Repercussões atrasadas
Na trama, o general Ross (Harrison Ford, substituindo o falecido William Hurt) se torna presidente dos Estados Unidos e chama Sam (Anthony Mackie), que assumiu o manto de Capitão América, para reconstruir os Vingadores. Ross está em meio a uma negociação internacional pela divisão dos recursos contidos no corpo do Celestial no meio do oceano, já que dele pode ser extraído um novo elemento chamado adamantium. O tratado é ameaçado quando Samuel Sterns (Tim Blake Nelson) foge da prisão na qual foi confinado desde o incidente envolvendo o Hulk e o Abominável para se vingar de Ross.
De cara já soa como um filme que tem que lidar com vários elementos diferentes ao mesmo tempo. Não apenas ele precisa ser a primeira grande missão de Sam como Capitão América, repercutindo o fim de Falcão e o Soldado Invernal (2021) como também precisa explorar as repercussões do fim de Eternos (2021), que deixou o corpo do Celestial no meio do oceano e também precisa finalmente resolver os ganchos deixados por O Incrível Hulk (2008), em especial a transformação de Samuel Sterns no vilão Líder.
Ter que fazer malabarismos com tantas tramas e fios narrativos em duas horas de filme faz que praticamente todas as ideias não tenham muito espaço para serem desenvolvidas a contento, com tudo soando apressado e os principais desenvolvimentos carecendo de repercussão ou drama porque o filme precisa correr rapidamente para o próximo ponto da narrativa.
É uma pena, já que as produções envolvendo Steve Rogers ou Sam Wilson funcionam melhor quando usam a figura do Capitão América para confrontar os aspectos mais sombrios da história e ações dos EUA. Capitão América e o Soldado Invernal mostrava como todo o estado de vigilância e a lógica de “ataques preventivos” montada no pós 11 de setembro não é apenas imoral como também um expediente autoritário. Falcão e o Soldado Invernal colocava Sam diante do racismo e injustiças históricas que o país cometeu contra a população negra, fazendo o herói ponderar se ainda queria lutar (e ser símbolo) de um país que durante muito tempo o via como um cidadão de segunda classe.
Aqui, por outro lado, o filme não tem nada a dizer sobre a realidade política que apresenta. conflitos bem trabalhados em produções anteriores, como Sam e sua relação com o racismo do país, são tratados de modo insatisfatório, como todo arco de Isaiah (Carl Lumbly), que é transformado em vítima do Estado apenas para servir de motivação para Sam.
Novo Capitão, novos problemas
Considerando o quanto Anthony Mackie cresceu no papel de Sam e em sua nova função como Capitão América é lamentável que ele não receba uma produção a altura. Mackie demonstra o tempo todo o peso que Sam sente em vestir seu manto bandeiroso e o de fazer isso como uma pessoa normal, contando apenas com sua astúcia e tecnologia ao invés dos aprimoramentos de Steve Rogers ou Bucky. Assim como Steve, no entanto, Sam é alguém movido pelo desejo de fazer a coisa certa, mesmo que isso incomode os poderes constituídos.
O filme dá algum espaço para Sam desenvolva sua dinâmica de mentor com Joaquin (Danny Ramirez), o novo Falcão. O jeito falastrão e sempre empolgado de Joaquin contrasta com a postura mais contida e estoica de Sam, fazendo o humor entre eles soar mais natural do que a típica dinâmica de filmes da Marvel em que personagens tentam ser engraçadinhos o tempo todo quer faça sentido ou não. Para além do humor, a narrativa constrói um senso de responsabilidade de Sam em relação a Joaquin, se importando com seu jovem protegido e tentando mantê-lo longe dos riscos causados pela personalidade mais intempestiva do novo Falcão.
