quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

Crítica – Sugarcane: Sombras de um Colégio Interno

 

Análise Crítica – Sugarcane: Sombras de um Colégio Interno

Review – Sugarcane: Sombras de um Colégio Interno
Os Estados Unidos tem uma imensa dívida histórica com a população indígena por conta do genocídio dos povos, da tomada de terras, das políticas excludentes e tantas outras ações que visavam o extermínio ou aculturação desses povos. O documentário Sugarcane: Sombras de um Colégio Interno mostra mais uma faceta sombria desse genocídio étnico perpetrado em territórios dos EUA e do Canadá, dessa vez com a cumplicidade da Igreja Católica.

Missão de extermínio

O documentário é focado no caso de uma Escola Missionária localizada na reserva indígena de Sugarcane. A escola era apenas uma dentre muitas escolas missionárias pensadas para “resolver” a “questão indígena”. Ao longo de décadas vários bebês e crianças foram mortos dentro da escola e dezenas de alunos internos foram abusados física e sexualmente pelos padres que ensinavam no local.

Muito do documentário gira em torno do testemunho de sobreviventes dessa Escola Missionária. Durante os depoimentos a câmera se mantem focada nos rostos dos sobreviventes e ainda que eles não deem detalhes demasiadamente explícitos dos abusos suas falas impactam pela dor que fica evidente em seus rostos a cada pausa, a cada tremor dos lábios. Mesmo décadas depois do ocorrido é visível como o trauma ainda impacta essas pessoas e repercute em suas vidas, com muitos desenvolvendo vícios ou sendo incapazes de desenvolver relações afetivas saudáveis por conta do que viveram.

As marcas do passado também se fazem presentes na visita que o diretor faz ao que restou da Escola Missionária. Caminhando pelas ruínas, o diretor Julian Brave NoiseCat mostra as marcas entalhadas nas paredes pelos alunos que, como presidiários, marcavam a quantidade de dias ali e o tempo para sair. É algo que diz muito a respeito de como as crianças eram tratadas no local e que só se agrava quando uma das sobreviventes descreve como um determinado cômodo servia de espaço para agressões físicas nas quais as crianças eram amarradas e espancadas pelos padres.

Reconciliando o passado

Além das conversas com os sobreviventes, o filme acompanha uma busca arqueológica por documentos que provam o genocídio deliberado do local, com evidências demonstrando que bebês eram colocados em caixas de sapato e incinerados na fornalha da escola. A pesquisa mostra que o pai de Julian foi o único bebê a ter sobrevivido o massacre.

Nesse sentido o filme é também sobre Julian se reconciliar com o pai, que fugiu da reserva para não ter que lidar com os traumas passados e tem uma relação distante com o filho. É como se a reconciliação dos dois simbolizasse também uma possibilidade de romper o ciclo de trauma deixado pela Escola Missionária que impactou gerações. Isso não significa, porém, que essa reconciliação individual é a única que o filme busca.

Ao longo da narrativa acompanhamos as tentativas da comunidade da reserva Sugarcane em obter um reconhecimento da tragédia por parte do governo canadense e também pelo Vaticano. O filme mostra pequenos passos nessa direção com uma visita do Primeiro Ministro canadense Justin Trudeau reconhecendo os erros do passado e a dívida histórica que o país tem com as nações indígenas. Do mesmo modo uma sessão com o Papa Francisco traz um reconhecimento por parte do pontífice dos horrores que a instituição foi cúmplice. É curioso, inclusive, que a cena com a fala de Francisco é filmada distante, do ponto de vista dos indígenas sentados, com o rosto do Papa fora de foco, como se suas desculpas ainda fossem um eco distante, algo que não diminui o abismo entre os nativos e a Igreja.

Em outra cena, um dos sobreviventes conversa com um padre, narrando como sua avó e sua mãe foram estupradas na Escola Missionária e como ele próprio é fruto de um desses estupros e também foi abusado no local. É um momento em que um membro da Igreja é capaz de acessar a dimensão dos horrores cometidos ali, impactando gerações e a necessidade de que a Igreja, de algum modo, encontre uma reparação.

Não é uma reparação plena, talvez ela sequer venha. Talvez o máximo que a população de Sugarcane consiga é que essas instituições reconheçam o mal que causaram, mas ao menos a cena final entre Julian e o pai nos dá alguma medida de esperança que aquela comunidade possa se unir para aliviar a dor das feridas do passado.

 

Nota: 8/10


Trailer

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