quinta-feira, 10 de abril de 2025

Crítica – O Deserto de Akin

 

Análise Crítica – O Deserto de Akin

Review – O Deserto de Akin
Não me lembro de outra produção brasileira antes deste O Deserto de Akin que tenha explorado o programa Mais Médicos e a vinda de médicos cubanos para o Brasil. Apesar de ter sido um assunto que tomou a esfera pública por um bom tempo, não tenho lembrança de muitas outras produções brasileiras sobre o tema.

Deserto particular

A trama é centrada em Akin (Reynier Morales), um médico cubano trabalhando no interior do Espírito Santo que vai aos poucos se conectando ao local e é afetado pela mudança no programa e no governo brasileiro depois de 2018. Ele não tem muitas amizades fora do trabalho, tendo em Érica (Ana Flávia Cavalcante) sua única conexão afetiva. Logo a dupla também agrega Sérgio (Guga Patriota), cozinheiro pernambucano que, assim como Akin, se sente solitário e deslocado no local.

O cotidiano de Akin mostra a diferença que ele faz no local enquanto médico, atendendo não apenas as pessoas da cidade onde vive, como também indo de barco ou pela estrada para áreas mais remotas da região, fazendo o acompanhamento de populações de pescadores ou indígenas que de outro modo não teriam acesso a qualquer serviço de saúde. O triângulo amoroso com Érica e Sérgio permite explorar como ele se conecta com o local para além do trabalho e ajuda o protagonista, sempre muito estoico e passivo ao que acontece ao seu redor, a mostrar outras facetas, com sua bissexualidade sendo tratada de maneira bem descomplicada pelo filme ou pelos personagens ao seu redor.

Ao mesmo tempo, a trama analisa como apesar dessas conexões ele ainda se sente isolado e não plenamente pertencente àquele espaço, com as imagens dele sozinho caminhando pelas dunas ou de sua casa constantemente tomada por areia como ilustrações de sua solidão e da aridez que aquele local representa para si. Uma aridez que se amplia conforme a paisagem política do país se altera.

Ambiente hostil

O filme vai aos poucos construindo como o ambiente político vai mudando. Primeiramente através de áudios de rádio e reportagens televisivas que relatam a agressividade do ambiente eleitoral de 2018 e como um dos candidatos constantemente instiga agressões contra o outro lado, incluindo discursos contra os médicos cubanos. A hostilidade também se amplia no espaço ao redor dos personagens, como na cena em que Sérgio é agredido por um motorista depois de reclamar por quase ser atropelado por ele ou o momento em que Érica é xingada em um bar e começa a discutir com o homem que a xingou.

Mesmo com esses momentos de agressividade e violência é estranho que o próprio Akin não seja, ele próprio, alvo dos ataques. Como um médico cubano em uma cidade pequena, um espaço em que todos saberiam quem ele é, era de se imaginar que ele fosse ser hostilizado pelos apoiadores do presidente eleito em 2018, mas esse ambiente de hostilidade e agressão que o filme apresenta como uma possibilidade bem real nunca se materializa. O temor do protagonista vem mais da incerteza do que acontecerá com ele nesse novo governo que não tem interesse em manter esses médicos trabalhando em áreas que antes não tinham médicos. Um governo que prefere deixar uma população desassistida simplesmente porque os médicos pertencem a um país cuja ideologia discordam e não por performance ou impacto do trabalho desses médicos na comunidade.

Conforme o destino da cooperação entre Brasil e Cuba se mostra plenamente selado, o drama do personagem se direciona para o que ele fará quando a convocação de retorno eventualmente vier: seguir em uma nova missão ou se apegar às raízes que fez aqui? A decisão final do personagem, no entanto, não é difícil de antever diante de tudo que a narrativa construiu até então. Com isso, O Deserto de Akin desenvolve um importante estudo do impacto que a presença dos médicos cubanos teve nas comunidades em que trabalharam e como os próprios médicos foram impactados por sua presença aqui, embora nem sempre explore plenamente as ideias que tenta apresentar.


Esse texto faz parte de nossa cobertura do XX Panorama Coisa de Cinema.

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