Focado na luta do movimento
seringueiro do Acre, o documentário Empate
explora o passado e o presente dessa luta e da figura de Chico Mendes como
principal mobilizadora desses trabalhadores em prol da proteção das matas. O
filme acompanha algumas das principais vozes do movimento, praticamente todos
atuaram ao lado de Mendes até ele ser assassinado, para compreender como eles
se organizaram e o que vem pela frente.
Passado de luta
O filme começa com imagens de
arquivo, mostrando entrevistas de Chico Mendes enquanto ele narra a situação
com fazendeiros no Acre e a necessidade de evitar o desmatamento. O
documentário intercala imagens de arquivo com entrevistas e imagens do presente
acompanhando lideranças do movimento. É um produto de natureza mais expositiva,
que visa informar o espectador sobre quem foi Chico Mendes, a pauta do
movimento, suas conquistas e os problemas atuais da causa.
O cinema de André Novais e dos
outros diretores da Filmes de Plástico é muito calcado na construção de um
senso de cotidianidade. Se o drama normalmente tenta se concentrar nos grandes
momentos de triunfo ou tragédia da vida comum, André e seus colegas entendem
que a vida se constrói principalmente nos interlúdios entre essas duas coisas,
que o grosso de nosso tempo se concentra nesse “eterno quase” de conseguirmos
ou não aquilo que desejamos e neste "eterno quase" em que residem muitos de nossos momentos especiais. O Dia Que Te
Conheci é um romance que se desenvolve justamente nesses momentos.
A ausência de um ente querido
promove mudanças no cotidiano de todo mundo afetado por esse vazio. A produção
cearense Quando Eu Me Encontrar se
propõe justamente a examinar as consequências dessa ausência e como as pessoas
reexaminam suas vidas diante dela.
Marcas da ausência
Na trama, a jovem Dayane vai
embora de casa sem dar satisfação nenhuma à família. Sua mãe, Marluce (Luciana
Souza) fica em choque com a partida repentina que a faz reexaminar sua relação
com a própria mãe. Antônio (David Santos), noivo de Dayane, tenta de algum modo
encontrar uma explicação para o sumiço da amada, se aproximando da melhor amiga
dela, Cecília (Di Ferreira). A irmã mais nova de Dayane, Mariana (Pipa),
enfrenta problemas na escola de classe média que ela frequenta como bolsista
depois que uma amiga é abusada durante uma festa e elas se tornam alvos de
comentários maldosos.
Um dos atores de carreira mais
longeva e marcante na dramaturgia brasileira, Grande Otelo, nome artístico de Sebastião
Bernardes de Souza Prata, demorou para ter o devido reconhecimento. Parte disso
se deve ao racismo da época em que ele atuou, parte por sua trajetória ser
muito marcada pela comédia, um gênero muitas vezes considerado “menos artístico”
ou “menos sofisticado”. O documentário Othelo:
O Grande reconta a trajetória do ator, suas dificuldades, seus triunfos e
seu ativismo político.
Memória audiovisual
A narrativa é toda contada através
de imagens de arquivo, usando produções das quais Otelo participou e também
várias entrevistas e discursos públicos que o ator deu ao longo de sua carreira.
A pesquisa de arquivo é a principal força do filme trazendo imagens raras e em
ótima qualidade de trabalhos antigos, como o Moleque Tião ou suas comédias para
a Atlântida, que quase sempre encontramos em qualidade ruim pela internet.
A pesquisa de arquivo também é
eficiente nas falas que traz do ator, com ele trazendo desde seus
posicionamentos, denunciando o racismo ao longo de sua trajetória, narrando experiências
com diretores renomados, como a impagável fala em que conta como foi trabalhar
com Werner Herzog em Fitzcarraldo (1982),
e também refletindo sobre a natureza da dramaturgia brasileira nos palcos, no
cinema e na televisão. Há uma fala interessante de Grande Otelo sobre o Cinema
Novo em que ele pondera que o fato do movimento nunca ter atingido as massas
como almejavam seus agitadores provavelmente se relacionava com a linguagem
experimental de seus filmes, mencionando como uma produção como Macunaíma (1969) teve penetração junto
ao público justamente por ter uma linguagem mais próxima das comédias populares
de sua época.
Otelo e o cinema brasileiro
Nesse sentido, conhecer a
história de Grande Otelo é também conhecer a história do teatro e do
audiovisual brasileiro, considerando a longevidade de sua trajetória e a
amplitude de diretores e movimentos com os quais colaborou. Vemos o histórico
de racismo na dramaturgia onde até mesmo alguém da competência de Grande Otelo
tinha dificuldade em conseguir trabalho porque papéis negros eram interpretados
por brancos em blackface, algo que
Joel Zito Araújo também mostrou no documentário A Negação do Brasil (2001).
Acompanhando a trajetória de
Grande Otelo vemos a ascensão das chanchadas (não confundir com pornochanchadas)
da Atlântida em filmes como Carnaval Atlântida (1952). Testemunhamos o surgimento de diretores como Nelson
Pereira dos Santos, com quem Grande Otelo trabalhou em Rio, Zona Norte (1957) e a eclosão de vanguardas como o Cinema
Novo. Vemos o surgimento e a consolidação da televisão como meio de comunicação
de massa e sua difusão pelo país no trabalho de Grande Otelo em programas como A Escolinha do Professor Raimundo. Como
o filme nos mostra, conhecer Grande Otelo é conhecer o desenvolvimento do
audiovisual brasileiro.
Por outro lado, o documentário se
prende demais às convenções de um filme de arquivo, soando demasiadamente
expositivo e convencional para uma figura que não pode ser facilmente colocada
em caixinhas. Grande Otelo é uma figura complexa, multifacetada e bastante
singular. O filme transmite isso nas falas e depoimentos, mas fica a impressão de
que a forma, não apenas o conteúdo, poderia também ser usada para construir a
complexidade do biografado.
Mesmo nunca saindo das convenções
de um documentário de arquivo, Othelo: O
Grande envolve pela trajetória longeva do ator e como ela se mescla com o
desenvolvimento do cinema brasileiro.
O primeiro Estômago (2007) divertia por sua mistura narrativa inusitada entre
gastronomia, comédia e trama criminal. Era uma história bem executada, que
amarrava com habilidade seus arcos narrativos e nunca senti que havia
necessidade ou espaço para uma continuação. Talvez por isso vi com
estranhamento o anúncio deste Estômago 2:
O Poderoso Chef, que nos coloca novamente ao lado do cotidiano do
protagonista como um detento e cozinheiro.
O chef agora é outro
Nonato (João Miguel) continua
preso e continua cozinhando, agora não apenas para o líder de facção Etcetera
(Paulo Miklos), mas para os guardas e o diretor do presídio, usando seu talento
para obter mordomias. A dinâmica da prisão muda quando o misterioso italiano
Dom Caroglio (Nicola Siri), chega para cumprir pena. As tensões aumentam e
Nonato tenta acalmar os ânimos ao mesmo tempo em que voltamos ao passado para
descobrir como o italiano passou de um ator fracassado chamado Roberto ao Dom
de uma família criminosa.
Motéis são um espaço de discrição
e também de livre exercício de nossos desejos. Um lugar em somos encorajados a
fazer o que queremos porque ninguém nos vê. Não é acidente, portanto, que a
locação central de Motel Destino, um filme
cuja história gira em torno de desejo e da necessidade de se esconder, seja um
motel.
Neon Noir
A trama é protagonizada por
Heraldo (Iago Xavier). Ele e o irmão trabalham para a chefe de uma facção local
e são incumbidos de eliminar um rival dela. Um dia antes do assassinato,
Heraldo se envolve com uma mulher que conheceu em um show e vai com ela para um
motel, ele acorda no dia seguinte atrasado para o assassinato e quando chega no
local combinado descobre que o irmão tentou o ataque sozinho e foi morto.
Temendo a vingança da chefe e dos companheiros, Heraldo volta ao motel para se
esconder e convence o casal de donos, Dayana (Nataly Rocha) e Elias (Fábio
Assunção) a deixá-lo ficar lá em troca de emprego. Aos poucos, tanto Elias
quanto Dayana demonstram interesse nele, com Heraldo eventualmente se
envolvendo com Dayana.
Desde que comecei a Lixo Extraordinário, essa coluna
dedicada a filmes lendários por sua ruindade, nos idos de 2017 sempre ouço a mesma pergunta: “e
quando você vai falar sobre Cinderela
Baiana?”. Talvez o mais lendário filme ruim do cinema brasileiro Cinderela Baiana foi lançado em 1998 e
trazia Carla Perez interpretando uma versão ficcionalizada de si mesma e de sua
trajetória de garota pobre de Salvador a estrela da dança. O filme foi um imenso
fracasso no lançamento e só começou a ser visto pelas pessoas quando caiu na
internet nos primeiros anos do Youtube (reza a lenda que Carla Perez teria adquirido e destruído boa parte dos VHS do filme) se tornando uma espécie de clássico cult
da ruindade.
Ele foi, provavelmente, o filme
que iniciou o meu masoquismo audiovisual e sem ele provavelmente nunca teria
pensado em criar essa coluna. Talvez por conta disso eu tenha esperado para
falar sobre ele em uma ocasião especial. Essa ocasião acabou sendo minha participação
no Festival Cinderela Baiana de Cinema que ocorreu de 16 a 18 de agosto aqui em
Salvador. Fui convidado pela organização do festival a falar sobre o filme,
então tive que revê-lo e aproveitei para fazer por escrito minhas
considerações. O que vem a seguir é menos uma análise pormenorizada do filme e
mais uma tentativa de explicar como ele ganhou seu status lendário de ruindade e porque ele continua sendo discutido
mesmo sendo tão ruim.
O Brasil é um país profundamente
desigual e Mais Pesado é o Céu conta
a história de duas pessoas tentando sobreviver em meio à miséria nas áreas mais
remotas do país. Não é uma narrativa de superação como outras histórias sobre a
pobreza. É, sim, uma narrativa que pondera sobre as consequências de ter que
estar sempre “se virando” para sobreviver e os impactos físicos ou psicológicos
de se submeter a violências ou humilhações para conseguir o mínimo para se
sustentar.
Antônio (Matheus Nachtergaele)
está cruzando o Ceará rumo ao norte do país para encontrar um amigo que
aparentemente tem um negócio de caranguejo. No caminho ele decide parar em sua
antiga cidade que agora foi alagada por açude. Lá ele encontra Teresa (Ana
Luiza Rios), que também foi ver as ruínas da antiga cidade e encontra um bebê
abandonado no local. Agora os dois resolvem ficar juntos para ajudar a prover
para o bebê.
Baseado no livro de mesmo nome de Daniela Arbex, o
documentário Holocausto Brasileiro
foi lançado em 2016 e narra a chocante história real do hospital psiquiátrico
Colônia, localizado em Barbacena, interior de Minas Gerais. Em seus oitenta
anos de funcionamento o hospital abrigou milhares de pacientes, alguns que
sequer tinham problemas psiquiátricos, mas as condições desumanas do local
causaram a morte de mais de sessenta mil pessoas.
Estruturado ao redor de entrevistas e imagens de arquivo, o
documentário conta a história do hospital desde sua origem no início do século
XX, quando foi criado como um centro terapêutico para a elite carioca, e depois
quando se tornou um hospital psiquiátrico pertencente ao estado de Minas
Gerais. A partir daí vemos como o local se tornou um espaço de exclusão e
tormento no qual as autoridades não apenas aprisionavam pessoas com transtornos
mentais severos, mas também qualquer um que não tivesse para onde ir, como
crianças órfãs e pessoas em situação de rua. Todos os que estavam no hospital,
independente do diagnóstico, eram tratados como pacientes psiquiátricos,
recebendo uma medicação pesada e até tratamentos mais agressivos, como
eletrochoques.
Inspirado no livro-reportagem Holocausto Brasileiro, de Daniela Arbex (que baseou o documentário de 2016 de mesmo nome), este Ninguém Sai
Vivo Daqui narra a história do hospital psiquiátrico Colônia, localizado no
interior de Minas Gerais, como uma história de terror. Com mais de 60 mil
internos mortos ao longo de décadas, muitos dos quais sequer sofriam de
transtornos mentais, o caso se tornou um símbolo da luta antimanicomial no
Brasil.
A narrativa se passa nos anos 70 e é focada em Elisa
(Fernanda Marques), enviada à força para Colônia pela família depois de
engravidar de um namorado e recusar o casamento arranjado com outro homem feito
por seu pai. Inicialmente sem saber o motivo de estar lá, ela logo descobre que
outros internos e internas do lugar tem histórias como a dela, pessoas sem
histórico de doença mental que foram colocados lá por não aderirem a certas
normas sociais ou por não terem nada nem ninguém para onde ir. Ao vivenciar um
cotidiano de maus tratos e torturas, ela tenta encontrar um meio de fugir.
Dirigido por Nelson Pereira dos Santos, responsável por
obras seminais do cinema brasileiro como Vidas
Secas (1963), Rio, Zona Norte foi
lançado em 1957. É uma narrativa sobre a vida na periferia do Rio de Janeiro,
do samba que dela emerge e como esse samba é apropriado pela elite carioca,
deixando à míngua os músicos do morro.
O protagonista é Espírito da Luz (Grande Otelo), um sambista
da periferia carioca que cai de um trem lotado saindo da Central do Brasil e
machuca a cabeça. Enquanto ele agoniza, voltamos aos seus últimos meses, quando
ele lutava para gravar seus sambas, mas tem suas músicas roubadas pelo parceiro
Maurício (Jece Valadão). Ele também enfrenta problemas com o filho Lourival
(Haroldo de Oliveira), que se envolve com uma gangue de criminosos.
As primeiras imagens de O
Estranho se situam séculos atrás, mostrando a região de Guarulhos numa
época anterior à ocupação urbana de hoje. As imagens como a natureza foi
severamente modificada e como uma população indígena que existia ali
provavelmente foi removida ou não existe mais. Essa tentativa de trazer o
passado para o presente e pensar no que foi feito com os espaços e populações
nativas é o cerne do filme.
A trama gira em torno de Alê (Larissa Siqueira), uma mulher
que trabalha no aeroporto de Guarulhos e lida com uma dupla ausência. De um
lado trabalhar naquele local a faz pensar na história passada de sua família
indígena que foi removida da região e de outro da filha, que desapareceu
décadas atrás. Outra ausência iminente é a da namorada, Silvia (Patricia
Saravy), que está para se mudar para um local mais longe, também se afastando
de suas origens e do terreiro do qual faz parte.
Quando escrevi sobre Grandes Hits mencionei como é curioso que pessoas diferentes, em lugares
diferentes, tenham ideias similares para um mesmo filme. Nesse caso é a
premissa que ouvir certas músicas estaria tão conectado aos nossos sentimentos
e memória que nos faria viajar no tempo. A produção brasileira Evidências do Amor parte da mesma ideia,
embora trace com ela caminhos diferentes do hollywoodiano Grandes Hits, que foi lançado quase no mesmo tempo.
A trama gira em torno de Marco (Fábio Porchat), que não
supera o fim do noivado com Laura (Sandy Leah). Agora toda vez que ouve a
canção Evidências, de Chitãozinho
& Xororó, música que cantou junto com Laura em um karaokê quanto se
conheceram, ele é transportado ao passado e revive memórias do relacionamento.
