Vindo das cinzas
Na trama, depois de uma tragédia pessoal, Matt tenta reconstruir sua vida como advogado e deixar para trás suas atividades como Demolidor. Ao mesmo tempo, Wilson Fisk retorna a Nova Iorque depois dos eventos da série Eco (2024) para retomar seu império criminal e sua relação com a esposa, Vanessa (Ayelet Zurer). Fisk se lança como prefeito e passa a governar a cidade. Com o Rei do Crime na prefeitura, Matt começa a perceber que agir dentro lei não garante que a justiça será feita já que a estrutura do Estado foi aparelhada por um criminoso.
Não é a primeira vez que Matt é colocado em um dilema moral entre operar dentro do sistema ou seguir seus impulsos e fazer justiça ao seu modo. A série da Netflix, em sua terceira temporada, já trazia elementos do arco Born Again (A Queda de Murdock aqui no Brasil) dos quadrinhos que dá nome a esta nova série. Nesse sentido, o modo como a primeira parte da temporada se detém nestes questionamentos morais do personagem soa como uma repetição de conflitos que já vimos antes. Eu sei que essa é uma série totalmente nova, não uma nova temporada da série da Netflix, então é pensada para ser vista de modo independente, mas ainda assim, como o elenco e a abordagem ao personagem é similar, tudo soa parecido com coisas que já vimos antes.
O cerne da temporada é até que ponto seus protagonistas, herói e vilão, seriam capazes de refazer suas vidas e se afastarem de seus impulsos violentos e ao longo da narrativa vemos que a resposta é não. Matt não consegue abrir mão de suas incursões violentas como Demolidor porque enquanto advogado ele não consegue produzir as mudanças que almeja ou corrigir as injustiças que se apresentam ao seu redor. Fisk pode até ter começado sua empreitada como prefeito com boas intenções, mas ao longo do percurso ele deixa sua truculência tomar conta seja por ver a oportunidade de lucro e poder que a posição representa, seja porque essa parece ser a única maneira de reconquistar sua amada Vanessa que sempre encoraja os piores impulsos do marido.
Ruas violentas
Quando Matt retorna à sua persona de Demolidor é que a narrativa finalmente engrena conforme o herói e Fisk quebram a trégua que estabeleceram no início da temporada e as tensões entre eles se acirram. O quinto episódio coloca Matt como refém de um assalto à banco e explora como ele tenta agir como “herói” em sua faceta civil, obrigando Matt a ser engenhoso no modo como lida com a situação tensa.
Fisk e Matt convergem na busca pelo serial killer Muso e a partir daí Fisk passa a abusar seu poder não só para caçar o assassino, mas para usar essa investigação para criminalizar os vigilantes e criar uma milícia pessoal totalmente leal a ele composta por policiais ocultos. A trama reflete como as estruturas do poder público são facilmente cooptadas para quem quer abusar do poder e como a única maneira de resistir a esse aparelhamento é, em essência, agir fora da lei.
Os últimos episódios da temporada examinam a dinâmica complicada entre Matt e Fisk. No sexto episódio a montagem alterna entre a luta do Demolidor e de Muso com a cena de Fisk enfrentando o amante da esposa que estava mantendo como refém em um porão. A ideia é de mostrar como os dois são criaturas de violência e que eles só são fieis a si mesmos quando cedem a esses impulsos. O penúltimo episódio complica ainda mais a dinâmica quando Matt crê que Fisk foi o culpado por um ataque ocorrido no primeiro episódio, se tornando alvo de Poindexter (Wilson Bethel) por conta disso.
Ao saber que Fisk não é o culpado, Matt se coloca na frente do tiro de Poindexter arriscando a vida para salvar seu maior inimigo. Pode parecer uma ação tola por parte de Matt, mas é coerente com a moralidade de Matt. Na visão do personagem a culpada pelo ataque do qual Poindexter quer se vingar seria Vanessa, então, para Matt, não seria correto ou justo deixar Fisk morrer por algo que não fez. O fato de Fisk não ter a mesma honra de Matt e mandar matá-lo no hospital ressalta a diferença moral que há entre os dois ainda que a trama construa ambos como pessoas de violência.
O último episódio traz uma caçada intensa conforme Fisk consolida seu poder sobre a cidade e Matt precisa recorrer à ajuda de Frank Castle (Jon Bernthal) para conseguir sobrevier. Castle é sempre uma ótima presença na série conforme o Justiceiro desafia o senso de moralidade de Matt e sua política de não matar, penetrando na psique do Demolidor e expondo o quanto ele deseja sim ser implacável com seus oponentes. Apesar da intensidade do episódio final tudo se conclui com um gancho para uma próxima temporada que faz tudo que vimos até aqui como um preâmbulo para uma história que acabou de realmente começar.
Considerando que inicialmente Demolidor: Renascido foi pensado
inicialmente como uma série de dezoito episódios, faz sentido que o nono e
último da temporada seja esse ponto de virada que representaria o meio da
história. Como muito foi refeito depois do início das filmagens, recomeçando a
série do zero e até mudando atores, provavelmente a história foi dividida em
duas temporadas por questões de orçamento. Assim, ainda que Charlie Cox e
Vincent D’Onofrio continuem ótimos e a série ofereça bons momentos para seus
heróis e vilões, não afasta o senso de repetição e de que ela demora a chegar
em seu conflito principal. Espero que a segunda temporada aproveite o potencial
deixado pelo gancho final.
Nota: 7/10
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