Focado na luta do movimento
seringueiro do Acre, o documentário Empate
explora o passado e o presente dessa luta e da figura de Chico Mendes como
principal mobilizadora desses trabalhadores em prol da proteção das matas. O
filme acompanha algumas das principais vozes do movimento, praticamente todos
atuaram ao lado de Mendes até ele ser assassinado, para compreender como eles
se organizaram e o que vem pela frente.
Passado de luta
O filme começa com imagens de
arquivo, mostrando entrevistas de Chico Mendes enquanto ele narra a situação
com fazendeiros no Acre e a necessidade de evitar o desmatamento. O
documentário intercala imagens de arquivo com entrevistas e imagens do presente
acompanhando lideranças do movimento. É um produto de natureza mais expositiva,
que visa informar o espectador sobre quem foi Chico Mendes, a pauta do
movimento, suas conquistas e os problemas atuais da causa.
É curioso como só conhecemos
certas facetas de entes queridos depois que eles falecem. O documentário A Extraordinária Vida de Ibelin explora
esse sentimento ao contar a história de Mats Steen, um jovem norueguês que
morreu aos vinte e poucos anos por conta de uma doença muscular degenerativa.
Seus pais achavam que a vida dele tinha sido só sofrimento por conta de seus
problemas de saúde e de estar preso em uma cadeira de rodas, conseguindo mexer
apenas os dedos, mas depois de seu falecimento descobriram que ele tinha uma
enorme rede de amigos, paixões e apoiadores dentro do jogo World of Warcraft e perceberam que a vida do filho não tinha sido
tão solitária quanto pensavam ser.
Um dos atores de carreira mais
longeva e marcante na dramaturgia brasileira, Grande Otelo, nome artístico de Sebastião
Bernardes de Souza Prata, demorou para ter o devido reconhecimento. Parte disso
se deve ao racismo da época em que ele atuou, parte por sua trajetória ser
muito marcada pela comédia, um gênero muitas vezes considerado “menos artístico”
ou “menos sofisticado”. O documentário Othelo:
O Grande reconta a trajetória do ator, suas dificuldades, seus triunfos e
seu ativismo político.
Memória audiovisual
A narrativa é toda contada através
de imagens de arquivo, usando produções das quais Otelo participou e também
várias entrevistas e discursos públicos que o ator deu ao longo de sua carreira.
A pesquisa de arquivo é a principal força do filme trazendo imagens raras e em
ótima qualidade de trabalhos antigos, como o Moleque Tião ou suas comédias para
a Atlântida, que quase sempre encontramos em qualidade ruim pela internet.
A pesquisa de arquivo também é
eficiente nas falas que traz do ator, com ele trazendo desde seus
posicionamentos, denunciando o racismo ao longo de sua trajetória, narrando experiências
com diretores renomados, como a impagável fala em que conta como foi trabalhar
com Werner Herzog em Fitzcarraldo (1982),
e também refletindo sobre a natureza da dramaturgia brasileira nos palcos, no
cinema e na televisão. Há uma fala interessante de Grande Otelo sobre o Cinema
Novo em que ele pondera que o fato do movimento nunca ter atingido as massas
como almejavam seus agitadores provavelmente se relacionava com a linguagem
experimental de seus filmes, mencionando como uma produção como Macunaíma (1969) teve penetração junto
ao público justamente por ter uma linguagem mais próxima das comédias populares
de sua época.
Otelo e o cinema brasileiro
Nesse sentido, conhecer a
história de Grande Otelo é também conhecer a história do teatro e do
audiovisual brasileiro, considerando a longevidade de sua trajetória e a
amplitude de diretores e movimentos com os quais colaborou. Vemos o histórico
de racismo na dramaturgia onde até mesmo alguém da competência de Grande Otelo
tinha dificuldade em conseguir trabalho porque papéis negros eram interpretados
por brancos em blackface, algo que
Joel Zito Araújo também mostrou no documentário A Negação do Brasil (2001).
Acompanhando a trajetória de
Grande Otelo vemos a ascensão das chanchadas (não confundir com pornochanchadas)
da Atlântida em filmes como Carnaval Atlântida (1952). Testemunhamos o surgimento de diretores como Nelson
Pereira dos Santos, com quem Grande Otelo trabalhou em Rio, Zona Norte (1957) e a eclosão de vanguardas como o Cinema
Novo. Vemos o surgimento e a consolidação da televisão como meio de comunicação
de massa e sua difusão pelo país no trabalho de Grande Otelo em programas como A Escolinha do Professor Raimundo. Como
o filme nos mostra, conhecer Grande Otelo é conhecer o desenvolvimento do
audiovisual brasileiro.