Reviver essas memórias o faz perceber que a decisão dela em terminar talvez não
tivesse sido tão súbita quanto pensava e que ele tem responsabilidade no fim da
relação. Assim, Marco tenta embarcar nessas memórias para pensar em uma maneira
de retomar o relacionamento.
Novo filme de Daniel Ribeiro, responsável por Hoje Eu Quero Voltar Sozinho (2014), é
uma comédia romântica sobre término e sobre se reencontrar depois de um
relacionamento longo. A trama gira em torno de João (Artur Volpi), um jovem
cineasta que terminou a relação de dez anos que tinha com Hugo (Sidney
Santiago). Ele tenta reconstruir a vida e conhece Vitor (Michel Joelsas), se
apaixonando por ele, mas também não quer embarcar diretamente em um novo
relacionamento e tenta experimentar outros caminhos.
A narrativa tem uma estrutura que remete a comédias
românticas hollywoodianas, com o protagonista passando por vários encontros,
conhecendo diferentes tipos de pretendentes e conversando a respeito disso com
uma dupla de amigos. É uma estrutura que o filme executa razoavelmente bem,
ainda que repita certos clichês que soam bem manjados hoje. O principal é o dos
amigos que parecem existir para gravitar em torno dele, já que os dois não tem
qualquer arco narrativo e servem basicamente como orelha para João falar sobre
os próprios sentimentos, além de ocasional alívio cômico.
Um final bem construído pode fazer toda a diferença. Pode
até salvar uma produção que não é grande coisa. De maneira análoga, um final
ruim, mal desenvolvido, pode afundar um filme que até então estava bom. Isso é
infelizmente o que acontece em Uma
Família Feliz suspense bem conduzido pelo diretor José Eduardo Belmonte
(responsável por filmes como Carcereiros,
Alemão e Billi Pig) que naufraga por um péssimo clímax que abandona tudo que
fora desenvolvido até então.
A trama é protagonizada por Eva (Grazi Massafera), prestes a
ter seu primeiro filho com o marido, Vicente (Reynaldo Gianecchini), que tem
duas filhas de um casamento anterior. Cuidando do recém nascido e também das
duas enteadas, Eva começa a se sentir sozinha em casa e o cansaço de fazer tudo
sozinha começa a afetá-la. Ao mesmo tempo seu bebê e as duas enteadas começam a
exibir machucados desconhecidos, que Eva não sabe como explicar e Vicente
começa a desconfiar dela.
Quando falamos em música em Salvador normalmente pensamos em
axé music, mas o cenário musical da cidade é muito mais diverso que isso e o
documentário Not Dead visa falar de
uma das formas musicais que teve (e tem) uma presença na cidade que é o punk
rock. Como alguém que viveu praticamente a vida toda em Salvador, achei
interessante conhecer um aspecto da vida cultural da cidade que é pouco falado
e pouco visto nas representações midiáticas.
O filme segue um grupo de pessoas influentes no surgimento
da cena punk em Salvador nos anos 80, contando sobre a criação da loja Not
Dead, que vendia roupas e mercadorias com estética punk e servia como um espaço
para congregar a cultura punk em Salvador. A partir disso ele nos mostra como
está a cena punk hoje, as bandas que surgiram naquela época que ainda estão
ativas e como a ideologia punk transformou a vida dos envolvidos mesmo aqueles
que não seguem diretamente engajados na cena punk soteropolitana hoje.
Depois de Chuva é
Cantoria na Aldeia dos Mortos (2018) os diretores João Salaviza e Renée
Nader Messora voltam a falar sobre a população indígena Krahô no interior do
Tocantins. Em A Flor do Buriti os
realizadores focam em narrar a história de luta pela terra dessa população e
como eles resistiram a múltiplos massacres.
