segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

Crítica – Babygirl

 

Análise Crítica – Babygirl

Review – Babygirl
Os trailers de Babygirl não me deixaram muito curioso pelo filme, soando como uma versão da A24 da franquia 50 Tons de Cinza. Felizmente o produto final não é isso, entregando um estudo sobre sexualidade, poder, liberdade e culpa que se sustenta principalmente pela performance de Nicole Kidman.

Desejo e controle

A trama é protagonizada pela executiva Romy (Nicole Kidman), que preside uma crescente empresa de automação de processos. Ela e o marido são casados há quase vinte anos, mas ela não parece sentir prazer com ele, sempre indo assistir pornô de sadomasoquismo depois do sexo para realmente se satisfazer. Ela tem a chance de viver suas fantasias quando conhece o jovem estagiário Samuel (Harris Dickinson), que parece perceber o desejo da empresária em ceder controle. Aos poucos eles se aproximam e começam um tórrido romance que ameaça os negócios e o casamento de Romy.

O filme começa estabelecendo aos poucos o universo ao redor de Romy e como uma vida de controle excessivo pode ter motivado seu desejo de ceder esse controle e ser comandada. Desde sua infância vivendo entre seitas, passando por seu trabalho com robótica no qual tudo é muito preciso, muito controlado e nada sai do previsto ao seu cotidiano como CEO no qual exerce poder e controle sobre vários elementos. Com tanto controle, é compreensivo que ela busque a liberação e o gozo na ausência de controle, em se deixar controlar ao invés de ser controlada.

Por sua vez Samuel é apresentado como alguém que tem uma capacidade natural de controle, como exibido na primeira cena em que Romy o vê quando ele domina uma cadela que corre solta pela rua. É um meio um pouco óbvio e talvez meio cafona de prefigurar a dinâmica que existirá entre os dois, mas ao longo do filme Harris Dickson desenvolve com habilidade o senso de controle de Samuel, ao mesmo tempo em que o dota de uma ambiguidade que o carrega de mistério, já que nunca temos certeza de suas reais intenções, se ele está ali apenas pelo prazer do jogo de poder e sedução ou se é um alpinista social usando a oportunidade para chantagear Romy.

Entre quatro paredes

Kidman é ótima em nos fazer ver o desejo que há por trás da hesitação inicial de Romy em entrar no jogo de Samuel. O melhor exemplo é a primeira cena dos dois em um quarto de hotel, na qual ela se recusa várias vezes em fazer o que ele pede e chega a ir em direção à porta apenas para voltar e se entregar a ele. Por mais que seu corpo se afaste, seu olhar revela o desejo e a excitação com o experimento que culmina em um gutural gemido de orgasmo que parece saído do âmago da personagem. Assim como Rivais (2024), é uma produção que não mostra muito em termos de nudez explícita e ainda assim consegue ser intensamente erótico.

É curioso como nas tentativas de Romy em inverter a dinâmica entre ela e Samuel, terminem com Samuel agindo feito uma criança birrenta, a exemplo da conversa que os dois tem no carro, como se os dois só funcionassem juntos dentro de papéis específicos. Nesses momentos o filme não deixa de olhar com certo humor para o modo com qual Romy navega por essa relação e tenta descobrir o que lhe dá prazer dentro desse universo de dominação e submissão. Ainda que tenha alguma dose de humor, o filme nunca julga a personagem, tratando tudo como uma exploração natural da sexualidade e uma busca que faz sentido dentro da vida que a personagem leva.

O senso de humor aparece também nas escolhas de montagem, com vários momentos de cortes abruptos de uma cena de sexo entre Romy e Samuel para imagens dos funcionários da protagonista assistindo um vídeo institucional sobre assédio no ambiente de trabalho ou para uma cena com a filha de Romy em uma apresentação de dança, como que fazendo um comentário jocoso sobre a vida dupla da protagonista ou da distância entre sua vida pública e a vida privada. A tensão sensual entre ela e Samuel é ilustrada pelas composições originais da trilha musical, que trazem melodias cujos sons são cheios de atritos, de sussurros e gemidos, como que evocando a fricção entre esses personagens e o sexo áspero que eles praticam e o prazer que vem de tudo isso.

Quando tira o foco da jornada de prazer e autodescoberta de Romy, porém, o filme perde força ao focar em intrigas corporativas que parecem saídas de algum suspense B repetido à exaustão no Supercine da Globo. Toda a dinâmica corporativa é bem rasa e folhetinesca com muitos desdobramentos acontecendo fora de cena e algumas discussões sobre mulheres em posições de poder, presentes na relação entre Romy e sua assistente Esme (Sophie Wilde, de Fale Comigo), sendo trazidas de maneira tão passageira que acrescentam muito pouco ao filme.

Felizmente Babygirl concentra boa parte de seu tempo focada na jornada sexual de sua protagonista, entregando um envolvente e sensual estudo de personagem que pondera sobre os tabus do prazer e como tememos ceder aos nossos desejos.

 

Nota: 8/10


Trailer


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