Visibilidade cultural
A Companhia Brasiliana foi um grupo de música, dança e teatro afro-brasileiros com o elenco todo formado por artistas negros que se apresentou em mais de noventa países ao longo de sua trajetória apresentando um espetáculo baseado na história, cultura e musicalidade afro-brasileiras. O documentário faz um resgate histórico importante ao mostrar já que na metade do século XX o Brasil tinha um grupo artístico focado na cultura negra e que esse grupo teve uma imensa visibilidade internacional, circulando o mundo e participando de grandes eventos, desde filmes da Sophia Loren a aberturas de Copa do Mundo.
Estruturalmente ele segue aquilo que se espera de documentários sobre música, com entrevistas para ouvir as pessoas que trabalharam na companhia e pesquisadores que analisaram sua história com imagens de arquivo que mostram as apresentações do grupo e revelam a presença de várias figuras importantes da cultura de diferentes países em seus shows. Ainda que seja convencional, a produção se sustenta pela relevância da história que conta e do resgate de arquivo empreendido, trazendo imagens de performances em diferentes países que ilustram a força expressiva da dança e musicalidade do grupo ilustrando o que seus artistas tinham de especial.
O documentário também nos conquista pelos personagens interessantes que são entrevistados. Ex funcionários da companhia (dançarinos, coreógrafos, músicos, etc) que narram de maneira bem humorada os perrengues de turnês, as disputas de egos que haviam internamente e os envolvimentos amorosos com celebridades que vão de Jair Rodrigues a Robert De Niro.
Olhar estrangeiro
Ainda que reconheça a importância de uma companhia de dança e música construída por artistas negros para falar de cultura afro, dando às pessoas envolvidas no grupo oportunidades que pessoas negras simplesmente não tinham no Brasil dos anos 1950, o filme não deixa de analisar que havia um lado negativo no modo como estrangeiros recebiam as apresentações do grupo.
Por mais que as mentes criativas da Brasiliana construíssem seus espetáculos como um meio de narrar e valorizar a história da cultura afro-brasileira, para os estrangeiros que assistiam a experiência era de ver aquilo como algo exótico e primitivo sob um olhar condescendente sem esforço de entender o que essa cultura significava. Isso fica visível em imagens de arquivo italianas no qual o narrador, em italiano, fala sobre uma dança envolvendo Exú e se refere a ele como “entidade demoníaca”.
Nesse olhar exótico dos estrangeiros, também havia uma hiperssexualização dos corpos negros, em especial dos femininos, algo que era reforçado pelas próprias escolhas de elenco da companhia que privilegiavam dançarinas e dançarinos com formas físicas que fossem consideradas atraentes pelos gringos. Nesse sentido, o documentário não deixa de refletir como, apesar de sua contribuição para a valorização da cultura negra, a companhia, intencionalmente ou não, também contribuiu para certos estereótipos de sexualização dos corpos negros.
Assim, Brasiliana: O Musical Negro Que Apresentou o Brasil ao Mundo lança
luz sobre um grupo relevante na valorização da cultura afro-brasileira que
tinha sido deixado de lado do registro histórico enquanto pondera os diferentes
impactos produzidos pela atividade do grupo.
Esse texto faz parte de nossa
cobertura do XX Panorama Coisa de Cinema.
Trailer
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