segunda-feira, 14 de abril de 2025

Crítica – The Pitt

 

Análise Crítica – The Pitt

Review – The Pitt
Nunca fui muito de acompanhar séries médicas. No máximo acompanhei algumas temporadas de House por conta de sua estrutura de mistério e investigação que remetia a uma dinâmica de histórias do Sherlock Holmes. The Pitt, no entanto, chamou minha atenção pela sua forma de contar a história, acompanhando um plantão de emergência em tempo real, com cada episódio cobrindo uma hora de plantão. O resultado é algo que soa como uma mistura de Plantão Médico com 24 Horas, mas acaba sendo mais do que uma mera combinação de elementos conhecidos.

Sob pressão

A série acompanha um turno do plantão de emergência de um hospital em Pittsburgh que é liderado pelo Dr. Michael “Robby” Robinavitch (Noah Wyle, veterano da série Plantão Médico). Robby comanda a equipe formada por médicos, enfermeiros, residentes e estudantes de medicina, lidando não só com a urgência de casos complicados, mas com os recursos limitados do hospital.

A narrativa acompanha o constante movimento de uma ala de emergência hospitalar. Esse senso de caos é construído através de muitos planos abertos com duração relativamente longa enquanto profissionais e pacientes transitam de um ponto a outro e a câmera explora a profundidade de campo para evidenciar toda a movimentação ao fundo inclusive dos demais personagens. É uma encenação bastante complexa e muito bem executada que usa o senso de espacialidade e a narrativa em tempo real para dar a impressão de que estamos mesmo imersos na correria da emergência.

O texto é inteligente ao explorar não apenas a importância dos profissionais de saúde, como de outras atividades dentro do hospital, como o papel das assistentes sociais em lidar com pacientes em situação de vulnerabilidade social ou com outras demandas para além da saúde. Por outro lado, a narrativa também explora a precarização da medicina privada, com hospitais tomados por gestores planilheiros (uma praga recente em qualquer ramo, na verdade) que estão constantemente atrás de fórmulas de diminuição de custos que não levam em conta as demandas reais do negócio e querem que os funcionários operem no mesmo nível de eficiência embora tenham menos recursos e pessoal à disposição.

As cenas entre Robby e a gestora Gloria (Michael Hyatt) ilustram muito bem a lógica tacanha de uma gestão que cobra muito e oferece muito pouco, sempre culpando os funcionários por não operar dentro do esperado, embora seja a própria gestão que não lhes dá condições de fazer isso. As consequências são sentidas tanto nas salas de espera lotadas quanto nas tensões com os pacientes cansados de esperar, resultando até em agressões a pessoas na equipe de Robby.

Medicina humanizada

Além do constante senso de urgência conforme os médicos correm contra o tempo, outro trunfo da série é como ela aproveita seu vasto elenco de personagens e dá a cada um deles espaço para desenvolver suas personalidades e mostrar seu lugar na equipe. A presença de estudantes de medicina serve para que os personagens expliquem coisas relativas a sintomas e aparatos sem precisar soar inorgânico ou didático demais, com mesmo esses personagens sendo desenvolvidos como figuras interessantes.

Robby é um mentor exigente, mas compassivo, que entende o peso do serviço e tenta guiar sua equipe da melhor maneira que pode mesmo lidando com seus próprios traumas. O dia em questão marca o aniversário da morte de seu mentor no hospital, que faleceu durante a pandemia de COVID-19 sob os cuidados de Robby, que se culpa pelo ocorrido. É um arco que mostra o constante peso de um trabalho de emergência e também o trauma ainda presente da pandemia.

Os outros personagens também tem suas próprias histórias e mostram diferentes maneiras de se conectar com os pacientes. Melissa King (Taylor Dearden, filha do Bryan Cranston) demonstra bastante traquejo com crianças e pacientes no espectro do autismo por conta de sua experiência com a irmã autista e ao longo do plantão a vemos adquirir mais confiança em suas habilidades conforme ela navega o caos de seu primeiro dia. Considerando sua falta de traquejo social e sua linguagem corporal, não me surpreenderia se ela própria estivesse no espectro.

