quando Ivan (Mark Eydelshteyn), rico herdeiro de um oligarca russo, aparece na boate na qual ela trabalha e Ani é a única garota a falar russo. Ani e Ivan se aproximam, com o herdeiro trazendo ela para o seu círculo interno e levando-a em seu cotidiano de boates, festas e viagens. Depois de um tempo, Ivan diz que precisará voltar para a Rússia para trabalhar nas empresas do pai, mas propõe se casar com Ani para que possa ficar nos Estados Unidos. A partir daí as coisas começam a tomar um rumo inesperado.
Se inicialmente parece uma típica trama da trabalhadora sexual que se apaixona e passa a vislumbrar uma vida fora daquele universo com tudo que sempre sonhou, por volta da metade o filme dá uma guinada inesperada e se torna uma comédia de erros que estaria em casa nas mãos dos irmãos Coen. Nada me preparou para a série de absurdos que seguiria e eu prefiro nem dar muitos detalhes porque é o tipo de experiência caótica e imprevisível que é melhor aproveitada quando sabemos o mínimo possível. O que posso dizer é que a família de Ivan interfere na questão e Ani é obrigada a lidar com capangas dos sogros que estão em busca de Ivan.
Longa jornada noite adentro
Mikey Madison dá a Ani a segurança de uma garota que parece estar a um bom tempo trabalhando naquele ramo e aprendeu a enfrentar os problemas que aparecem, algo visível na postura agressiva que ela adota com os capangas que chegam na mansão em que ela mora com Ivan e como ela não se intimida por eles. Por outro lado, ela exibe certa ingenuidade em relação ao seu casamento, acreditando estar vivendo um conto de fadas da vida real, que Ivan a ama de verdade e nunca questiona como tudo aquilo pode ser bom demais para ser verdade.
Esse apego à fantasia de mudar de vida se torna em negação conforme a trama vai progredindo e ela percebe que não só não há como evitar o poder e a influência da família do marido, bem como o fato de que Ivan é só um moleque mimado que faz tudo que os pais mandam para não perder suas benesses. Aos poucos Ani vai se dando conta de que sua fantasia está se dissolvendo diante de si e ela é só mais uma trabalhadora sexual que foi usada por um cliente.
Não deixa de ser uma história trágica, evidenciada pela imagem final do choro de Ani (que evoca o final de Noites de Cabíria) no carro, se dando conta, finalmente, de que foi um joguete nas mãos de Ivan e que apesar de ter chegado perto de alcançar seu sonho, tudo erodiu sob seus pés. Ainda assim, a condução de Baker também encontra uma boa medida de humor ao reconhecer toda a natureza insólita da situação por conta da presença dos capangas de personalidade pitoresca que não sabem exatamente o que fazer com Ivan e Ani.
Desde a cena em que os capangas chegam na mansão, Baker explora bem o caos que se instaura usando takes longos e confiando na naturalidade que o elenco passa nas discussões e trocas agressivas entre eles que conferem um senso de imprevisibilidade à narrativa. A cena deles no tribunal tentando anular o casamento, com várias pessoas falando uma por cima da outra, é um exemplo perfeito da bola de neve de estupidez e histeria que envolve esses personagens.
Há também um espaço para afeto. O capanga Igor (Yura Borisov) vai pouco a pouco se conectando com Ani conforme vê como ela foi usada por Ivan e como a família dele a trata. Ainda que Igor passe boa parte do filme em silêncio, Borisov nos mostra pelo olhar do personagem como sua indiferença vai se tornando pena e como essa pena se torna carinho, exibindo uma ternura estoica por Ani. É uma construção discreta, mas bastante eficiente e bem verdadeira que serve para dar lastro emocional aos minutos finais e que se Borisov não fizesse funcionar faria muito da conduta de Igor perto do fim soar artificial.
Esse misto de ternura, drama e
comédia absurda faz de Anora uma
farsa que diverte e emociona ao virar do avesso o conto de fadas que sua
protagonista achava estar vivendo.
Nota: 9/10
Trailer
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