Donald Trump já ocupava os
holofotes décadas antes de sua entrada na política. O Aprendiz, ao contrário do que o título sugere, não foca no reality show que ele apresentou no
início dos anos 2000, mas na relação entre Trump e Roy Cohn, advogado
constantemente associado a figuras da máfia e que foi parte fundamental do
sucesso inicial de Trump.
Advogado do diabo
A narrativa começa no final dos
anos 70 quando um jovem Donald Trump (Sebastian Stan) está assumindo o negócio
imobiliário do pai, Fred (Martin Donovan) e enfrenta um processo na justiça
federal que o acusa de discriminar inquilinos negros. O processo põe em pausa
os planos de Trump de sair do ramo de habitações populares e começar a investir
em hotéis de luxo, então ele procura a ajuda do advogado Roy Cohn (Jeremy
Strong, de Succession), para ajudá-lo. A trama então segue o desenvolvimento da relação entre
Trump e Cohn, mostrando a influência do advogado no empresário.
Quando estreou a primeira
temporada de Monstros, nova série de
antologia sobre crimes reais produzidas por Ryan Murphy, acabei deixando de
conferir a história do assassino Jeffrey Dahmer por já estar saturado na época
de séries “true crime”. A série chega a sua segunda temporada com este Monstros: Irmãos Menendez Assassinos dos
Pais contando o caso de dois irmãos que mataram os pais no final da década
de 80. Eu tinha ouvido falar do caso algumas vezes, mas nunca soube muito à
respeito, então resolvi conferir a série.
A narrativa acompanha os irmãos
Lyle (Nicholas Alexander Chavez) e Erik Menedez (Cooper Koch) que em 1989
assassinam o pai, José (Javier Bardem), e a mãe, Kitty (Chloe Sevigny), com
múltiplos tiros de espingarda. O crime chamou atenção pela crueldade e pelo
fato de que os irmãos inicialmente tentaram culpar a máfia pela execução dos
pais, tentando sugerir que o pai, um rico empresário da indústria fonográfica,
estava envolvido com o crime organizado. O caminho até a eventual condenação
dos irmãos levou quase uma década e foi marcado por denúncias de abusos físicos
e sexuais que José Menendez teria cometido contra eles.
Lançado em 1928, A Paixão de Joana d’Arc é um marco na
história do cinema por múltiplos motivos. Foi o primeiro longa-metragem a
narrar a história da heroína francesa Joana d’Arc, que liderou o país contra os
ingleses. É também um marco pela maneira de filmar do diretor Carl T. Dreyer
que desafiou várias convenções da linguagem audiovisual da época e que mesmo em
relação ao cinema de hoje traz uma construção pouco usual.
Histórias sobre a colonização de
algum espaço costumam ser narradas como feitos heroicos de pessoas enfrentando
ermos cheios de intempéries ou subjugando populações nativas, sem, no entanto,
ponderar sobre as consequências ou a inerente violência desse processo
colonial. A produção dinamarquesa O
Bastardo, uma das escolhas do país para o Oscar, traz um pouco de
ponderação sobre o egoísmo humano que está no cerne desse impulso desbravador.
A narrativa é baseada na história
real de Ludvig Kahlen (Mads Mikkelsen) militar dinamarquês responsável por
colonizar a península da Jutlândia no século XVIII, que hoje compreende a maior
parte do território dinamarquês. Estabelecer o primeiro assentamento da região,
no entanto, não era uma tarefa fácil e o reinado dinamarquês já tinha perdido o
interesse no espaço. É apenas quando Kahlen propõe custear a empreitada do
próprio bolso que a Coroa lhe dá permissão para construir seu assentamento. Lá,
Kahlen enfrenta as intempéries do ermo, a dificuldade de cultivar um solo tomado
por urzes, os saqueadores e principalmente as sabotagens perpetradas pelo
magistrado local Frederik De Schinkel (Simon Bennebjerg) que quer as terras
para si.
Estrelado por Olivia Colman e
Jessie Buckley Pequenas Cartas Obscenas
é uma daquelas produções que nos lembra como a realidade pode ser mais maluca
que a ficção. A trama é baseada na história real de um pequeno vilarejo no interior
da Inglaterra pós Segunda Guerra que ficou em polvorosa quando cartas cheias de
ofensas e palavrões começaram a ser recebidas por diferentes habitantes da
cidade.
A narrativa é focada em Edith
Swan (Olivia Colman), uma carola solteirona que mora com os pais e é um dos
primeiros alvos das cartas obscenas. Depois de receber algumas correspondências
os pais de Edith, Edward (Timothy Spall) e Victoria (Gemma Jones), chamam a
polícia. Edith acha que a responsável é sua vizinha, a irlandesa Rose (Jessie Buckley),
uma viúva de vida livre e boca suja que chegou na cidade pouco tempo depois da
guerra com a filha Nancy (Alisha Weir, de Abigail).
Como Rose é a única mulher “sem decoro” da cidade ela é automaticamente tratada
como culpada pela polícia local, sendo presa enquanto aguarda julgamento pelo
crime. Enquanto isso, Gladys (Anjana Vassan), a única policial mulher da
cidade, crê na inocência de Rose e tenta encontrar o real culpado.
Biografia do pintor pós-expressionista Pierre Bonnard, A
Musa de Bonnard foca na relação dele com a esposa Marthe e como os vários
quadros que fez dela impulsionaram a sua carreira. A produção tinha o potencial
de nos fazer entender as transformações que um relacionamento causaram na arte
de Bonnard e como isso mexeu com seu processo criativo, mas o filme parece mais
interessado em meramente narrar os fatos do que entender o que está por trás
deles.
A narrativa começa com Pierre (Vincent Macaigne) conhecendo
Marthe (Cécile de France) durante uma sessão de pintura. A partir daí o casal
desenvolve uma paixão arrebatadora e não consegue mais ficar separado.
Acompanhamos então a trajetória dos dois até o fim de suas vidas e as eventuais
turbulências no relacionamento.
Se em sua primeira temporada Feud contou a história dos anos de divergência entre Bette Davis e
Joan Crawford, esse segundo ano resgata uma briga que mexeu com a alta
sociedade nova-iorquina da década de 70 por conta da briga pública entre o
escritor Truman Capote e um grupo de mulheres da alta sociedade da qual ele era
amigo e denominava como suas “cisnes”.
A trama começa quando Capote (Tom Hollander) publica o conto
La Côte Basque 1965 na revista
Esquire. O conto seria parte de Súplicas
Atendidas, um romance que o escritor estaria produzindo baseado em
histórias que ouvia nas altas rodas da sociedade. O conto expunha várias
indiscrições e boatos de membros da elite que, embora tivessem seus nomes
modificados por Truman Capote, ainda eram facilmente identificáveis. A
exposição de casos extraconjugais e outros escândalos levaram as “cisnes” a
romperem relações com Capote e o excluírem de eventos da alta sociedade,
levando o escritor ao ostracismo e paralisando sua carreira.
Filmes sobre produtos viraram uma tendência recente em
Hollywood, com histórias sobre Tetris(2023),
sobre o tênis Air Jordans em Air(2023),
o Cheetos picante em Flamin Hot(2023)
ou sobre o Blackberry(2023).
Escrito, dirigido e estrelado por Jerry Seinfeld, A Batalha do Biscoito Pop-Tart parecia ser mais um desses filmes
feitos para exaltar histórias de sucesso e confirmar mitos sobre o capitalismo
corporativo. A narrativa, no entanto, vai na contramão disso, preferindo tratar
toda a história como uma farsa absurda, construindo os trâmites corporativos
para a criação de produtos como um circo ridículo.
A trama se passa na década de 60 e é protagonizada por Bob
Cabana (Jerry Seinfeld), executivo da Kellogg que descobre que a empresa rival,
Post, está desenvolvendo um novo produto de café da manhã que mistura biscoito
e geleia, dispensando leite e cozimento, podendo ser esquentado em uma
torradeira. Para superar a concorrência Cabana chama a genial, mas geniosa,
Stan (Melissa McCarthy), que tenta criar a própria versão desse biscoito antes
que a Post o faça.
Filme mais recente de Taika Waititi, Quem Fizer Ganha é uma comédia esportiva povoada por personagens
interessantes, mas nunca consegue fazer nada de memorável com eles. A trama se
baseia na história real da seleção da Samoa Americana que tenta reconstruir o
time depois de sofrer uma goleada histórica de 31 a 0 da seleção da Austrália
nas eliminatórias para a Copa do Mundo de 2002. O escolhido para ajudar o time
é o técnico Thomas Rongen (Michael Fassbender), um sujeito problemático que
aceita o cargo porque não consegue trabalho em nenhum outro lugar no mundo do
futebol.