Cassie McKay (Fiona Dourif, filha do Brad Dourif) tem um passado complicado e usa uma tornozeleira eletrônica por conta desses problemas. Sua bagagem de vida a faz olhar de outras maneiras para pacientes que são marginalizados e até tratados com desdém pelo resto da equipe. Whitaker (Gerran Howell) poderia ser facilmente reduzido a um alívio cômico ao ser um constante alvo de esguichos de vômito e sangue, mas sua origem humilde do interior facilita com que ele se conecte com personagens de fora da cidade e, ao final, ele também traz uma ponderação sobre a vida precária de profissionais recém formados com um imenso débito financeiro por conta dos financiamentos estudantis.

É interessante como a série desenvolve a descoberta do vício de Langdon (Patrick Ball). Primeiro com insinuações dúbias e condutas que levantam suspeitas em colegas e mesmo quando Robby encontra as drogas em seu armário, a série nunca mostra Langdon usando nada, mas podemos depreender a verdade de seu vício a partir de sua conduta. Quando confrontado, ele primeiro tenta negar, depois minimiza e diz que não é viciado, quando Robby se mantém irredutível, no entanto, Langdon se torna agressivo e começa a atacar Robby ao ver que não vai conseguir o que quer, exatamente como um viciado negado mais uma dose.

A enfermeira-chefe Dana (Katherine LaNasa) comanda a emergência como uma sargento durona, mas não perde a ternura quando isso se mostra necessário. Sua decisão de continuar trabalhando mesmo depois de ser covardemente agredida por um paciente mostra seu comprometimento. Conforme as horas do plantão passam, no entanto, ela demonstra como a agressão a abalou, especialmente em uma cena no refeitório no episódio final no qual ela questiona seu lugar ali. Que ela tenha se aberto justamente para Langdon, alguém que provavelmente não estará lá no dia seguinte, é significativo do quanto ela se importa em manter sua fachada de durona diante da equipe. O gesto de pegar as fotos de sua mesa ao deixar o plantão é um doloroso indicativo de sua disposição para não voltar.

Atendimento de guerra

Desde o primeiro episódio me perguntei porque a série teria quinze episódios se ela opera na lógica de tempo real e plantões de emergência costumam durar doze horas. Lá pelo décimo primeiro episódio, porém, a série mostra o motivo dos personagens estenderem o plantão e os coloca diante de uma calamidade que leva a urgência e a intensidade de emergência para níveis estratosféricos. Os episódios finais mostram como atender vítimas de uma calamidade que chegam rapidamente, em grande número e em situações de alto risco se torna praticamente uma operação de guerra na qual a equipe precisa agir rápido, seguir protocolos muito definidos e ser capaz de improvisar com poucos recursos.

Durante esse clímax, a trama exibe de maneira convincente e angustiante como os médicos precisam rapidamente diagnosticar e tratar um paciente depois do outro, com qualquer demora ou hesitação, mesmo que de poucos segundos, podendo significar a morte da pessoa em questão e das outras que esperam atendimento. Esse ambiente catastrófico reaviva os traumas de Robby e o leva ao colapso em uma intensa cena na qual ele desaba em lágrimas no necrotério improvisado e Noah Wyle nos faz sentir os anos de dor represada que Robby está ali pondo para fora. É um choro não só por quem ele não conseguiu salvar naquele momento, mas pelas pessoas que perdeu desde a pandemia. A cena também se desdobra em um momento tocante entre Robby e Whitaker na qual o estudante oferece ajuda ao mentor, lembrando a importância de reconhecer a própria vulnerabilidade e como se permitir ser vulnerável não é uma fraqueza, mas um lembrete de nossa humanidade e conexão com outras pessoas, algo que Robby replica em seu discurso no final do plantão.

Com um constante senso de urgência, um rico elenco de personagens e uma sensibilidade para analisar os impactos de um trabalho tão intenso, The Pitt oferece uma análise cuidadosa, abrangente e impactante do cotidiano de uma sala de emergência, entregando uma das melhores séries médicas em muito tempo.

 

Nota: 9/10


Trailer

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