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quinta-feira, 14 de novembro de 2024

Crítica – A Extraordinária Vida de Ibelin

 

Análise Crítica – A Extraordinária Vida de Ibelin

Review – A Extraordinária Vida de Ibelin
É curioso como só conhecemos certas facetas de entes queridos depois que eles falecem. O documentário A Extraordinária Vida de Ibelin explora esse sentimento ao contar a história de Mats Steen, um jovem norueguês que morreu aos vinte e poucos anos por conta de uma doença muscular degenerativa. Seus pais achavam que a vida dele tinha sido só sofrimento por conta de seus problemas de saúde e de estar preso em uma cadeira de rodas, conseguindo mexer apenas os dedos, mas depois de seu falecimento descobriram que ele tinha uma enorme rede de amigos, paixões e apoiadores dentro do jogo World of Warcraft e perceberam que a vida do filho não tinha sido tão solitária quanto pensavam ser.

terça-feira, 3 de setembro de 2024

Crítica – Othelo: O Grande

 

Análise Crítica – Othelo: O Grande

Review – Othelo: O Grande
Um dos atores de carreira mais longeva e marcante na dramaturgia brasileira, Grande Otelo, nome artístico de Sebastião Bernardes de Souza Prata, demorou para ter o devido reconhecimento. Parte disso se deve ao racismo da época em que ele atuou, parte por sua trajetória ser muito marcada pela comédia, um gênero muitas vezes considerado “menos artístico” ou “menos sofisticado”. O documentário Othelo: O Grande reconta a trajetória do ator, suas dificuldades, seus triunfos e seu ativismo político.

Memória audiovisual

A narrativa é toda contada através de imagens de arquivo, usando produções das quais Otelo participou e também várias entrevistas e discursos públicos que o ator deu ao longo de sua carreira. A pesquisa de arquivo é a principal força do filme trazendo imagens raras e em ótima qualidade de trabalhos antigos, como o Moleque Tião ou suas comédias para a Atlântida, que quase sempre encontramos em qualidade ruim pela internet.

A pesquisa de arquivo também é eficiente nas falas que traz do ator, com ele trazendo desde seus posicionamentos, denunciando o racismo ao longo de sua trajetória, narrando experiências com diretores renomados, como a impagável fala em que conta como foi trabalhar com Werner Herzog em Fitzcarraldo (1982), e também refletindo sobre a natureza da dramaturgia brasileira nos palcos, no cinema e na televisão. Há uma fala interessante de Grande Otelo sobre o Cinema Novo em que ele pondera que o fato do movimento nunca ter atingido as massas como almejavam seus agitadores provavelmente se relacionava com a linguagem experimental de seus filmes, mencionando como uma produção como Macunaíma (1969) teve penetração junto ao público justamente por ter uma linguagem mais próxima das comédias populares de sua época.

Otelo e o cinema brasileiro

Nesse sentido, conhecer a história de Grande Otelo é também conhecer a história do teatro e do audiovisual brasileiro, considerando a longevidade de sua trajetória e a amplitude de diretores e movimentos com os quais colaborou. Vemos o histórico de racismo na dramaturgia onde até mesmo alguém da competência de Grande Otelo tinha dificuldade em conseguir trabalho porque papéis negros eram interpretados por brancos em blackface, algo que Joel Zito Araújo também mostrou no documentário A Negação do Brasil (2001). 

Acompanhando a trajetória de Grande Otelo vemos a ascensão das chanchadas (não confundir com pornochanchadas) da Atlântida em filmes como Carnaval Atlântida (1952). Testemunhamos o surgimento de diretores como Nelson Pereira dos Santos, com quem Grande Otelo trabalhou em Rio, Zona Norte (1957) e a eclosão de vanguardas como o Cinema Novo. Vemos o surgimento e a consolidação da televisão como meio de comunicação de massa e sua difusão pelo país no trabalho de Grande Otelo em programas como A Escolinha do Professor Raimundo. Como o filme nos mostra, conhecer Grande Otelo é conhecer o desenvolvimento do audiovisual brasileiro. 