Por outro lado, o documentário se
prende demais às convenções de um filme de arquivo, soando demasiadamente
expositivo e convencional para uma figura que não pode ser facilmente colocada
em caixinhas. Grande Otelo é uma figura complexa, multifacetada e bastante
singular. O filme transmite isso nas falas e depoimentos, mas fica a impressão de
que a forma, não apenas o conteúdo, poderia também ser usada para construir a
complexidade do biografado.
Mesmo nunca saindo das convenções
de um documentário de arquivo, Othelo: O
Grande envolve pela trajetória longeva do ator e como ela se mescla com o
desenvolvimento do cinema brasileiro.
Exploradores urbanos que invadem
arranha-céus e os escalam para chamar atenção existem há muito tempo, mas a
internet, redes sociais e a lógica de influencers digitais potencializaram
essas atividades ao tornar mais fácil ganhar visibilidade através delas. O
documentário Skywalkers: Uma História de
Amor conta a história de dois desses exploradores urbanos que viram nas
escaladas não apenas um meio de criarem arte, como se tornou um meio de se
encontrarem e se apaixonarem um pelo outro.
A narrativa segue os escaladores
Angela Nikolau e Ivan Beerkus, contando a história de como começaram a fazer
esse tipo de atividade e acompanhando seu maior empreendimento até então: serem
os primeiros a escalar um arranha-céu em Kuala Lumpur, Malásia, que seria o
maior da região. O início foca principalmente em Angela e como ter crescido no
circo com pais acrobatas a ensinou desde cedo a lidar com grandes alturas e
como ela se sente confortável nesses espaços, vendo-os como um lugar de
performance e não apenas como façanhas a serem alcançadas.
Baseado no livro de mesmo nome de Daniela Arbex, o
documentário Holocausto Brasileiro
foi lançado em 2016 e narra a chocante história real do hospital psiquiátrico
Colônia, localizado em Barbacena, interior de Minas Gerais. Em seus oitenta
anos de funcionamento o hospital abrigou milhares de pacientes, alguns que
sequer tinham problemas psiquiátricos, mas as condições desumanas do local
causaram a morte de mais de sessenta mil pessoas.
Estruturado ao redor de entrevistas e imagens de arquivo, o
documentário conta a história do hospital desde sua origem no início do século
XX, quando foi criado como um centro terapêutico para a elite carioca, e depois
quando se tornou um hospital psiquiátrico pertencente ao estado de Minas
Gerais. A partir daí vemos como o local se tornou um espaço de exclusão e
tormento no qual as autoridades não apenas aprisionavam pessoas com transtornos
mentais severos, mas também qualquer um que não tivesse para onde ir, como
crianças órfãs e pessoas em situação de rua. Todos os que estavam no hospital,
independente do diagnóstico, eram tratados como pacientes psiquiátricos,
recebendo uma medicação pesada e até tratamentos mais agressivos, como
eletrochoques.
Eu me lembro de acompanhar a ascensão e queda do Moviepass
enquanto acontecia. Um serviço de assinatura que lhe permitia assistir quantos
filmes quisesse nos cinemas parecia um sonho, mas desde a primeira vez que
soube do serviço ficou claro para mim que pagar dez dólares por mês para poder
assistir quantos filmes quisesse no cinema não era um modelo de negócios
sustentável para a empresa. Não à toa que em menos de um ano ela pediu falência
depois de tentar reestruturar o funcionamento do serviço sem, no entanto,
aumentar o preço. O que eu descobri ao assistir ao documentário da HBO Moviepass: A Última Sessão é que a queda
da empresa tem outras questões para além de um modelo de negócio obviamente
falho, com gestores picaretas e racismo corporativo.
Estruturalmente é um típico documentário que se desenvolve
ao redor de entrevistas e imagens de arquivo, sem muita ambição de arriscar
qualquer coisa diferente com o formato. Ainda assim, consegue manter o
espectador envolvido pelo modo como enquadra a narrativa. Seria fácil tratar a
história como simplesmente mais um negócio fracassado num período em que salas
de cinema tentam se adequar à competição com streaming e internet, porém, o roteiro encontra caminhos
interessantes para guiar a discussão, falando de preconceito e da dimensão
performática do empreendedorismo startupeiro que é tão presente na economia
atual.
O documentário “true crime” virou um filão constantemente
explorado por serviços de streaming.