De início pensei que fosse mais uma daquelas histórias de
“salvador branco” em que o técnico branco estrangeiro chegaria nesse país
pequeno e ensinaria os locais a jogarem futebol e a serem melhores com seus
valores ocidentais. Felizmente a trama meio que faz o inverso disso ao fazer de
Rongen o sujeito a ser salvo, já que são seus demônios internos e senso de
isolamento que o fazem ter dificuldade de treinar o time. Claro, ainda é aquela
típica narrativa de superação através do esporte, mas ao menos tenta evitar
certos clichês colonialistas.
O que fazer para unificar uma nação profundamente polarizada
depois que uma parcela do país tentou violentamente abolir o Estado? É uma
pergunta que se aplica aos Estados Unidos de hoje (e também ao Brasil,
infelizmente), mas no caso da minissérie Último
Ato se refere ao fim da Guerra de Secessão dos EUA e como o assassinato do
presidente Abraham Lincoln representou um freio nas tentativas de unificar o
país, trazendo justiça social e punindo os golpistas.
A trama começa no dia do assassinato de Lincoln (Hamish
Linklater) e segue os doze dias da caçada empreendida contra o assassino John
Wilkes Booth (Anthony Boyle) pelo ministro da guerra de Lincoln, Edwin Stanton
(Tobias Menzies, de Outlander), e
pelo detetive Lafayette Baker (Patton Oswalt). Ao mesmo tempo, Stanton luta
para que o governo não recue nas reformas pretendidas por Lincoln,
principalmente quando o presidente Andrew Jackson (Glenn Morshower), ele
próprio um ex-escravagista, parece disposto a capitular às demandas dos ricos
do derrotado sul.
O cinema gosta de contar histórias que lembram a importância
do jornalismo. Em geral são narrativas focadas no jornalismo investigativo como
Todos os Homens do Presidente(1976)
ou Spotlight(2015), mas
ocasionalmente também sobre o processo de entrevista e de extrair de um
entrevistado alguma informação que ele não quisesse dar. Frost/Nixon (2008) fez isso ao retratar a seminal entrevista na
qual David Frost fez Richard Nixon admitir publicamente os crimes que cometeu
durante sua gestão. Em certa medida, A
Grande Entrevista apresenta um processo similar ao mostrar como a BBC
britânica conseguiu a entrevista com o Príncipe Andrew em 2009 na qual ele
admitiu publicamente sua proximidade com o bilionário pedófilo Jeffrey Epstein
e relações inapropriadas com menores de idade.
A trama começa em 2010, quando Andrew (Rufus Sewell) foi
fotografado em público ao lado do bilionário que já era alvo de denúncias. Anos
depois Epstein é preso por tráfico de menores e se suicida sob circunstâncias
misteriosas na prisão. A relação entre o ricaço e o príncipe volta a ser
discutida pela mídia britânica e o programa Newsnight da BBC decide tentar
agendar uma entrevista com o arredio príncipe, recorrendo principalmente à
produtora Sam McAllister (Billie Piper) e a âncora Emily Maitlis (Gillian
Anderson).
Em certo sentido Garra
de Ferro me lembrou um pouco Foxcatcher(2014) por ser uma biografia sobre lutadores que tentam melhorar de vida,
se envolvem em relações tóxicas com as pessoas responsáveis por seu treino e
tudo acaba em tragédia. A diferença é que Foxcatcherera todo focado em mostrar esse lado sombrio do dito “sonho americano”
enquanto Garra de Ferro parece
incerto do que efetivamente quer, variando entre uma análise crítica da
tragédia da família Von Erich e uma celebração de seu legado no universo da
luta livre.
Focada em Kevin Von Erich (Zac Efron), a narrativa conta a
história real de sua família. O mais velho de quatro irmãos, Kevin é conduzido
pelo pai, Fritz (Holt McCallany), a se tornar um lutador. Fritz conduz a família
com rigidez, criando um ambiente de competição entre os filhos no qual eles não
disputam apenas títulos, mas também a afeição do pai. A exigência de Fritz que
os filhos sejam os melhores os leva a excessos, como uso de anabolizantes,
drogas e uma série de inseguranças. Essa combinação acaba levando a maioria dos
filhos a destinos trágicos.
Acompanhando um recorte bem específico de seu biografado, Ferrari é uma ponderação sobre controle
e a dificuldade em aceitar os limites de nossa capacidade de controlar as
condições ao nosso redor. A narrativa se passa em 1957 e acompanha um Enzo
Ferrari (Adam Driver) cuja montadora está prestes a falir e o casamento com a
esposa Laura (Penelope Cruz) está em frangalhos. Enzo também tem uma amante,
Lina (Shailene Woodley), com quem tem um filho que mantem em segredo de Laura. Para
tentar virar a situação da empresa, Enzo aposta tudo em vencer a corrida Mille
Miglia e para isso aposta no piloto espanhol Alfonso de Portago (Gabriel
Leone).
Desde os primeiros minutos me chamou atenção o modo como o
diretor Michael Mann usa o som. É um filme com pouca música e mesmo quando há
ela é bem discreta, pouco intrusiva. Apesar das tensões constantes no cotidiano
do protagonista, o filme é permeado por ambientes silenciosos. Isto é, exceto
quando Ferrari está nas pistas de corrida e o intenso ronco dos motores domina
a paisagem sonora. Parece haver uma clara intenção de manter o resto do filme
mais discreto em termos de presença de sons para criar um contraste com a
intensidade do ruído dos motores ressaltando a potência desses veículos, não
apenas em termos de seu potencial para corridas, mas também de sua brutal
letalidade quando algo dá errado.
Carros de corrida nos anos de 1950 eram bem menos seguros do
que são hoje e o filme investe as cenas de corrida de um senso de perigo e
velocidade que dá a impressão de que um desastre espera a cada curva. O uso de
câmeras acopladas à frente dos carros ajuda a transmitir a sensação de vertigem
causada pela alta velocidade e como é difícil guiar tão rápido. As cenas são
bastante gráficas ao mostrar o que acontece quando aqueles carros colidem ou
saem do controle em altíssima velocidade. Perto do final, o filme exibe uma dos
acidentes mais chocantes e brutais que me recordo de ter visto no cinema,
mostrando o quão horrível são as consequências quando algo dá errado.
Esse acidente, por sinal, é contraposto com imagens de
outros membros da equipe de Ferrari cruzando a linha de chegada e comemorando a
vitória. É uma escolha que parece ilustrar como o triunfo de uma empresa como a
Ferrari se constrói, entre outras coisas, em cima da morte desses pilotos, como
se fossem animais abatidos em sacrifício para um bem maior. Enzo, apesar de
claramente impactado por essas mortes e disposto a prestar suporte para as
famílias, continua a colocar pilotos em seus carros como se isso fosse a coisa
mais normal do mundo.
A morte de pilotos, algumas vezes em acidentes fortuitos
como o que ocorre no clímax, é só um dos elementos do cotidiano de Enzo que
escapa de seu controle e que o protagonista precisa aceitar as próprias
limitações. Ao longo do filme vemos como Enzo sempre tenta se manter no
controle, apesar de nem todos os seus esforços serem suficientes, como na morte
de seu primeiro filho ou no modo em que sua vontade de controlar todas as
decisões da empresa sem qualquer sócio a colocaram em risco financeiro. Essa
obstinação, intensidade e senso de controle são muito bem construídos na
performance de Adam Driver, cujo corpo parece sempre estar em movimento e a
mente está sempre maquinando um jeito de resolver os problemas que se
apresentam. O roteiro é inteligente o bastante para não romantizar seu
biografado, mostrando Ferrari como um homem vaidoso, egocêntrico, controlador e
mulherengo, além de expor a contradição de seu discurso sobre se preocupar com
os pilotos enquanto lucra com os riscos que eles correm.
O filme também acerta ao evitar tornar Laura Ferrari uma
figura passiva que existe apenas para gravitar em torno do marido. Penélope
Cruz faz de Laura uma mulher em frangalhos por conta da perda do filho e que
agora vive como uma sombra de quem fora por não conseguir lidar com essa perda.
A animosidade que ela tem com Enzo parte tanto das traições que ela sabe que o
marido comete (embora a esse ponto a relação deles seja mais uma parceria de
negócios do que um casamento de fato) como também por culpar Enzo por não ter
conseguido salvar o filho deles, uma culpa que o próprio marido carrega também.
O arco de Laura é o de aceitar essa perda e entender que ela
ou Enzo não tinham controle sobre isso. O casal só chega a alguma medida de
conciliação justamente quando Enzo desiste de manter controle sobre a parte de
Laura na empresa e passa a vê-la mais como uma igual do que alguém a ser
conduzida por ele. De certa forma, os dois lidavam com questões de controle e
só consertam alguns aspectos de sua relação quando abrem mão dessas tentativas
de controle;
Shailene Woodley, por outro lado, é o elo fraco do filme.
