Fera interior
A trama é focada em Blake (Christopher Abbott), que desde a infância teve uma relação complicada com o pai excessivamente agressivo. Já adulto ele é notificado que seu pai foi considerado legalmente morto depois de ter desaparecido na floresta anos atrás. Agora ele, a esposa, Charlotte (Julia Garner, de Ozark), e a filha, Ginger (Matilda Firth), viajam para a cidade natal de Blake e para a cabana remota de seu pai para resolver a questão dos bens. Chegando na propriedade eles são atacados por uma feroz e estranha criatura e Blake é mordido por ela. Aos poucos Blake sente como se a mordida o tivesse transformando.
A trama usa a ideia do lobisomem como uma alegoria para a masculinidade tóxica que transforma um homem em alguém incapaz de se comunicar com seus entes queridos e passa a ser movido por impulsos agressivos que amedrontam e afastam aqueles ao seu redor independente das intenções, como manter a família segura, serem boas. É uma reflexão sobre como essa masculinidade tóxica não afeta apenas as pessoas ao redor, mas o próprio sujeito que a performa, deixando-o ainda mais isolado e preso em seus impulsos destrutivos.
A narrativa conecta essas ideias de masculinidade tóxica com trauma geracional, ponderando como inadvertidamente nos tornamos como nossos pais e na tentativa de evitar aquilo que percebemos como erros de nossos genitores acabamos repetindo o mesmo ciclo e infligindo traumas similares em nossa prole. Isso é evidente na primeira cena em que vemos Blake e a filha na qual ele a repreende com a mesma agressividade que seu pai o repreendia, ambos motivados pelo ímpeto de proteger os filhos dos perigos do mundo. De certa forma, a transformação de Blake em monstro e suas tentativas de resistir à transformação representam o protagonista tentando evitar se tornar o próprio pai e representar para sua família o que seu pai representou para ele.
Transformação dolorosa
O filme é criativo no modo como constrói aos poucos a transformação de Blake, mostrando como a mudança primeiro vai afetando os sentidos dele, ampliando sua audição, como a cena em que ele ouve sons constantes de batidas apenas para descobrir que a fonte do ruído são as patas de uma aranha caminhando pela parede. De maneira semelhante, a produção nos mostra como a visão dele é afetada, fazendo as pessoas ao seu redor parecerem espectros sinistros, com as vozes de Charlotte e Ginger soando cada vez mais como um monte de ruídos embolados e sem sentido conforme ele vai perdendo a razão.
A transformação propriamente dita
oferece alguns bons momentos de horror corporal conforma a musculatura de Blake
se retorce, seus dentes caem para dar lugar a presas, sua mandíbula se projeta
para frente e suas unhas dão lugar a garras. O problema é que uma vez que ele se
transforma e passa a ser a principal ameaça para a família, o filme não
consegue fazer muito com a criatura. Como tem apenas duas pessoas para ele
perseguir e é óbvio que ele não vai matar uma criança, não há muito espaço para
explorar a ferocidade ou letalidade do lobisomem e seu potencial é pouco
aproveitado. É como se a produção tivesse ficada tão focada nos conceitos e
alegorias que deseja fazer ao redor de sua criatura que esqueceu que precisava
também ser um filme de terror.
Nota: 6/10
Trailer
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