segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

Crítica – A Verdadeira Dor

 

Análise Crítica – A Verdadeira Dor

Review – A Verdadeira Dor
Dirigido por Jesse Eisenberg, A Verdeira Dor é uma meditação sobre como lidamos com o sofrimento, passado ou presente, seja ele de natureza pessoal ou coletiva. No coração desse conflito há uma dinâmica familiar cujas tensões borbulham abaixo da superfície conforme os dois protagonistas viajam pela Europa.

Tensões em família

A narrativa acompanha os primos David (Jesse Eisenberg) e Benji (Kieran Culkin) que viajam juntos em uma excursão pela Polônia para se reconectarem com seu passado e com a memória da falecida avó, que veio do país. Ao longo da viagem conflitos antigos começam a emergir entre os primos e também as razões para o excêntrico Benji ter ficado tão abalado pela morte da avó.

Inicialmente a impressão é que David é o mesmo tipo de sujeito certinho e neurótico que Eisenberg costuma fazer, mas conforme a trama se desenvolve o texto dá a ele mais camadas e Eisenberg nos permite ver os vários traumas que carrega consigo. De certa forma a conduta workaholic de David parece conectada com o sentimento de culpa por pertencer a uma geração de descendentes de imigrantes que cresceu em abundância enquanto seus pais e seus avós passaram por sofrimentos e dificuldades que ele não imagina, como se ele sentisse que tem a obrigação de prosperar para honrar esse sofrimento passado, se impondo um fardo que ele parece ser capaz de carregar, mas ao longo do filme, em especial numa cena de jantar, ele desaba e mostra como sua fachada controlada o protege de ter que revelar suas fragilidades.

A cena do jantar, em que David põe para fora tudo que sente para os demais membros da excursão revela também os sentimentos complexos que tem pelo primo, admirando o carisma e a personalidade extrovertida de Benji ao mesmo tempo que exibe uma dor enorme por uma tragédia pela qual o primo passou. É como se ele tivesse tanto medo de perder Benji ou de ter que passar de novo pelo choque de saber os extremos que o primo foi que ele se afastasse, como se essa perspectiva fosse uma dor tão grande que ele preferiria evitá-la.

Dores individuais e coletivas

É Culkin, porém, quem carrega o filme, sendo a alma e coração da narrativa. Assim como acontece com Eisenberg, inicialmente Benji soa como o mesmo sujeito carismático e autodestrutivo que Culkin fez muito bem em Succession, mas vai ganhando mais camadas conforme o conhecemos. Benji é um paradoxo emocional, sendo um sujeito charmoso que conquista qualquer um com quem fala e facilmente atrai as atenções para si ao mesmo tempo em que é um sujeito profundamente solitário (principalmente depois da perda da avó) e que carrega consigo todas essas dores ao invés de tentar silenciá-las como faz David.

O personagem inclusive usa a viagem para conectar sua dor presente com a dor passada de sua avó e dos judeus que passaram pelo genocídio nas mãos dos nazistas, lembrando como o passado se manifesta ainda naqueles espaços e que certa medida de dor nunca vai embora. Esses lembretes estão contidos nos próprios espaços, como as manchas azuis na câmara de gás em um campo de concentração, um vestígio do gás nervoso usado para matar os prisioneiros do local. Ainda que a presença deles ali ateste a sobrevivência do povo judaico, as marcas do extermínio e a dor conectada a isso nunca irão desaparecer.

Nem todas as ideias que Eisenberg traz ao longo do filme são trabalhadas de maneira consistente, como seu questionamento se excursões por espaços do Holocausto não reduzem a produto o sofrimento do povo judeu ou a tentativa de estabelecer um diálogo entre o genocídio do Holocausto e o de Ruanda através de Eloge (Kurt Egyiawan), um sobrevivente do genocídio étnico em Ruanda que se converteu ao judaísmo. Como Eloge aparece pouco, essas tentativas de ponderar as aproximações e distanciamentos não se desenvolvem em alguma reflexão consistente.

Por outro lado, o filme acerta em não dar respostas prontas para suas meditações a respeito de como conviver com a dor, entregando um final que deixa em aberto o destino de seus personagens e o fato deles terem sido transformados ou não por aquela experiência. É um desfecho que evidencia a proximidade entre os dois primos, que voltam a se conectar, ao mesmo tempo em que reconhece como há muito que os afasta, em especial no modo como lidam com suas dores.

 

Nota: 7/10


Trailer

Nenhum comentário: