Turnê itinerante
A narrativa acompanha uma trupe de artistas ambulantes que viaja pelo interior do Brasil, a Caravana Rolidei. Ela é liderada pelo Lorde Cigano (José Wilker) e composta pela dançarina Salomé (Betty Faria) e pelo homem forte Andorinha (Príncipe Nabor). Eventualmente o sanfoneiro Ciço (Fábio Jr.) e sua esposa grávida Dasdô (Zaira Zambelli) se juntam à trupe. Conforme viajam o grupo tem dificuldade de conseguir público para seus shows, já que mesmo os menores rincões agora tem ao menos uma televisão que serve de entretenimento para o público e os distrai do circo. Cigano, no entanto, adquire esperança de um novo lugar ao ouvir sobre Altamira no Pará, onde a rodovia transamazônica está sendo construída e que se tornou um lugar de grande oportunidade.
O filme usa a estrutura de um road movie para mostrar a pluralidade do Brasil, um país que, na ótica do filme, parece operar em uma lógica paradoxal na qual atraso e modernidade caminham lado a lado. Mesmo uma cidade miserável tem antenas de televisão e ainda que a população careça de uma série de coisas, estão todos antenados nos mais recentes programas televisivos. Uma modernidade que também modifica as paisagens mais urbanas, como evidenciado na cena em que a trupe viaja a Maceió desejando ver a praia e encontra uma cidade tomada por prédios, antenas de tv e engarrafamentos de transito, mas que a despeito de todas essas novidades segue sendo desigual.
Nesse Brasil, a arte, o lúdico, o encantamento e a volúpia da trupe parece não ter mais espaço, jogado cada vez mais às margens pelas novidades que vem de fora. É um Brasil que esqueceu de si mesmo, que trouxe um ideal estrangeiro de modernidade que não comporta o projeto de nação que veio antes e aqueles que não se adequam a esse novo ideal não encontram espaço. É uma representação simbólica da vida na ditadura militar, na qual não havia espaço para dissidência.
Estrada da perdição
A chegada ao Pará e à rodovia transamazônica, por sua vez, serve como símbolo do fracasso do projeto político do governo militar. Uma obra faraônica que prometia a integração do norte país permitindo acessar facilmente a floresta amazônica e ter contato com comunidades indígenas, levando certo ideal de progresso a esses espaços ao mesmo tempo em que permitiria o cidadão conhecer a riqueza de nossas paisagens naturais. A verdade, no entanto, é que nada disso aconteceu, com os espaços nos quais foram construídos a rodovia sendo meramente um meio para ampliar o extrativismo de recursos naturais na região e precarizou ainda mais a vida das comunidades indígenas no entorno, algo que o cinema brasileiro também explorou em Iracema: Uma Transa Amazônica (1974),
A estrada representa o entreguismo do período militar, cujo discurso de progresso e patriotismo na prática só abriu o país para novas formas de dominação estrangeira (econômica, cultural, etc) que nos distanciou de vários elementos de nossa identidade. Há uma melancolia em relação a todas essas transformações que está presente tanto no arco dos personagens e sua busca por novas praças para seu espetáculo quanto também na trilha musical.
Bye Bye Brasil, canção tema do filme composta por Chico Buarque e
Roberto Menescal, funciona justamente como a despedida de a um país que está
deixando de existir e de uma sensação de desesperança em relação a um sol que
não vai mais se por, como se não fosse possível vislumbrar o fim deste período.
De maneira semelhante o uso perto do fim do filme de uma versão em inglês da
canção Aquarela do Brasil cantada por
Frank Sinatra (intitulada como Brazil)
simboliza o senso de dominância estrangeira no país, que tomou para si até os
elementos mais tradicionais de nosso senso de identidade. Ouvir a canção
enquanto os personagens seguem na sua perambulação pelo país reforça a ideia de
um país que perdeu seu senso de si e foi entregue a forças externas.
Trailer
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