Por outro lado, o documentário se prende demais às convenções de um filme de arquivo, soando demasiadamente expositivo e convencional para uma figura que não pode ser facilmente colocada em caixinhas. Grande Otelo é uma figura complexa, multifacetada e bastante singular. O filme transmite isso nas falas e depoimentos, mas fica a impressão de que a forma, não apenas o conteúdo, poderia também ser usada para construir a complexidade do biografado. 

Mesmo nunca saindo das convenções de um documentário de arquivo, Othelo: O Grande envolve pela trajetória longeva do ator e como ela se mescla com o desenvolvimento do cinema brasileiro.

 

Nota: 6/10


Trailer

quarta-feira, 31 de julho de 2024

Crítica – Skywalkers: Uma História de Amor

 

Análise Crítica – Skywalkers: Uma História de Amor

Review – Skywalkers: Uma História de Amor
Exploradores urbanos que invadem arranha-céus e os escalam para chamar atenção existem há muito tempo, mas a internet, redes sociais e a lógica de influencers digitais potencializaram essas atividades ao tornar mais fácil ganhar visibilidade através delas. O documentário Skywalkers: Uma História de Amor conta a história de dois desses exploradores urbanos que viram nas escaladas não apenas um meio de criarem arte, como se tornou um meio de se encontrarem e se apaixonarem um pelo outro.

A narrativa segue os escaladores Angela Nikolau e Ivan Beerkus, contando a história de como começaram a fazer esse tipo de atividade e acompanhando seu maior empreendimento até então: serem os primeiros a escalar um arranha-céu em Kuala Lumpur, Malásia, que seria o maior da região. O início foca principalmente em Angela e como ter crescido no circo com pais acrobatas a ensinou desde cedo a lidar com grandes alturas e como ela se sente confortável nesses espaços, vendo-os como um lugar de performance e não apenas como façanhas a serem alcançadas.

terça-feira, 9 de julho de 2024

Rapsódias Revisitadas – Holocausto Brasileiro

 

Crítica – Holocausto Brasileiro

Review – Holocausto Brasileiro
Baseado no livro de mesmo nome de Daniela Arbex, o documentário Holocausto Brasileiro foi lançado em 2016 e narra a chocante história real do hospital psiquiátrico Colônia, localizado em Barbacena, interior de Minas Gerais. Em seus oitenta anos de funcionamento o hospital abrigou milhares de pacientes, alguns que sequer tinham problemas psiquiátricos, mas as condições desumanas do local causaram a morte de mais de sessenta mil pessoas.

Estruturado ao redor de entrevistas e imagens de arquivo, o documentário conta a história do hospital desde sua origem no início do século XX, quando foi criado como um centro terapêutico para a elite carioca, e depois quando se tornou um hospital psiquiátrico pertencente ao estado de Minas Gerais. A partir daí vemos como o local se tornou um espaço de exclusão e tormento no qual as autoridades não apenas aprisionavam pessoas com transtornos mentais severos, mas também qualquer um que não tivesse para onde ir, como crianças órfãs e pessoas em situação de rua. Todos os que estavam no hospital, independente do diagnóstico, eram tratados como pacientes psiquiátricos, recebendo uma medicação pesada e até tratamentos mais agressivos, como eletrochoques.

terça-feira, 11 de junho de 2024

Crítica – Moviepass: A Última Sessão

 

Análise Crítica – Moviepass: A Última Sessão

Review – Moviepass: A Última Sessão
Eu me lembro de acompanhar a ascensão e queda do Moviepass enquanto acontecia. Um serviço de assinatura que lhe permitia assistir quantos filmes quisesse nos cinemas parecia um sonho, mas desde a primeira vez que soube do serviço ficou claro para mim que pagar dez dólares por mês para poder assistir quantos filmes quisesse no cinema não era um modelo de negócios sustentável para a empresa. Não à toa que em menos de um ano ela pediu falência depois de tentar reestruturar o funcionamento do serviço sem, no entanto, aumentar o preço. O que eu descobri ao assistir ao documentário da HBO Moviepass: A Última Sessão é que a queda da empresa tem outras questões para além de um modelo de negócio obviamente falho, com gestores picaretas e racismo corporativo.

 Estruturalmente é um típico documentário que se desenvolve ao redor de entrevistas e imagens de arquivo, sem muita ambição de arriscar qualquer coisa diferente com o formato. Ainda assim, consegue manter o espectador envolvido pelo modo como enquadra a narrativa. Seria fácil tratar a história como simplesmente mais um negócio fracassado num período em que salas de cinema tentam se adequar à competição com streaming e internet, porém, o roteiro encontra caminhos interessantes para guiar a discussão, falando de preconceito e da dimensão performática do empreendedorismo startupeiro que é tão presente na economia atual. 

sexta-feira, 19 de abril de 2024

Crítica – O Que Jennifer Fez?

 

Análise Crítica – O Que Jennifer Fez?

Review – O Que Jennifer Fez?
O documentário “true crime” virou um filão constantemente explorado por serviços de streaming. Se alguns ajudam a compreender como a sociedade lida com certos eventos extremos e as falhas nas leis ou nos órgãos que deveriam cuidar da população, a exemplo de O Mistério de Maya (2023), outros, como este O Que Jennifer Fez? parecem não ter nada a oferecer que não uma exploração sensacionalista do crime.

O documentário narra a invasão à casa de uma família de imigrantes vietnamitas em Ontário, Canadá. Os invasores matam a mãe e o pai é baleado e severamente ferido, ficando em coma. A filha Jennifer é a única sobrevivente do massacre, mas parece não ter muitas informações úteis para a polícia. De início as autoridades desconfiam que os pais dela poderiam estar envolvidos em algo ilegal, já que é um tipo de crime incomum na região, mas conforme a investigação avança as suspeitas passam a pairar sobre Jennifer.

quarta-feira, 17 de abril de 2024

Crítica – O Túnel de Pombos

 

Análise Crítica – O Túnel de Pombos

Review – O Túnel de Pombos
Dirigido por Erroll Morris (responsável pelo seminal A Tênue Linha da Morte), o documentário O Túnel de Pombos é uma longa conversa com o elusivo escritor de romances de espionagem John Le Carré, pseudônimo de David Cornwell. Carré sempre foi uma figura reservada, não falando muito sobre sua vida pessoal, seu trabalho na inteligência britânica ou suas inspirações para seus romances, mas nesta conversa com Morris, filmada um ano antes de sua morte, ele se abre sobre vários desses aspectos.

O filme todo é estruturado ao redor das várias conversas que Morris filmou com Carré, sem outras fontes ou outros entrevistados além do próprio escritor. Interessa mais a Morris ouvir Carré e inquiri-lo a respeito de sua perspectiva pessoal acerca de sua trajetória ou das inspirações de sua obra do que ter outros falando, inclusive porque é tão raro que o autor aceite se abrir.

sexta-feira, 22 de março de 2024

Crítica – Not Dead

 

Resenha Crítica – Not Dead

Review – Not Dead
Quando falamos em música em Salvador normalmente pensamos em axé music, mas o cenário musical da cidade é muito mais diverso que isso e o documentário Not Dead visa falar de uma das formas musicais que teve (e tem) uma presença na cidade que é o punk rock. Como alguém que viveu praticamente a vida toda em Salvador, achei interessante conhecer um aspecto da vida cultural da cidade que é pouco falado e pouco visto nas representações midiáticas.

O filme segue um grupo de pessoas influentes no surgimento da cena punk em Salvador nos anos 80, contando sobre a criação da loja Not Dead, que vendia roupas e mercadorias com estética punk e servia como um espaço para congregar a cultura punk em Salvador. A partir disso ele nos mostra como está a cena punk hoje, as bandas que surgiram naquela época que ainda estão ativas e como a ideologia punk transformou a vida dos envolvidos mesmo aqueles que não seguem diretamente engajados na cena punk soteropolitana hoje.

quinta-feira, 21 de março de 2024

Crítica – A Flor do Buriti

 

Análise Crítica – A Flor do Buriti

Review – A Flor do Buriti
Depois de Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos (2018) os diretores João Salaviza e Renée Nader Messora voltam a falar sobre a população indígena Krahô no interior do Tocantins. Em A Flor do Buriti os realizadores focam em narrar a história de luta pela terra dessa população e como eles resistiram a múltiplos massacres.

A narrativa vai da década de 1940 aos dias atuais, mas sem seguir uma cronologia, acompanhando a população da Aldeia Pedra Branca no presente e se deslocando no tempo conforme eles contam as histórias do passado ou seus espíritos entram em contato com ancestrais no passado, misturando cenas encenadas e personagens reais para narrar como a opressão aos indígenas sempre foi uma constante em suas vidas.

Se filmes como Martírio (2016) mostram anos de descaso ou políticas questionáveis da parte do Estado brasileiro, aqui essas décadas de descaso e perseguição são apresentadas do ponto de vista dos próprios indígenas, narrado, inclusive em sua própria língua. O fato dos Krahô falarem seu em sua língua é uma escolha estética e política, permite que eles se coloquem em seus próprios termos, com seu vernáculo e com toda a construção subjetiva e visão de mundo imbricada na própria língua.

sábado, 16 de março de 2024

Crítica – Eros

 

Análise Crítica – Eros

Review – Eros
Apesar de termos mais abertura para falar sobre isso, as discussões sobre sexo ainda encontram tabus nos meio social. O documentário Eros visa abrir uma conversa sobre isso, especificamente sobre o universo de motéis e o que atrai as pessoas para ir a um motel fazer sexo.

A produção retrata diferentes casais que frequentam motéis com filmagens feitas pelos próprios personagens. São imagens que retratam a experiências dessas pessoas nos motéis, conversas sobre relacionamentos, sexo ou o motivo de irem a locais como aquele com frequência e ocasionalmente até as próprias experiências sexuais dos personagens. Com casais de diferentes idades, sexualidades e fetiches, o filme tenta construir um panorama amplo da experiência das pessoas em motéis ao mesmo tempo em que busca pontos comuns.

Nesse sentido, as experiências retratadas nos fazem ver o motel como um lugar de realizar fantasias ou ter experiências que, em geral, não podemos ter em casa já que a maioria das pessoas não pode construir uma gruta artificial dentro de casa ou deixar o quarto todo equipado com artefatos de sadomasoquismo, um casal praticante de BDSM chega a comentar como seria pouco prático colocar em algum cômodo de casa os equipamentos que encontram no motel.

sexta-feira, 8 de março de 2024

Rapsódias Revisitadas – A Entrevista

 

Análise – A Entrevista

Resenha - A Entrevista
Lançado em 1966 e dirigido por Helena Solberg, o curta documental A Entrevista se estrutura ao redor de várias conversas de mulheres de classe média alta, com idades variando entre 19 e 27 anos. Essas mulheres falam de dilemas caros à época, como o papel da mulher na sociedade, entre o que se espera delas e o pensamento ainda em construção sobre sexo, casamento, virgindade, formação profissional, emancipação e outros temas do cotidiano feminino da época.

As vozes dessas mulheres estão fora de quadro, já que elas não quiseram mostrar seus rostos ou nomes no filme. Uma decisão compreensível considerando que em 1966 mulheres falando de sexo ou o desejo de uma carreira eram temas relativamente tabu e serem vistas conversando sobre isso poderia afetar a reputação das entrevistadas. Enquanto ouvimos essas entrevistas, o filme nos mostra fotografias de diferentes mulheres e imagens de uma mulher se preparando para seu casamento. A noiva é a cunhada da diretora, Glória Solberg, e é a única entrevista com som sincrônico, em que vemos a pessoa que está falando.

quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

Crítica – A Memória Infinita

 

Análise Crítica – A Memória Infinita

Review – A Memória Infinita
A memória do passado orienta nosso presente e informa nossas decisões do futuro. Sem memória seria difícil até estabelecermos nossa personalidade. A importância da memória na identidade pessoal e nacional é o cerne do documentário chileno A Memória Infinita, que indiretamente também pondera sobre o papel do audiovisual na preservação da memória.

O filme é centrado no casal Augusto e Paulina. Eles são casados há 25 anos e há oito Augusto descobriu que está com Alzheimer. Ambos se preocupam com a degeneração mental de Augusto e com a eventualidade de que ele não reconheça mais a esposa ou a si mesmo. O documentário acompanha o cotidiano do casal e das crises causadas pela doença de Augusto e imagens de arquivo que mostram a vida pregressa tanto de Augusto quanto de Paulina.

É tocante ver o cuidado que Paulina tem com o marido e a paciência com a qual conversa com ele nos momentos em que ele está mais confuso e o faz lembrar de quem é e da relação entre eles. É igualmente tocante como Augusto volta a se apaixonar por Paulina mesmo quando não a reconhece, revelando como o amor entre dois sobrevive até mesmo ao esquecimento.

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

Crítica – Amanhã

 

Análise Crítica – Amanhã

Review – Amanhã
O que muda em um país ao longo de vinte e como os problemas sociais se transformam ao longo do tempo? Parece ser a partir dessa pergunta que o documentário Amanhã estrutura sua narrativa. Ele começa em 2002 filmando três crianças e as trocas entre elas. Em Belo Horizonte a Barragem Santa Lúcia divide a cidade em duas realidades distintas: de um lado a favela e de outro um bairro de classe média. Os habitantes de um lado não cruzam para o outro, construindo uma espécie de fronteira implícita que revela a separação de classes no Brasil.

Em 2002 o diretor Marcos Pimentel filma três crianças. Julia e Christian moram no lado pobre da barragem, enquanto Zé Thomaz vive no lado de classe média. Essas crianças passam alguns dias na casa do outro para experimentar as realidades diferentes. Vinte anos depois o filme retoma o contato com esses personagens e usa a vida deles como uma metonímia para as mudanças no Brasil ao longo dessas duas décadas.

segunda-feira, 18 de dezembro de 2023

Crítica – Se Eu Fosse Luísa Sonza

 


Review – Se Eu Fosse Luísa Sonza
Tudo que eu sei sobre a cantora Luísa Sonza foi contra a minha vontade. A garota é tão exposta na mídia que sei mais sobre a vida pessoal dela do que a respeito de alguns parentes e olha que nunca procurei ativamente nada sobre ela. Na verdade, ficaria bem contente em saber menos a respeito. Curiosamente, apesar da exposição sei mais sobre as tretas de sua vida pessoal do que sobre sua música, o que raramente é um bom sinal. O documentário Se Eu Fosse Luísa Sonza soa como um desdobramento inevitável para uma artista em ascensão, mas se muitos usam esse tipo de produto como um veículo para expandir sua audiência, o documentário da Netflix dividido em três episódios parece se dirigir aos fãs mais ardorosos, já que a maneira como tudo é contado dificilmente vai convencer ou aproximar qualquer outro espectador.