Sua Lina existe mais como um ponto de conflito para Enzo e Laura do que como
uma personagem autônoma, falhando em nos fazer entender o que despertou o
interesse de Ferrari em Lina. Além disso, a composição de Woodley se perde em
um sotaque inconstante, no qual às vezes ela tenta um sotaque italiano e em
outros momentos ela parece falar sem sotaque algum, causando algum
estranhamento.
Ainda assim, Ferrari é
uma competente biografia que examina o que move seu protagonista e exibe os
riscos brutais do universo do automobilismo na década de 1950.
O título desse Reality
parece fazer um jogo duplo. Primeiramente ele parece se referir à sua
protagonista, a tradutora Reality Winner (Sydney Sweeney), alvo de uma operação
do FBI. Em uma segunda análise, pode também se referir à realidade de sua
história, baseada em eventos reais e o compromisso do filme em aderir ao
realismo da história que conta. Adaptando a própria peça de teatro Is This a Room? a diretora Tina Satter
constrói todo o filme em tempo real reproduzindo os diálogos a partir das
gravações que o FBI fez durante todo o interrogatório de Reality.
A trama é foca em Reality Winner, uma tradutora de persa que
trabalha para uma empresa que presta serviços à NSA. Um dia, chegando em casa,
ela encontra agentes do FBI esperando por ela. De início ela pensa se tratar de
alguma checagem de rotina considerando a natureza confidencial de seu trabalho
na NSA e necessidade de atualizar suas credenciais de segurança. Conforme os
dois agentes que lideram a operação começam a fazer perguntas, a tradutora se
dá conta de que o propósito do FBI em sua residência é bem mais severo.
Às vezes boas intenções não são o suficiente para sustentar
um produto artístico. Rustin, filme
produzido pela Netflix que visa resgatar um ícone esquecido do movimento negro
e da luta pelos direitos civis dos Estados Unidos. A narrativa conta a história
de Bayard Rustin (Colman Domingo) um dos responsáveis por organizar a marcha de
Martin Luther King (Aml Ameen) para Washington e que foi deixado de fora do
registro histórico por ser homossexual.
O filme traz um resgate histórico importante, dando devido
valor a uma figura fundamental para as mudanças nos direitos civis do país, o
problema é que a produção parece mais interessada nos pormenores da organização
da marcha do que propriamente falar sobre Rustin e sua trajetória. Muito do
filme se passa em longas reuniões discutindo logística, segurança ou
financiamento para os manifestantes, sobrando pouco tempo para entender o seu
biografado.
Baseado em uma história real, Nyad acompanha a nadadora Diana Nyad (Annette Benning) que aos 60
anos tentou atravessar a nado de Cuba para a Flórida, uma façanha nunca antes
feita. A trama é estruturada como uma típica história de superação, mostrando
como Nyad, ainda na juventude, tentou e fracassou no feito e se tornou obcecada
em conseguir a façanha desde então. As noções de nunca desistir, de persistir
em seus sonhos são as ideias centrais da narrativa que não parece muito interessada
em entender o porquê de Nyad desejar com tanto afinco realizar esse feito.
A narrativa se detém mais nos pormenores da façanha do que
aconteceu em cada tentativa e como ela planejou suas tentativas ao lado da
melhor amiga Bonnie (Jodie Foster) e uma equipe de apoio que cresce a cada novo
esforço de realizar seu empreendimento audaz, de navegadores a socorristas
passando por especialistas em predadores marinhos. A produção é eficiente em construir
a tensão e senso de risco de nadar em mar aberto, com animais marinhos e
mudanças de corrente posando riscos constantes e imprevisíveis. Nesse sentido,
a maquiagem acaba sendo um meio de ilustrar o desgaste físico de Nyad,
mostrando como ficar dezenas de horas no mar e sob o sol fazem com a pele de
uma pessoa.
O termo oscar bait
é normalmente usado para qualificar produções que parecem feitas sob medida
para a temporada de premiações. São filmes que seguem de perto aquilo que
normalmente encontramos em películas indicadas a prêmios, como tramas baseadas
em fatos reais, atores realizando transformações físicas e alguns outros
elementos. Maestro, biografia de
Leonard Bernstein dirigida e estrelada por Bradley Cooper, parece um filme
perfeitamente formatado para a temporada de prêmios, embora acabe não
entregando nada de interessante.
