segunda-feira, 24 de fevereiro de 2025

Crítica – Nickel Boys

 

Análise Crítica – Nickel Boys

Review – Nickel Boys
De certa forma Nickel Boys se conecta bastante a outro filme indicado ao Oscar esse ano, o documentário Sugarcane: Sombras de um Colégio Interno (2024). Os dois falam de instituições de ensino cujo objetivo deveria ser reformar ou integrar seus internos, mas que serviram apenas de instrumento de opressão e genocídio contra membros de minorias, indígenas em Sugarcane e negros aqui. São dois filmes que lembram como os Estados Unidos tratam essas minorias como cidadãos de segunda classe cujas vidas não importam.

Olhar em perspectiva

A trama adapta o romance homônimo de Colson Whitehead e se passa na Flórida da década de 1960. Elwood (Ethan Herisse) é um promissor jovem negro que está a caminho de um programa de estudos avançados. Na viagem ele pega carona com um desconhecido que é parado pela polícia e descobre que o carro é roubado. Preso como cúmplice Elwood é enviado para o Reformatório Nickel onde conhece Turner (Brandon Wilson). Os dois se tornam amigos e tentam sobreviver à crueldade do local, no qual castigos físicos e torturas são elementos do cotidiano. O reformatório foi baseado na Escola Dozier que operou por mais de um século na Flórida com um amplo histórico de abuso.

A história é toda contada em primeira pessoa, inicialmente atrelada ao olhar de Elwood e depois passa a alternar com o olhar de Turner. Imagino que a ideia era nos deixar imersos no ponto de vista de seus personagens, mas em muitos casos essa escolha mais nos afasta dos personagens do que nos aproxima. Em muitos momentos sequer faz diferença o fato de que aquilo que vemos passa pelo olhar de um personagem específico ao invés de ser o olhar de uma câmera onisciente. Durante muito do filme senti como se Elwood fosse mais um observador da própria história do que um agente dela.

Em outros, o fato de estar em primeira pessoa e não termos visão do rosto ou do corpo do personagem em questão tira o impacto de determinadas ações. Quando Elwood reencontra a avó, Hattie (Aunjanue Ellis-Taylor), e a abraça não conseguimos sentir a força ou a importância desse abraço já que tudo que a imagem nos dá é um zoom-in no ombro da avó. Assim não há como ter noção da intensidade desse abraço, da reação de Elwood ao abraçá-la ou qualquer coisa que efetivamente comunique como aquela ação impacta o protagonista.

O fato da trama manter esse olhar em primeira pessoa dentro de uma estética naturalista soa como uma oportunidade mal aproveitada de fazer as imagens um reflexo do olhar desses indivíduos. Deveria haver alguma variação visual no olhar de Elwood em relação ao de Turner, algo na paleta de cores, na iluminação ou em outro elemento visual que denotasse o modo particular que esse personagem enxerga o mundo e a situação na qual está. Isso ajudaria a entender o impacto dessas experiências sobre os dois e como cada um filtra essas experiências a partir de sua própria subjetividade.

Passado e presente

Por outro lado a montagem, que mistura diferentes temporalidades, variando entre os momentos de Elwood e Turner em Nickel com momentos de um Elwood adulto (Daveed Diggs) ajudam a mostrar como o passado impacta no presente do personagem e dá a impressão de que as imagens que estamos vendo do passado são fruto de um fluxo de consciência desse personagem adulto conforme notícias das covas anônimas encontradas no terreno do reformatório trazem à tona memórias e sentimentos dos traumas vividos no reformatório.

A montagem também insere várias imagens de arquivo e de filmes do período. Essas imagens ajudam a contextualizar como a vivência de Elwood e Turner se encaixa num contexto maior de opressão e violência contra a população negra e como as tentativas de Elwood em lutar por justiça e denunciar o que acontece ali se conectam com os movimentos por direitos civis liderados por figuras como Martin Luther King. Não é à toa que o filme começa com Elwood mencionando a marcha de King em Selma, mostrando uma possibilidade de esperança e o final alterne o destino trágico da dupla de protagonistas durante uma tentativa de fuga com noticiários narrando o assassinato de King. Através das escolhas de montagem o filme usa a história de Elwood e Turner como uma metonímia da história do movimento negro naquele período.

A trama também é eficiente em mostrar a brutalidade do local, desde os momentos em que Elwood é levado para receber castigos físicos (e embora esses castigos não sejam explicitamente mostrados, o uso do som nos faz entender exatamente o que acontece) ou a atmosfera de constante opressão as quais os jovens negros eram submetidos, revelando inclusive que havia uma clara diferença de tratamento entre os internos negros e brancos. A lógica racista daquele espaço e como o discurso de “reabilitação” na verdade implica em fazer aqueles jovens negros aceitarem sem questionar o lugar ao qual eles são relegados por uma sociedade são constantemente desvelados conforme acompanhamos a jornada dos dois protagonistas.

Ainda que o dispositivo de filmar em primeira pessoa nem sempre traga o senso de imersão que o filme deseja, Nickel Boys consegue entregar uma dura reflexão sobre injustiça, perda de inocência e sobrevivência.

 

Nota: 6/10


Trailer

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