sexta-feira, 21 de fevereiro de 2025

Crítica – O Brutalista

 

Análise Crítica – O Brutalista

Review – O Brutalista
No documentário O Apocalipse de um Cineasta (1991), que narra a produção atribulada de Apocalypse Now (1979), há uma cena em que o cineasta Francis Ford Coppola diz que a pior coisa que um filme pode ser é pretensioso, ter altas pretensões para si e não alcançar esse patamar alto que o cineasta imaginou. Pensei muito nessa fala enquanto assistia a O Brutalista, novo filme de Brady Corbet (de A Infância de um Líder e Vox Lux: O Preço da Fama), já que é um filme que estabelece pretensões altíssimas para si, mas o resultado é bem menos complexo ou esperto do que o filme pensa ser, algo que já acontecia em seus dois trabalhos anteriores.

Grandeza nos pequenos começos

A narrativa é centrada em Laszlo Toth (Adrien Brody), arquiteto húngaro que chega aos Estados Unidos no final da década de 1940. De início Laszlo vai morar com o primo Attila (Alessandro Nivola), trabalhando em sua empresa de móveis, mas logo o trabalho do arquiteto desperta a atenção do ricaço Lee Van Buren (Guy Pearce), que decide contratar Laszlo para desenhar um prédio que ele fará em homenagem a sua falecida mãe. É uma obra nababesca que irá mudar a paisagem da cidade e Laszlo aceita o desafio. O problema é que Van Buren é um homem melindroso, que muda de opinião e vontade frequentemente, obrigando o protagonista a navegar pelos humores de seu patrono.

De início parece que é mais uma história sobre as dificuldades de um imigrante em se estabelecer nos EUA, com toda a trama da construção do prédio e suas dificuldades remetendo a A Nascente, de Ayn Rand, fazendo parecer que estamos diante de mais uma obra sobre o excepcionalismo e a visão singular de alguém acima da média lutando para se validar diante de um mar de mediocridade. As intenções de Brady Corbet, no entanto, vão à direção oposta das de Rand, usando essa trama não para exaltar a excepcionalidade de alguém, mas para mostrar a ilusão que é a ideia de “sonho americano” e de que basta alguém ter um talento excepcional para fazer fama e fortuna no país.

A primeira metade das cerca de três horas e meia começa desenvolvendo sem pressa o cotidiano de Laszlo em sua chegada ao país, mostrando as dificuldades e como imigrantes são tratados como cidadãos de segunda classe. Não sabemos nada sobre o protagonista e vamos descobrindo seus talentos conforme a narrativa progride. Apesar de Van Buren elogiar a visão e o talento do arquiteto, a interpretação de Guy Pearce nos faz ver uma constante condescendência do ricaço. Quando ele expressa sua admiração ele olha como se estivesse diante de um macaco usando talheres, sempre se comportando como Laszlo estivesse em um patamar inferior a si e nunca o tratando plenamente como igual. Quando ele chama Laszlo para construir seu prédio, o modo como Pearce se comporta dá a entender que ele se interessa mais pelo que o trabalho de Laszlo poderia fazer por sua própria imagem do que em toda a filosofia estética do arquiteto.

Nesse sentido não é acidente que a trama faz do protagonista um adepto da arquitetura brutalista. O estilo está muito vinculado à arquitetura de países do leste europeu dentro da esfera de influência da União Soviética, ocupando uma posição forte no ideal estético de como uma utopia socialista deveria parecer. A adesão do protagonista a esse movimento estético ressalta sua posição de figura deslocada da visão de mundo de alguém como Van Buren e também em oposição ao projeto de nação individualista dos EUA.

Ambições comprometidas

As coisas pioram, no entanto, na segunda parte do filme que começa quando Laszlo finalmente consegue trazer a esposa, Erzsebet (Felicity Jones), e a sobrinha, Zsofia (Raffey Cassidy), para o país. O primeiro problema é como a trama, que antes vinha bem focada na relação entre Laszlo e Van Buren, além do trabalho de arquiteto do protagonista, passa a se abrir para vários outros tópicos, do casamento conflituoso de Laszlo, passando pela Itália pós-guerra, a construção do Estado de Israel e o que isso representa para o povo judeu e mais uma série de outras ideias que o filme claramente não consegue dar conta.

Os problemas na relação do protagonista com a esposa nunca conseguem se desenvolver em um drama interessante e Erzsebet nunca vai além do lugar comum da esposa que existe para gravitar em torno do marido e que para não ser vista como uma figura passiva é dada uma única cena em que ela se comporta de maneira assertiva, aqui é a cena em que ela confronta Van Buren a respeito do abuso cometido contra Laszlo. Erzsebet é também uma máquina de diálogos expositivos, sempre mastigando os ideais da trama dizendo como aquele lugar os está corrompendo ou como os Van Buren exploram seu marido. Se Adrien Brody é eficiente em nos fazer sentir a dor, a solidão, a obstinação e confiança do arquiteto, bem como sua eventual amargura pelo rumo que as coisas tomam, Felicity Jones é uma presença inane em cena.

O excesso de exposição e falta de sutileza não se restringe a Erzsebet. Nessa segunda parte os diálogos se tornam mais explícitos e os personagens mais histriônicos ao ponto em que tudo parece um filme feito por outra pessoa. Se na primeira metade era bem implícito o modo como Van Buren tolerava Laszlo apesar de vê-lo como alguém inferior, aqui o filme de Van Buren explicitamente diz “nós toleramos você”. Se o desconforto de Laszlo ao ser levado por Van Buren em seus jantares para ser exposto como um animal de circo era um indicativo de como aquele era um local hostil para pessoas como ele, na segunda parte ouvimos o arquiteto dizer “eles não nos querem aqui”.

A obviedade com a qual o filme desenvolve seus temas também se dá no plano visual, com a cena em que Van Buren estupra Laszlo sendo uma metáfora pouco sutil de como os imigrantes são “fodidos” por grandes empresários como Van Buren. É tão na cara que chega a soar tolo ainda que o filme conduza tudo como uma sacada inteligente de desvelamento de uma verdade sombria e até então oculta. Mais do que a forma, há a questão do conteúdo das ponderações que o filme traz e ele não tem muito a dizer além de, pasmem, que os EUA são um país racista, hostil a imigrantes e que o sonho americano é uma mentira fabricada para trazer pessoas desesperadas ao país para que sejam exploradas.

É uma constatação que a própria Hollywood já fez antes e melhor, mas que Cobert conduz aqui com o senso de grandiloquência de quem fez uma descoberta inédita. O filme traz uma pretensão e um senso de autoimportância não estão a altura das constatações simples que faz, prejudicadas ainda por um clímax apressado que tenta amarrar de maneira desajeitada as consequências do estupro de Laszlo, o vício dele em drogas e a relação distante entre ele e Erzsebet construindo desdobramentos que não soam convincentes.

O epílogo, também bastante expositivo, reforça os temas de moral comprometida e corrupção pessoal ao trazer um Laszlo que, já idoso, tem uma obra internacionalmente reconhecida, mas que para alcançar isso precisou literalmente se deixar abusar e se afastou da família. Ele conseguiu tudo que desejava, mas ao custo de comprometer quem ele era e isso só o deixou frágil e solitário.

 

Nota: 5/10


Trailer

Nenhum comentário: