Ilha da fantasia
A temporada se passa na Tailândia e apresenta um novo grupo de hóspedes como o trio de amigas Kate (Leslie Bibb), Laurie (Carrie Coon) e Jacklyn (Michelle Monaghan) que estão em uma viagem para curtir, mas acabam desenterrando antigos ressentimentos. Rick (Walton Goggins) chega com a namorada Chelsea (Aimee Lou Wood, de Sex Education), mas esconde dela que está lá para uma vingança pessoal. O rico empresário Timothy Ratliff (Jason Isaacs) está com sua família, a esposa dondoca Victoria (Parker Posey), os filhos Saxon (Patrick Schwarzenegger) e Lochlan (Sam Nivola), e a filha Piper (Sarah Catherine Hook). Retornando da primeira temporada está Belinda (Natasha Rothwell) que vai para a Tailândia aprender novas técnicas de massagem, mas reencontra figuras do passado.
É um cenário idílico, mas que para os personagens representará uma série de crises pessoais. Timothy, por exemplo, descobre que suas empresas estão sob investigação e que está prestes a perder tudo, um segredo que oculta da família. Como em outros anos, a série explora as hipocrisias dos mais ricos e os conflitos de classe que emergem dessa vida de opulência, mas boa parte dessas observações soa como uma repetição de ideias que vimos melhor executadas em anos anteriores.
O elenco é quem garante que os personagens se mantenham interessantes mesmo quando o texto não faz jus a eles. Bibb, Coon e Monaghan convencem como um trio que se conhece a tanto tempo que sabe exatamente como machucar a outra mesmo que com a menor das expressões. Cada troca entre elas, principalmente a Laurie de Coon, soa como se uma tentasse sutilmente se mostrar superior às demais. Parker Posey é outro destaque divertido como uma socialite sulista que parece sempre estar dopada de remédios e desfia constantes observações mordazes para seus filhos ao mesmo tempo em que despeja elitismo e preconceito de classe como se fosse perfeitamente normal.
A Chelsea de Aimee Lou Wood com sua postura exotérica e discurso de desprendimento funciona como um perfeito oposto para o sempre tenso Rick que não consegue desapegar de seu passado. Patrick Schwarzegger faz de Saxon um babaca machista que dá gosto de detestar. Seu senso de si vai erodindo conforme a narrativa avança e ele se confronta com a estupidez e futilidade de sua existência, principalmente na medida que ele vai se direcionando para uma relação incestuosa com o irmão Lochlan que desvela a dinâmica psicossexual de dominação que Saxon impõe ao irmão mais novo.
Desejo e identidade
A temporada aproveita a ambientação na Tailândia para dialogar com noções budistas de desprendimento e como nosso apego àquilo que desejamos acaba nos tornando reféns de nosso desejo e confundindo nosso senso de si com aquilo que desejamos. A cena em que Frank (Sam Rockwell) narra ao amigo Rick sua vida de devassidão na Tailândia e como depois de anos transando com jovens asiáticas decidiu ele próprio se vestir como uma jovem asiática para ser penetrado por homens brancos de meia idade (a expressão de Walton Goggins durante todo o monólogo de Rockwell é impagável) reflete exatamente como se deixar governar pelos desejos faz alguém confundir desejo com senso de si.
Ao longo da temporada os infortúnios dos personagens se dão pelo excesso de apego ao que desejo ou ao que já tem. Muito da ansiedade de Timothy em perder tudo vem do fato de que ele construiu todo seu senso de identidade e de valor enquanto ser humano em cima de sua riqueza e posição social, temendo que a família não lhe dê valor quando descobrirem o que está havendo. Um sentimento que, de certa forma, é justificado pela própria família, já que Saxon desenvolve muito de si em cima do desejo de ser igual ao pai, Victoria só pensa em sua posição social e os esforços de Piper em se tornar budista são frustrados pelo apego dela com as comodidades de sua vida de privilégios.
De maneira semelhante toda a tragédia de Rick acontece porque ele não é capaz de desapegar de seus sentimentos em relação ao passado e desejo de vingança. Nesse sentido, o episódio final claramente o coloca diante de uma encruzilhada quando o filma com Chelsea de um lado, representando a possibilidade de desapego e de construir uma vida a partir de uma relação saudável, e do outro o dono do hotel que é o alvo de sua vingança. Ele poderia deixar a vingança de lado e voltar para Chelsea, mas sua escolha pela vingança condena ambos.