A narrativa vai da década de 1940 aos dias atuais, mas sem
seguir uma cronologia, acompanhando a população da Aldeia Pedra Branca no
presente e se deslocando no tempo conforme eles contam as histórias do passado
ou seus espíritos entram em contato com ancestrais no passado, misturando cenas
encenadas e personagens reais para narrar como a opressão aos indígenas sempre
foi uma constante em suas vidas.
Se filmes como Martírio
(2016) mostram anos de descaso ou políticas questionáveis da parte do Estado
brasileiro, aqui essas décadas de descaso e perseguição são apresentadas do
ponto de vista dos próprios indígenas, narrado, inclusive em sua própria
língua. O fato dos Krahô falarem seu em sua língua é uma escolha estética e
política, permite que eles se coloquem em seus próprios termos, com seu
vernáculo e com toda a construção subjetiva e visão de mundo imbricada na
própria língua.
Protagonizado por Thalles Cabral (o Nem de As Five) Ecos do Silêncio é um filme sobre errância, sobre se perder, se
encontrar e tentar dar algum sentido ao caos da nossa existência. Infelizmente
a produção nem sempre alcança as pretensões temáticas que se propõe a discutir.
A narrativa é centrada em Davi (Thalles Cabral), que viaja
para a Argentina para estudar musicoterapia na esperança de poder ajudar o
irmão que tem autismo severo. De lá ele parte para a Índia em uma jornada espiritual
e acaba confrontando sua relação com a família e os traumas que o moveram até
então.
O filme se move entre o presente de Davi, memórias de seu
passado e ocasionais flashfowards de
sua jornada na Índia. A impressão é que o filme tenta nos mergulhar no fluxo de
consciência do personagem, mostrando como o passado materializa seu presente e
informa o seu futuro, bem como nos faz sentir a conexão metafísica que o
protagonista diz sentir em relação ao irmão.
Apesar do golpe militar de 1964 ter acontecido há sessenta
anos e o Brasil ter se redemocratizado em 1988, ainda existem muitos fatos e
eventos do período da ditadura que não são conhecidos pelo grande público.
Embora certamente deva ser algo conhecido em São Paulo, os eventos narrados em A Batalha da Rua Maria Antônia não são o
tipo de coisa que vemos nos livros de história (pelo menos não na minha época
de colégio), mas são importantes para compreender como funcionava a violenta
repressão do governo do período.
A narrativa se passa ao longo de um dia em outubro de 1968
durante a ocupação da Faculdade de Filosofia da USP pelo movimento estudantil e
os confrontos dos estudantes com alunos da Mackenzie e de instituições
repressoras. O filme se divide em 21 cenas, todas construídas como
planos-sequência, para narrar o aumento das tensões e eventual invasão do
prédio da USP pela polícia. No centro disso tudo está Lilian (Pâmela Germano),
uma estudante de filosofia que não está envolvida diretamente com o movimento
estudantil, mas decide ficar na ocupação para ajudar a amiga Ângela (Isamara
Castilho) na esperança de conversar com ela e entender porque Ângela tem se
afastado apesar das duas serem amigas de infância.
Dirigido por Guto Parente, Estranho Caminho parece ser sobre a experiência da pandemia de
Covid-19. Inicialmente temi que, como muitos filmes brasileiros recentes, a
urgência de tratar uma crise contemporânea deixasse a produção tão presa a esse
contexto que não comunicasse nada fora dele. Felizmente não é o caso e Estranho Caminho, na verdade, acaba
sendo mais sobre nossa relação com a morte, usando a pandemia apenas como um
pano de fundo sobre esses temas.
A trama é focada em David (Lucas Limeira), um jovem cineasta
brasileiro radicado em Portugal que volta para sua cidade natal para apresentar
seu longa em um festival de cinema. Quando a pandemia estoura e o lockdown é decretado no Brasil ele fica
sem ter como voltar para Portugal e sem hospedagem na cidade. Sem opção, ele
tenta entrar em contato com o pai, Geraldo (Carlos Francisco, do excelente Marte Um), com quem não fala há anos.