Feridas do tempo
Dirigido por Robert Zemeckis, Aqui meio que parte da ideia de que “a casa é um personagem” ao situar toda a sua trama em um único espaço ao longo de séculos e o resultado vai na contramão dessa ideia, com o espaço fazendo pouca ou nenhuma diferença no esquema geral da produção.
Adaptando uma graphic novel escrita por Richard McGuire, o filme se passa em um único espaço com um único enquadramento, acompanhando os moradores da casa ao longo de séculos. O filme emprega a montagem de maneira curiosa, desenhando pequenos quadros dentro do espaço para aos poucos ir mudando a temporalidade dentro daquela sala, muitas vezes com mais de um tempo existindo dentro do mesmo espaço. É uma maneira de tentar ilustrar como o presente repete o passado ou como certas vivências são constantes ao longo do tempo, no entanto o filme raramente aproveita esse potencial da montagem como um meio de comentar sobre as transformações no país.
Existem boas sacadas como a cena do parto de Margaret (Robin Wright) em que a vemos olhando para a lua pela janela e a montagem corta um quadro para mostrar uma mulher indígena fazendo a mesma coisa com seu bebê no colo séculos atrás. Em outro momento Richard (Tom Hanks) faz uma festa fantasiado de Benjamin Franklin e a montagem nos mostra o próprio Franklin passando pelo local no passado.
Durante boa parte do filme, no entanto, as idas e vindas no tempo não parecem seguir uma motivação temática ou narrativa, com muitas histórias falhando em tecer qualquer comentário sobre as transformações no país ao longo do tempo. Algumas sequer fazem diferença o fato de serem no mesmo espaço, como a trama envolvendo a família de um aviador ou a do casal que inventou a poltrona reclinável (talvez a mais divertida do filme) que poderiam se passar em qualquer lugar que não faria diferença.
Histórias sem cruzamento
Apesar de todo o artifício de embaralhar o tempo de um mesmo espaço a verdade é que todas essas histórias soam soltas, desconectadas. A única que tem a repercussão é a da família de Richard, que começa com seus pais Al (Paul Bettany) e Rose (Kelly Reilly) comprando a casa e depois com Richard herdando a propriedade e morando lá com a esposa e a filha. Vendo a vida dessas duas famílias o filme ilustra as dificuldades de uma classe assalariada, com os dois homens se tornando pessoas amarguradas por não terem alcançado seus sonhos, com Richard e Margaret tentando quebrar o ciclo de frustração e desejos interrompidos da geração anterior.
Mesmo nesse arco o filme não consegue dizer nada muito consistente ou impactante porque tudo é desenvolvido em cenas muito curtas cheias de diálogos expositivos e situações que evidenciam a limitação do artifício ao colocar partos, casamentos e funerais sempre acontecendo na sala da casa porque o filme não poderia nos mostrar esses eventos se não fossem ali. Esse excesso de exposição se dá em outras histórias, como na da família negra em que temos uma conversa extremamente didática dos pais ensinando o filho como agir caso seja parado na rua pela polícia. Deveria ser um momento para ilustrar como a experiência cotidiana nos EUA é diferente para brancos e negros, mas como tudo é encenado como se o filme estivesse dando uma aula para o espectador nada ali soa sincero.
A escolha por manter os mesmos atores independente da idade é outro elemento que faz tudo soar artificial. Ver Tom Hanks e Robin Wright tentando se passar por adolescentes acaba com qualquer possibilidade de imersão, mais parecendo algo saído de um episódio de Chaves dado o absurdo da caracterização e não algo que se pretende como um drama sério.
A casa, por sua vez, é só um espaço sendo ocupado e
transformado por seus ocupantes, mas ela, em si, não transforma ou influencia
os personagens que nela habitam, nunca tendo o protagonismo que o filme acha
que ela terá. Como disse antes, algumas histórias poderiam se passar em uma
casa diferente que não mudaria nada. O único momento em que a casa é relevante
para a história dos personagens é na cena final quando Richard retorna a ela já
idoso com uma Margaret sofrendo de demência e estar na sala na qual viveu boa
parte de sua vida lhe devolve momentaneamente a lucidez ao fazê-la rememorar o
passado. É, porém, muito pouco, muito tarde, para sustentar uma narrativa rasa,
que faz pouco além de ir nos lugares comuns sobre conflitos geracionais,
reduzindo toda a empreitada a um artifício vazio.
Nota: 4/10
Trailer
Nenhum comentário:
Postar um comentário