Se alguns ajudam a compreender como a sociedade lida com certos eventos
extremos e as falhas nas leis ou nos órgãos que deveriam cuidar da população, a
exemplo de O Mistério de Maya (2023),
outros, como este O Que Jennifer Fez?
parecem não ter nada a oferecer que não uma exploração sensacionalista do
crime.
O documentário narra a invasão à casa de uma família de
imigrantes vietnamitas em Ontário, Canadá. Os invasores matam a mãe e o pai é
baleado e severamente ferido, ficando em coma. A filha Jennifer é a única
sobrevivente do massacre, mas parece não ter muitas informações úteis para a
polícia. De início as autoridades desconfiam que os pais dela poderiam estar
envolvidos em algo ilegal, já que é um tipo de crime incomum na região, mas
conforme a investigação avança as suspeitas passam a pairar sobre Jennifer.
Dirigido por Erroll Morris (responsável pelo seminal A Tênue Linha da Morte), o documentário O Túnel de Pombos é uma longa conversa
com o elusivo escritor de romances de espionagem John Le Carré, pseudônimo de
David Cornwell. Carré sempre foi uma figura reservada, não falando muito sobre
sua vida pessoal, seu trabalho na inteligência britânica ou suas inspirações para
seus romances, mas nesta conversa com Morris, filmada um ano antes de sua
morte, ele se abre sobre vários desses aspectos.
O filme todo é estruturado ao redor das várias conversas que
Morris filmou com Carré, sem outras fontes ou outros entrevistados além do
próprio escritor. Interessa mais a Morris ouvir Carré e inquiri-lo a respeito
de sua perspectiva pessoal acerca de sua trajetória ou das inspirações de sua
obra do que ter outros falando, inclusive porque é tão raro que o autor aceite
se abrir.
Quando falamos em música em Salvador normalmente pensamos em
axé music, mas o cenário musical da cidade é muito mais diverso que isso e o
documentário Not Dead visa falar de
uma das formas musicais que teve (e tem) uma presença na cidade que é o punk
rock. Como alguém que viveu praticamente a vida toda em Salvador, achei
interessante conhecer um aspecto da vida cultural da cidade que é pouco falado
e pouco visto nas representações midiáticas.
O filme segue um grupo de pessoas influentes no surgimento
da cena punk em Salvador nos anos 80, contando sobre a criação da loja Not
Dead, que vendia roupas e mercadorias com estética punk e servia como um espaço
para congregar a cultura punk em Salvador. A partir disso ele nos mostra como
está a cena punk hoje, as bandas que surgiram naquela época que ainda estão
ativas e como a ideologia punk transformou a vida dos envolvidos mesmo aqueles
que não seguem diretamente engajados na cena punk soteropolitana hoje.
Depois de Chuva é
Cantoria na Aldeia dos Mortos (2018) os diretores João Salaviza e Renée
Nader Messora voltam a falar sobre a população indígena Krahô no interior do
Tocantins. Em A Flor do Buriti os
realizadores focam em narrar a história de luta pela terra dessa população e
como eles resistiram a múltiplos massacres.
A narrativa vai da década de 1940 aos dias atuais, mas sem
seguir uma cronologia, acompanhando a população da Aldeia Pedra Branca no
presente e se deslocando no tempo conforme eles contam as histórias do passado
ou seus espíritos entram em contato com ancestrais no passado, misturando cenas
encenadas e personagens reais para narrar como a opressão aos indígenas sempre
foi uma constante em suas vidas.
Se filmes como Martírio
(2016) mostram anos de descaso ou políticas questionáveis da parte do Estado
brasileiro, aqui essas décadas de descaso e perseguição são apresentadas do
ponto de vista dos próprios indígenas, narrado, inclusive em sua própria
língua. O fato dos Krahô falarem seu em sua língua é uma escolha estética e
política, permite que eles se coloquem em seus próprios termos, com seu
vernáculo e com toda a construção subjetiva e visão de mundo imbricada na
própria língua.
Apesar de termos mais abertura para falar sobre isso, as discussões
sobre sexo ainda encontram tabus nos meio social. O documentário Eros visa abrir uma conversa sobre isso,
especificamente sobre o universo de motéis e o que atrai as pessoas para ir a
um motel fazer sexo.
A produção retrata diferentes casais que frequentam motéis com
filmagens feitas pelos próprios personagens. São imagens que retratam a experiências
dessas pessoas nos motéis, conversas sobre relacionamentos, sexo ou o motivo de
irem a locais como aquele com frequência e ocasionalmente até as próprias experiências
sexuais dos personagens. Com casais de diferentes idades, sexualidades e
fetiches, o filme tenta construir um panorama amplo da experiência das pessoas
em motéis ao mesmo tempo em que busca pontos comuns.
Nesse sentido, as experiências retratadas nos fazem ver o
motel como um lugar de realizar fantasias ou ter experiências que, em geral, não
podemos ter em casa já que a maioria das pessoas não pode construir uma gruta
artificial dentro de casa ou deixar o quarto todo equipado com artefatos de
sadomasoquismo, um casal praticante de BDSM chega a comentar como seria pouco
prático colocar em algum cômodo de casa os equipamentos que encontram no motel.
Lançado em 1966 e dirigido por Helena Solberg, o curta
documental A Entrevista se estrutura
ao redor de várias conversas de mulheres de classe média alta, com idades
variando entre 19 e 27 anos. Essas mulheres falam de dilemas caros à
época, como o papel da mulher na sociedade, entre o que se espera delas e o
pensamento ainda em construção sobre sexo, casamento, virgindade, formação
profissional, emancipação e outros temas do cotidiano feminino da época.
As vozes dessas mulheres estão fora de
quadro, já que elas não quiseram mostrar seus rostos ou nomes no filme. Uma
decisão compreensível considerando que em 1966 mulheres falando de sexo ou o
desejo de uma carreira eram temas relativamente tabu e serem vistas conversando
sobre isso poderia afetar a reputação das entrevistadas. Enquanto ouvimos essas
entrevistas, o filme nos mostra fotografias de diferentes mulheres e imagens de
uma mulher se preparando para seu casamento. A noiva é a cunhada da diretora,
Glória Solberg, e é a única entrevista com som sincrônico, em que vemos a
pessoa que está falando.
A memória do passado orienta nosso presente e informa nossas
decisões do futuro. Sem memória seria difícil até estabelecermos nossa
personalidade. A importância da memória na identidade pessoal e nacional é o
cerne do documentário chileno A Memória
Infinita, que indiretamente também pondera sobre o papel do audiovisual na
preservação da memória.
O filme é centrado no casal Augusto e Paulina. Eles são
casados há 25 anos e há oito Augusto descobriu que está com Alzheimer. Ambos se
preocupam com a degeneração mental de Augusto e com a eventualidade de que ele
não reconheça mais a esposa ou a si mesmo. O documentário acompanha o cotidiano
do casal e das crises causadas pela doença de Augusto e imagens de arquivo que
mostram a vida pregressa tanto de Augusto quanto de Paulina.
É tocante ver o cuidado que Paulina tem com o marido e a
paciência com a qual conversa com ele nos momentos em que ele está mais confuso
e o faz lembrar de quem é e da relação entre eles. É igualmente tocante como
Augusto volta a se apaixonar por Paulina mesmo quando não a reconhece,
revelando como o amor entre dois sobrevive até mesmo ao esquecimento.
O que muda em um país ao longo de vinte e como os problemas
sociais se transformam ao longo do tempo? Parece ser a partir dessa pergunta
que o documentário Amanhã estrutura
sua narrativa. Ele começa em 2002 filmando três crianças e as trocas entre
elas. Em Belo Horizonte a Barragem Santa Lúcia divide a cidade em duas
realidades distintas: de um lado a favela e de outro um bairro de classe média.
Os habitantes de um lado não cruzam para o outro, construindo uma espécie de
fronteira implícita que revela a separação de classes no Brasil.
Em 2002 o diretor Marcos Pimentel filma três crianças. Julia
e Christian moram no lado pobre da barragem, enquanto Zé Thomaz vive no lado de
classe média. Essas crianças passam alguns dias na casa do outro para
experimentar as realidades diferentes. Vinte anos depois o filme retoma o
contato com esses personagens e usa a vida deles como uma metonímia para as
mudanças no Brasil ao longo dessas duas décadas.
Tudo que eu sei sobre a cantora Luísa Sonza foi contra a
minha vontade. A garota é tão exposta na mídia que sei mais sobre a vida
pessoal dela do que a respeito de alguns parentes e olha que nunca procurei
ativamente nada sobre ela. Na verdade, ficaria bem contente em saber menos a
respeito. Curiosamente, apesar da exposição sei mais sobre as tretas de sua
vida pessoal do que sobre sua música, o que raramente é um bom sinal. O
documentário Se Eu Fosse Luísa Sonza
soa como um desdobramento inevitável para uma artista em ascensão, mas se
muitos usam esse tipo de produto como um veículo para expandir sua audiência, o
documentário da Netflix dividido em três episódios parece se dirigir aos fãs
mais ardorosos, já que a maneira como tudo é contado dificilmente vai convencer
ou aproximar qualquer outro espectador.
