Crítica – Milton Bituca Nascimento

Fui assistir Milton Bituca Nascimento achando que seria um documentário sobre os bastidores de sua última turnê. Não deixa de ser sobre isso, mas a produção aproveita o gancho de ser uma turnê de despedida do músico para refletir sobre seu legado artístico, sobre o que torna Milton um artista tão diferenciado e as inspirações de sua arte. O resultado é um mergulho mais abrangente e compreensivo da arte de seu objeto do que se ele se limitasse a apenas acompanhar bastidores da turnê, ainda que seja um documentário bem típico em sua estrutura.

Caçador de mim

Narrado por Fernanda Montenegro, o filme analisa a trajetória do cantor e seu impacto, mostrando como ela repercute tanto no Brasil quanto no resto do mundo. Há uma qualidade poética no texto da narração que tenta dar conta da força sensorial e emotiva da força de Milton, mas o texto é também bastante didático em explicar os aspectos mais técnicos e musicológicos do que torna sua música tão diferenciada. Nesse sentido, a narração de Fernanda Montenegro consegue dar a medida da capacidade expressiva da arte de Milton, de sua complexidade e de fazer a audiência entender como é feita essa música.

O documentário recorre a artistas como Caetano Veloso, Chico Buarque, Mano Brown, Quincy Jones, Spike Lee e tantos outros para tentar explicar o impacto da música de Milton Nascimento e como ele consegue atrair pessoas no mundo inteiro, mesmo aquelas que não compreendem o português. As entrevistas são entrecortadas por imagens de shows ou de paisagens e situações descritas nas canções tentando evocar para o espectador as sensações que essas músicas trazem consigo. Muitas vezes também ouvimos as músicas ao fundo durante as entrevistas, em um trabalho muito competente de edição de imagem e mixagem sonora que nos permite perceber todas as camadas visuais e sonoras sem que elas disputem espaço entre si ou sem que os áudios das entrevistas e das canções interfiram de maneira negativa ou prejudiquem a inteligibilidade um do outro.

Ouvimos também o próprio Milton discorrer sobre sua trajetória, sempre de uma maneira muito serena e honesta, revisitando suas inspirações, parcerias e também dificuldades que encontrou ao longo da vida. As cenas com Milton nos fazem perceber a sensibilidade singular do cantor e sua natureza eclética que o permitiu se manter relevante por tanto tempo criando uma música que permanece vigorosa mesmo que ele, fisicamente, já se mostre um pouco fragilizado pela idade.

É a vida desse meu lugar

Ao longo do documentário vemos a amplitude da música de Milton Nascimento e como ele caminha por vários estilos como bossa nova, MPB, samba, rock e jazz criando melodias que evocam sons da natureza ou de espaços como estações de trem criando uma musicalidade que lhe é bastante singular. Do mesmo modo, a narrativa explora eventos da juventude do cantor no interior de Minas Gerais para entender como essas experiências de juventude impactaram em sua arte e na visão de Brasil que está circunscrita nela.

É uma música que fala da natureza do Brasil, das conexões entre as pessoas que vivem nele, dos amores, das distâncias, mas também fala da dor, do racismo, da desigualdade, da repressão da ditadura militar. É como se Milton pegasse nossos vários ritmos, juntasse com tudo que há de mais luminoso e mais sombrio em nosso país para destilar a essência de tudo isso em forma de música. Uma música com uma visão abrangente, complexa, afetuosa e crítica do nosso país.

Nem sempre documentários sobre música conseguem fazer o espectador entender o impacto de um determinado artista, muitas vezes se perdendo em superlativos e falas laudatórias rasas que nos dizem como alguém é extraordinário sem, no entanto, nos mostrar o que essa pessoa tem de extraordinário. Não é o caso aqui. Em Milton Bituca Nascimento conseguimos compreender muito bem como a trajetória, a formação, as amizades, as influências musicais e vários outros elementos convergiram para formar um artista e uma obra tão marcantes quanto Milton Nascimento.

 

Nota: 7/10

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