Alternativas limitadas
A narrativa é protagonizada por Janaína (Mayara Santos), uma jovem que mora com a mãe e a avó na periferia de Recife. Janaína é uma aplicada estudante de direito e namora com Jefferson (Mário Victor), que vive de fazer entregas com sua bicicleta. Quando Janaína descobre estar grávida de Jefferson ela começa a ver seus prospectos de futuro diminuírem e começa a analisar as opções limitadas que tem para resolver a questão.
Em um ambiente no qual aborto não é legalizado e uma pessoa como Janaína tem recursos e contatos limitados, a trama mostra como até mesmo informações sobre procedimentos ou a segurança dele são difíceis de encontrar e colocam a mulher diante de fontes ou agentes pouco confiáveis. É um olhar que lembra um pouco a produção Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre (2021) que mostrava uma jovem dos EUA viajando para outro estado no qual o aborto é descriminalizado para ter acesso ao serviço. Aqui, ao longo da narrativa acompanhamos Janaína se submeter a ingerir plantas tóxicas ou caindo em golpes financeiros na tentativa de ter acesso a mecanismos de aborto. Nos dois filmes há reflexão de que submeter as mulheres a esse tipo de deslocamento ou ambientes onde o aborto ocorre na clandestinidade oferece mais perigo do que o aborto em si.
Ao mesmo tempo, a trama nunca trata a decisão de Janaína como algo banal ou o procedimento como um evento descomplicado. A trama, bem como o trabalho da atriz Mayara Santos, evidenciam a angústia da protagonista em chegar a essa decisão. Cenas de pesadelo, como a que Janaína se vê dentro de um ônibus sob o olhar de julgamento de todos que conhece, ilustram o peso que a decisão tem sobre ela. É um olhar maduro, que entende as várias camadas de complexidade que envolvem uma ação como essa.
Cooperação feminina
Durante boa parte do filme, Janaína fica sozinha para lidar com a questão. O senso de solidão é denotado pela escolha de constantemente deixar a personagem sozinha no enquadramento, mesmo quando há outra pessoa em cena, e também no uso de ruídos ambientes e efeitos sonoros para criar uma paisagem sonora na qual ouvimos mais os sons da rua e dos ambientes ao seu redor do que falas da personagem que passa muito tempo em silêncio e sozinha.
Mesmo o namorado dela aparece pouco. Por mais que ele diga que irá apoiá-la e até se mobiliza para oferecer ajuda em alguns momentos, a participação dele se dá de maneira distanciada, através de ligações de vídeo ou mensagens de texto ao invés se fazer fisicamente presente junto a Janaína. É nas figuras femininas ao seu redor que a protagonista encontra apoio, principalmente na melhor amiga Kelly (Bárbara Vitória) que lhe serve de confidente e a auxilia durante o processo. Durante toda a narrativa são sempre outras mulheres que lhe oferecem ajuda, informação e lhe abrem as portas para conseguir o que busca, como a colega de faculdade que confidencia a Janaína como conseguiu resolver uma questão similar e passa o caminho e contatos para a protagonista.
É um arco narrativo que reforça a importância da cooperação feminina e da construção de redes de apoio que construam um ambiente de segurança para as mulheres nos espaços em que o Estado ou outros poderes constituídos não fornecem. Um espaço que não apenas oferece acesso ao que elas precisam com a segurança que é possível em um ambiente de ação clandestino como também uma escuta sem julgamentos a exemplo do diálogo final entre Janaína e a mãe. Tudo isso colabora para que Ainda Não é Amanhã construa um relato bastante sensível e complexo sobre as dificuldades da experiência feminina em um ambiente que trata como tabu questões de saúde pública.
Esse texto faz parte de nossa
cobertura do XX Panorama Internacional Coisa de Cinema
Trailer
Nenhum comentário:
Postar um comentário