Trata-se de um documentário meramente laudatório, sem qualquer nuance ou interesse de tentar entender a personalidade do objeto do documentário. Tudo é posto para que Luísa seja vista como uma grande artista (sem nada de muito convincente para justificar essa visão) ou como uma grande coitada perseguida pela mídia (com um sensacionalismo exagerado que faz tudo soar artificial) para atrair nossa comiseração. É um produto marcado pela contradição de querer se expor intimamente e uma preocupação extrema em controlar a narrativa e imagem que cerca a cantora.

segunda-feira, 4 de dezembro de 2023

Crítica – Vale o Escrito: A Guerra do Jogo do Bicho

 

Análise Crítica – Vale o Escrito: A Guerra do Jogo do Bicho

Review – Vale o Escrito: A Guerra do Jogo do Bicho
A contravenção do jogo do bicho é um esquema que existe faz tempo no Brasil e ocupa um lugar de destaque principalmente no Rio de Janeiro, onde se originou. A série documental Vale o Escrito: A Guerra do Jogo do Bicho, produzida pela Globoplay, conta a história desse esquema de jogo e como ele se relaciona com diversas dimensões da vida carioca, do carnaval à política, passando também pela origem de outros grupos criminosos.

Dividida em oito episódios, a série foca cada um deles em personalidades diferentes da contravenção, começando nas origens do jogo do bicho e encerrando nos dias atuais. Em termos estilísticos a série entrega aquilo já se tornou convencional em documentários sobre crimes, se estruturando ao redor de entrevistas, imagens de arquivo e ocasionalmente algumas cenas encenadas.

Apesar de tradicional em seu formato, o que chama a atenção na série é a ampla pesquisa jornalística feita sobre o caso, cobrindo um longo período de tempo e o amplo escopo da rede de crimes desses contraventores. A série nos mostra como é o jogo do bicho que amplia e organiza o carnaval carioca e o desfile das escolas de samba, não apenas ao assumirem e financiarem individualmente certas escolas de samba, mas na criação da Liga que representa o coletivo das escolas e organiza a competição. Do mesmo modo, vemos como muitos dos bicheiros da chamada “alta cúpula” do jogo tem ligação com vários políticos em posição de destaque no Rio e na política nacional.

segunda-feira, 20 de novembro de 2023

Rapsódias Revisitadas – A Negação do Brasil

 

Crítica – A Negação do Brasil

Review – A Negação do Brasil
O debate sobre representatividade negra no audiovisual tem recebido bastante atenção nos últimos anos, mas no meio da arte ele já era objeto de discussão faz muito tempo. Lançado em 2000 o documentário A Negação do Brasil, de Joel Zito Araújo, visa discutir as presenças e ausências da representação negra nas telenovelas brasileiras, mostrando como desde os anos 60 artistas negros já tentavam dar mais visibilidade a pessoas negras na teledramaturgia e a luta para isso desde então.

Recorrendo a entrevistas, imagens de arquivo e narrações feitas pelo próprio diretor o documentário argumenta que a pouca presença de negros na televisão e o tipo de representação feita dos negros nesses meios produz uma dupla negação da realidade social brasileira. De um lado a pouquíssima presença de negros em telenovelas seria uma negação da fatia que os negros ocupam da população brasileira. Por outro, as representações estereotipadas ou condescendentes que reproduziam a ideia de uma democracia racial plena negavam a pervasividade do racismo no nosso cotidiano e como isso afeta a população negra.

quinta-feira, 16 de novembro de 2023

Crítica – Retratos Fantasmas

 

Análise Crítica – Retratos Fantasmas

Review – Retratos Fantasmas
Em seus dois primeiros longas, O Som ao Redor (2012) e Aquarius (2016), o diretor Kleber Mendonça Filho falava de preocupações sobre a transformação do cotidiano e da paisagem urbana de Recife. Questões que, embora as narrativas localizassem nesse contexto específico, dialogavam com o contexto maior da urbanização e segurança pública no Brasil. Neste Retratos Fantasmas, documentário ensaístico sobre a paisagem urbana de Recife, Mendonça usa a discussão do fim dos cinemas de rua no centro de sua cidade para retomar essas ponderações sobre a paisagem urbana brasileira.