Tragédia anunciada
É justamente no modo como amarra suas várias histórias que a série perde força. Se até então acompanhávamos como o ritmo deliberado de sua narrativa ia construindo peça por peça as tensões desses personagens, na hora dar vazão a elas nenhuma soa bem construída ou devidamente merecida. Era evidente desde o início que Rick iria escolher a vingança e que isso seria sua perdição, o problema é a maneira como acontece. A revelação que vem depois dele matar o dono do hotel soa como algo colocado para forçar um choque. Considerando que Rick tinha confrontado o dono no episódio anterior com intenção de matá-lo, não faz nenhum sentido para que o dono do hotel não tenha revelado a verdade sobre o pai de Rick naquela ocasião.
Do mesmo modo, a epifania de Laurie diante das amigas e quanto ela dá valor a elas não soa merecida. Depois de tanto veneno e ressentimento trocado entre elas é difícil de acreditar que Laurie teria visto o valor das amigas simplesmente porque foi para cama com o bonitão russo do hotel e quase foi enredada por ele em um golpe financeiro que provavelmente era a intenção dele o tempo todo. Considerando que o trio testemunhou o tiroteio envolvendo Rick, faria mais sentido que essa epifania de Laurie viesse dessa experiência de ver a morte de perto. Carrie Coon, no entanto, é excelente no modo como Laurie expõe todas as suas vulnerabilidades e sentimentos para as amigas, dando uma verossimilhança emocional para a conduta da personagem que o texto não dá.
O encerramento do arco de Timothy, encontrando serenidade para dizer a família que ficará tudo bem independente do que virá é outro momento que não soa convincente. Sim, ele redescobriu o valor da própria família depois de quase envenená-los, mas isso só explica a serenidade dele naquele momento, não a do resto da família. A direção constrói a cena com um senso de otimismo que não se justifica plenamente considerando o que foi estabelecido para o resto da família.
Aliás, é estranho que os Ratliffs, bem como Laurie e suas amigas ou Belinda e o filho, simplesmente vão embora de lancha do mesmo jeito que chegaram ignorando que houve um tiroteio com meia dúzia de mortes no hotel e que foi testemunhado por alguns desses personagens. Não há um senso de repercussão para a violência que ocorreu no hotel. Na temporada anterior ao menos as mortes aconteceram no mar, o que justificava o hotel funcionar normalmente, mas aqui não faz sentido.
Em outras temporadas os funcionários do hotel recebiam a mesma complexidade que os hóspedes, mas aqui eles soam subaproveitados. O segurança Gaitok (Tayme Thapthimthong) é um budista que se recusa a adotar uma conduta agressiva, mas que compromete seus valores quando vê a oportunidade de subir na vida. Há uma ironia trágica nele conseguir o que queria ao abrir mão de convicções pessoais (mais uma vez reforçando a conexão entre desejo e identidade), no entanto, essa guinada nunca tem o sabor amargo que deveria porque Gaitok é um personagem muito unidimensional e o mesmo pode ser dito de Mook (Lalisa Manobal, do grupo Blackpink), interesse romântico de Gaitok.
A mesma ironia trágica está no destino de Belinda, que aceita um suborno para finalmente poder abrir o próprio negócio e acaba fazendo com Pornchai (Dom Hetrakul) o que Tanya (Jennifer Coolidge) fez com ela na primeira temporada. A diferença é diferente do ano de estreia Belinda não teve aqui muito que fazer além de ruminar sua dúvida a respeito de denunciar Greg (Jon Gries) ou não. Assim, sua corrupção soa previsível e superficial, sem nada que lhe dê mais camadas.
Assim, a despeito de alguns
momentos impactantes e de um elenco que dá credibilidade a seus personagens
mesmo quando o texto fraqueja, a terceira temporada de The White Lotus é a mais fraca da série até aqui ao não conseguir
fechar suas histórias de maneira convincente.
Nota: 6/10
Trailer
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