Crime e castigo
A narrativa é protagonizada por Justin (Nicholas Hoult), que é chamado para servir de jurado em um julgamento de homicídio. Ele tenta sair da convocação alegando a gravidez de risco da esposa, Allison (Zoey Deutch), mas a juíza nega afirmando que ele só irá ficar o mesmo número de horas de seu expediente regular. Quando os trabalhos começam, Justin se dá conta que o réu está sendo acusado de ter assassinado uma mulher que o próprio Justin tinha atropelado acidentalmente meses atrás. Como o réu era ex-namorado da mulher assassinada e tinha um histórico de violência, as autoridades automaticamente o consideraram como responsável pela morte. Justin é um alcoólatra em recuperação e tem uma condenação de anos atrás por dirigir embriagado, o que faria sua pena ser altíssima caso assumisse a culpa. Agora, Justin precisa convencer o júri a inocentar o réu para evitar que um inocente vá para a cadeia ao mesmo tempo que tenta afastar qualquer conjectura sobre o possível culpado real.
Nicholas Hoult é ótimo em nos fazer ver o conflito interno do personagem, mesmo quase não verbalizando isso. Cada debate no júri é visível em seu olhar que ele está lutando pela própria vida enquanto tenta convencer os demais de que a promotoria não provou a culpa do réu acima de uma dúvida razoável ao mesmo tempo em que tenta controlar a conversa para que ninguém pondere demais as evidências para chegar na real causa da morte da vítima. A fotografia recorre constantemente a uma iluminação parcial no rosto de Justin para evocar a divisão moral interna do personagem.
Nas mãos de qualquer outro diretor o resultado seria um thriller de tribunal ao estilo John Grisham, cheio de guinadas e reviravoltas chocantes. Sob Eastwood, é uma contemplação sobre moralidade, culpa e qual o verdadeiro significado de justiça. Justin claramente se incomoda com a possiblidade de condenar um inocente, mas quanto mais ele investiga as possibilidades do que aconteceria se ele fosse descoberto e os debates se acirram com alguns jurados se mostrando inflexíveis em sua opinião sobre a culpa do réu, mais Justin começa a racionalizar a possibilidade de condenar um inocente, ponderando a respeito de onde estaria a injustiça de deixar a esposa e filha recém nascidas sofrerem com sua prisão. Claro, tudo isso é o personagem tentando tirar de si o peso da culpa pela possível injustiça que ele irá cometer.
O filme ilustra de maneira muito clara esse sentimento de culpa na cena em que ele coloca a filha no berço e ouve o som de sirenes da polícia. A música se torna tensa e Justin caminha até a janela, como se temesse que as sirenes fossem para ele. É um momento que revela como Justin provavelmente nunca terá paz por mais que tente justificar a si mesmo que há algum grau de correção moral no que fez.
Justiça e poder
Justin não é o único personagem com um conflito moral interno. A promotora Faith (Toni Colette) também está analisando o próprio senso de moralidade enquanto navega pelo caso. Em meio a uma campanha de reeleição para o cargo de promotora, ela é pressionada para conseguir uma condenação rápida no caso que se tornou público na cidade. Conforme as deliberações do júri se estendem mais do que o esperado, porém, e ouvindo alguns dos jurados, como ex-policial Harold (J.K Simmons), Faith começa a questionar se está realmente sendo justa com o réu que está acusando.
O caminho dela é quase o inverso de Justin. Se o primeiro vai abrindo mão do próprio senso de moralidade para fazer o que é mais conveniente para si, a promotora aos poucos deixa de pensar na ação que vai lhe trazer mais ganhos políticos e começa a pensar no que seria mais correto a se fazer, ou seja, investigar o caso mais a fundo para encontrar o real culpado e não arriscar condenar um inocente. O arco da promotora também ilustra alguns problemas inerentes no sistema de justiça do país, já que por ser um cargo eletivo e não técnico uma promotora de justiça precisa se preocupar se seus resultados serão vistos como positivos pelo público e irão ajudar a se manter no cargo ao invés de apenas se preocupar se está servindo a lei e a justiça de maneira correta.
A produção tem maturidade o
bastante para não dar respostas fáceis às questões éticas complexas que posa
deixando o final em aberto, de modo que o destino e as escolhas definitivas de
Justin e Faith fiquem à cargo do público. É como se Eastwood mirasse as lentes
de sua câmera de volta para o espectador e solicitasse que ele investigasse o
próprio senso de moralidade diante de uma situação como aquela. Aos 94 anos
Clint Eastwood não parece interessado em nos dizer o que é certo ou errado,
justo ou injusto, ele prefere nos provocar a pensar em nossa própria moralidade
e se nossas ações são feitas levando em conta aquilo que mais correto ou aquilo
que é melhor para nós individualmente.
Nota: 9/10
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