Entre as novas figuras está a agente Ruth Bat-Seraph (Shira Haas). Nos quadrinhos ela é a heroína mutante Sabra que atua para o Mossad de Israel. Aqui, suas origens foram modificadas algumas vezes durante a produção por conta da recente guerra envolvendo Israel no mundo real e não só o nome Sabra não é usado no filme, como toda sua conexão com o país foi removida (provavelmente porque a Disney queria evitar polêmicas). Agora ela é só nascida em Israel, mas foi uma das agentes da Sala Vermelha resgatadas por Natasha e Yelena no final de Viúva Negra (2021). Imagino que por conta das mudanças o papel da personagem no filme deve ter sofrido alterações, já que no produto final ela não tem lá muito espaço para mostrar a que veio.
Outra novidade esquecível é o vilão Coral vivido por Giancarlo Esposito. O personagem foi adicionado em uma das ondas de refilmagens as quais o filme foi submetido e não tem muito a oferecer além de ser um mercenário genérico. Sim, é o tipo de vilão que Esposito é capaz de fazer com as mãos amarradas nas costas (literalmente, nesse caso), mas por mais que ele consiga trazer gravidade ao personagem, o ator não capaz de elevar o mercenário a nada memorável por conta do material inane que tem em mãos. Um ator como Esposito não merecia ser desperdiçado com um personagem tão qualquer nota.
Tim Blake Nelson convence da inteligência engenhosa de Sterns e da raiva que ele sente de Ross, ainda que, por vezes, certos elementos de seu plano soem contraditórios. Em um momento vemos Sterns matar um soldado que estava prestes a avisar a Sam do que os remédios que Ross tomava continham, apenas para que na cena seguinte o próprio Sterns apareça diante de Sam para explicar para ele o que eram os comprimidos.
Vermelho de raiva
Harrison Ford, por sua vez, faz um Ross que tenta reparar seu passado ainda que sua índole irascível leve a melhor em muitos momentos. Seu arco de tentar se reconectar com a filha acaba não tendo muito impacto porque não vemos Betty (Liv Tyler) ou temos acesso a como ela se sente até uma das últimas cenas, não desenvolvendo essa mudança de atitude dela. A cena em que Ross fala com Betty ao telefone provavelmente teria mais peso se víssemos o lado de Betty da ligação ao invés de apenas ouvir a voz dela.
A ideia de Ross ser transformado no Hulk Vermelho por Sterns poderia ser usada como uma alegoria dos perigos de ter um monstro descontrolado na Casa Branca, destruindo-a de dentro para fora. Sim, o filme foi feito anos antes da posse do atual presidente dos EUA, mas considerando que ele já tinha cometido no mandato anterior a alegoria já seria capaz de se sustentar. Ainda assim, o filme não tem muito a dizer a respeito e o Hulk Vermelho não é muito mais do que algo para Sam enfrentar e mostrar como o bom senso do homem comum é capaz de conter esse monstro descontrolado no poder.
As cenas de ação são competentes e mostram como Sam, por não ter a força e agilidade aprimoradas de Steve, é um Capitão América que combate mais com seu aparato tecnológico e esperteza, como na cena em que ele enche um espaço de fumaça para pegar Coral desprevenido. Ainda que bem realizadas e que mostrem como as asas e habilidades de voo de Sam complementam seu uso do escudo, a verdade é que esses embates não oferecem muito que já não tenhamos visto antes e não trazem nada que realmente empolgue.
O confronto final entre Sam e o Hulk Vermelho sofre pela ausência de um senso de perigo ou drama real. Sim, este novo Hulk certamente seria capaz de matar Sam com facilidade, mas sabemos que o filme não vai terminar com o Capitão América morrendo então esse risco nunca é sentido. O fato de boa parte da luta se passar em um campo vazio também remove muito do senso de urgência em conter a criatura. Soma-se isso ao fato de que Sam e Ross são personagens que mal interagiram diretamente até então, diferente das tensões entre Ross e Steve (Chris Evans) ou entre Ross e Banner. Aliás, é muito esquisito como esse filme traz dois antagonistas do Hulk na forma do líder e do Hulk Vermelho e ainda assim o Hulk está completamente ausente.
É possível ver o potencial que Capitão América: Admirável Mundo Novo tinha,
mas ele nunca se realiza por conta de uma trama bagunçada que nunca consegue
fazer seus muitos fios convergirem de maneira coesa.
Nota: 5/10
Trailer
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