A narrativa segue Bernstein (Bradley Cooper) da juventude,
quando rege a Filarmônica de Nova Iorque pela primeira vez, até seus últimos. O
filme foca tanto no trabalho musical de Bernstein quanto na relação dele com o
a esposa, Felicia (Carey Mulligan). O problema é que a trama parece não ter
muito a dizer sobre o maestro além do fato dele ser genial e dele ser
bissexual, sem, no entanto, explorar esses dois elementos.
O Elvis(2022) de
Baz Luhrmann focava tanto na relação do rei do rock com o Coronel Parker que
Priscilla Presley, esposa do cantor, virava basicamente uma nota de rodapé na
história. Em Priscilla a diretora
Sofia Coppola decide contar a história dela e de como a relação com Elvis a
afetou.
A narrativa se baseia no livro autobiográfico de Priscilla
Presley, acompanhando Priscilla Beaulieu (Cailee Spaeny) desde sua
adolescência, quando conhece um Elvis (Jacob Elordi, de Euphoria e A Barraca do Beijo)
já adulto durante o período em que ele serviu no exército, até os anos finais
de seu casamento com ele. Sob o olhar de Coppola, a história de Priscilla é
narrada como a de alguém presa em uma gaiola de ouro. Por mais que ela tivesse
tudo que o dinheiro pudesse proporcionar, isso não a impedia de se sentir
solitária e infeliz, já que sua existência era reduzida a ser um bibelô nas
mãos de Elvis.
É um olhar sobre o vazio e o tédio de uma jovem
inadvertidamente jogada em um universo de riqueza para ser tratada como objeto
que remete a outros filmes de Sofia Coppola, como a personagem de Scarlett
Johansson em Encontros e Desencontros
(2003) ou Maria Antonieta (2006).
Priscilla é constantemente colocada sozinha no quadro, construindo seu senso de
isolamento e alienação, amplificando isso com o uso de planos abertos a partir
do momento em que ela vai para Graceland que ressaltam como aquela opulência pode
soar opressiva, vazia e solitária.
Tudo que eu sei sobre a cantora Luísa Sonza foi contra a
minha vontade. A garota é tão exposta na mídia que sei mais sobre a vida
pessoal dela do que a respeito de alguns parentes e olha que nunca procurei
ativamente nada sobre ela. Na verdade, ficaria bem contente em saber menos a
respeito. Curiosamente, apesar da exposição sei mais sobre as tretas de sua
vida pessoal do que sobre sua música, o que raramente é um bom sinal. O
documentário Se Eu Fosse Luísa Sonza
soa como um desdobramento inevitável para uma artista em ascensão, mas se
muitos usam esse tipo de produto como um veículo para expandir sua audiência, o
documentário da Netflix dividido em três episódios parece se dirigir aos fãs
mais ardorosos, já que a maneira como tudo é contado dificilmente vai convencer
ou aproximar qualquer outro espectador.
Trata-se de um documentário meramente laudatório, sem
qualquer nuance ou interesse de tentar entender a personalidade do objeto do
documentário. Tudo é posto para que Luísa seja vista como uma grande artista
(sem nada de muito convincente para justificar essa visão) ou como uma grande
coitada perseguida pela mídia (com um sensacionalismo exagerado que faz tudo
soar artificial) para atrair nossa comiseração. É um produto marcado pela
contradição de querer se expor intimamente e uma preocupação extrema em
controlar a narrativa e imagem que cerca a cantora.
Fortunas são construídas e perdidas rapidamente no mercado
financeiro. Investimentos na bolsa muitas vezes soam como um cassino e como
tal, tem seus vícios nos resultados. Dinheiro
Fácil é um filme que serve de lembrete de como os super ricos colocam o
dedo na balança do mercado e viciam os resultados a seu favor, não dando
nenhuma chance para que trabalhadores e assalariados consigam ganhar algo.
A trama se baseia na história real de Keith Gill (Paul
Dano), bancário e analista financeiro que percebeu em 2020 que o mercado estava
subvalorizando as ações da loja de games Gamestop. A franquia de lojas se
mantinha aberta durante a pandemia por vender dispositivos eletrônicos
considerados de primeira necessidade, mas grandes fundos de investimento
compravam ações da empresa a descoberto apostando em sua queda. A tese de Gill
era de que o mercado estava criando uma espécie de “profecia auto realizável”.
Ao apostar bilhões na desvalorização, eles instigariam o resto do mercado a
apostar junto, efetivamente fazendo outras pessoas investirem na queda das
ações, quebrando a empresa, desempregando milhares e fazendo esses bilionários
ainda mais ricos sem terem produzido efetivamente nada.