O filme é dividido em duas partes, a primeira dedicada ao bairro de Setúbal e ao apartamento em que viveu durante boa parte da vida. A segunda ao centro de Recife e ao desaparecimento das salas de cinema de rua. Na primeira parte o diretor pondera sobre o local em que cresceu e como a relação com o bairro influenciou suas visões sobre a urbanização de Recife e seu próprio cinema.

sexta-feira, 27 de outubro de 2023

Crítica – Cinemagia: A História das Videolocadoras de São Paulo

 

Análise Crítica – Cinemagia: A História das Videolocadoras de São Paulo

Review – Cinemagia: A História das Videolocadoras de São Paulo
Devo muito da minha cinefilia às videolocadoras. Seja na época do VHS ou do DVD, alugar e assistir filmes era parte central da minha vivência no audiovisual e talvez tenha sido um dos fatores que me levou a trabalhar com isso eventualmente. O documentário Cinemagia: A História das Videolocadoras de São Paulo visa reconstruir as memórias desse tempo e também ponderar sobre aquilo que deixamos pelo caminho quando abraçamos os streamings e deixamos de lado a estrutura de locadoras.

O longa conta a história das videolocadoras a partir dos casos da cidade de São Paulo, mostrando como o negócio começou de maneira informal, com pessoas trazendo filmes de fora e copiando uns dos outros para montarem suas locadoras até a eventual derrocada para os streamings nos últimos anos. Em meio a isso tudo o ramo viveu a profissionalização e combate à pirataria, a revolução do DVD, a concorrência de franquias estrangeiras como a Blockbuster Video e uma série de outras coisas.

quarta-feira, 20 de setembro de 2023

Crítica – Na Mira do Júri

 

Análise Crítica – Na Mira do Júri

Review – Jury Duty
Faz tempo que eu não via uma série tão singular quanto Na Mira do Júri. Misturando ficção e realidade, a série se apresenta inicialmente como um documentário sobre pessoas que servem como jurados em julgamentos nos Estados Unidos. Logo de cara, no entanto, a série nos informa que todo o julgamento é encenado e praticamente todos os sujeitos filmados são atores exceto um dos jurados, Ronald Gladden, um sujeito comum que acha que foi realmente convocado a servir em um júri e que agora precisa navegar pelos meandros do tribunal e lidar com os excêntricos colegas de júri.

Ronald é como um protagonista de filme que não sabe que é um protagonista. Tudo é feito ao redor dele e a trama precisa se adaptar ao modo como ele reage aos eventos e outros personagens. É um esforço logístico hercúleo para uma produção funcionar assim, tendo um roteiro, mas precisando de espaço para improvisar caso Ronald decida seguir por outros caminhos.

sexta-feira, 18 de agosto de 2023

Drops – O Rei dos Clones

Análise Crítica – O Rei dos Clones

 

Review – O Rei dos Clones
Produção da Netflix, o documentário O Rei dos Clones tenta acompanhar a trajetória do cientista coreano Hwang Woo-suk, pioneiro em técnicas de clonagem de vários animais cuja carreira naufragou depois que foi pego cometendo fraude de dados em um artigo científico. É uma produção bem quadrada em termos de como conta sua história, não indo muito além dos recursos já manjados de entrevistas e imagens de arquivo, além de eventuais reconstituições, que não fazem muito para manter nosso envolvimento.

O principal problema, no entanto, é que o filme não parece decidir que história quer contar, se quer falar do trabalho de Hwang e suas ações pouco éticas em nome de um suposto “bem maior” ou se quer documentar a história da clonagem enquanto técnica biomédica, instruir o espectador quanto ao funcionamento dessa ciência e do debate moral em torno do uso desse conhecimento. A trama vai e volta nesses dois fios narrativos, mas não encontra nada de muito interessante a dizer em nenhum deles, ficando na superfície das duas ideias.