Trata-se de um documentário meramente laudatório, sem
qualquer nuance ou interesse de tentar entender a personalidade do objeto do
documentário. Tudo é posto para que Luísa seja vista como uma grande artista
(sem nada de muito convincente para justificar essa visão) ou como uma grande
coitada perseguida pela mídia (com um sensacionalismo exagerado que faz tudo
soar artificial) para atrair nossa comiseração. É um produto marcado pela
contradição de querer se expor intimamente e uma preocupação extrema em
controlar a narrativa e imagem que cerca a cantora.
A contravenção do jogo do bicho é um esquema que existe faz
tempo no Brasil e ocupa um lugar de destaque principalmente no Rio de Janeiro,
onde se originou. A série documental Vale
o Escrito: A Guerra do Jogo do Bicho, produzida pela Globoplay, conta a
história desse esquema de jogo e como ele se relaciona com diversas dimensões
da vida carioca, do carnaval à política, passando também pela origem de outros
grupos criminosos.
Dividida em oito episódios, a série foca cada um deles em
personalidades diferentes da contravenção, começando nas origens do jogo do
bicho e encerrando nos dias atuais. Em termos estilísticos a série entrega
aquilo já se tornou convencional em documentários sobre crimes, se estruturando
ao redor de entrevistas, imagens de arquivo e ocasionalmente algumas cenas
encenadas.
Apesar de tradicional em seu formato, o que chama a atenção
na série é a ampla pesquisa jornalística feita sobre o caso, cobrindo um longo
período de tempo e o amplo escopo da rede de crimes desses contraventores. A
série nos mostra como é o jogo do bicho que amplia e organiza o carnaval
carioca e o desfile das escolas de samba, não apenas ao assumirem e financiarem
individualmente certas escolas de samba, mas na criação da Liga que representa
o coletivo das escolas e organiza a competição. Do mesmo modo, vemos como
muitos dos bicheiros da chamada “alta cúpula” do jogo tem ligação com vários
políticos em posição de destaque no Rio e na política nacional.
O debate sobre representatividade negra no audiovisual tem
recebido bastante atenção nos últimos anos, mas no meio da arte ele já era
objeto de discussão faz muito tempo. Lançado em 2000 o documentário A Negação do Brasil, de Joel Zito
Araújo, visa discutir as presenças e ausências da representação negra nas
telenovelas brasileiras, mostrando como desde os anos 60 artistas negros já tentavam
dar mais visibilidade a pessoas negras na teledramaturgia e a luta para isso
desde então.
Recorrendo a entrevistas, imagens de arquivo e narrações
feitas pelo próprio diretor o documentário argumenta que a pouca presença de
negros na televisão e o tipo de representação feita dos negros nesses meios produz
uma dupla negação da realidade social brasileira. De um lado a pouquíssima presença
de negros em telenovelas seria uma negação da fatia que os negros ocupam da
população brasileira. Por outro, as representações estereotipadas ou
condescendentes que reproduziam a ideia de uma democracia racial plena negavam
a pervasividade do racismo no nosso cotidiano e como isso afeta a população
negra.
Em seus dois primeiros longas, O Som ao Redor(2012) e Aquarius (2016), o diretor Kleber
Mendonça Filho falava de preocupações sobre a transformação do cotidiano e da
paisagem urbana de Recife. Questões que, embora as narrativas localizassem
nesse contexto específico, dialogavam com o contexto maior da urbanização e segurança
pública no Brasil. Neste Retratos
Fantasmas, documentário ensaístico sobre a paisagem urbana de Recife,
Mendonça usa a discussão do fim dos cinemas de rua no centro de sua cidade para
retomar essas ponderações sobre a paisagem urbana brasileira.
O filme é dividido em duas
partes, a primeira dedicada ao bairro de Setúbal e ao apartamento em que viveu
durante boa parte da vida. A segunda ao centro de Recife e ao desaparecimento
das salas de cinema de rua. Na primeira parte o diretor pondera sobre o local
em que cresceu e como a relação com o bairro influenciou suas visões sobre a
urbanização de Recife e seu próprio cinema.
Devo muito da minha cinefilia às
videolocadoras. Seja na época do VHS ou do DVD, alugar e assistir filmes era
parte central da minha vivência no audiovisual e talvez tenha sido um dos
fatores que me levou a trabalhar com isso eventualmente. O documentário Cinemagia: A História das Videolocadoras de
São Paulo visa reconstruir as memórias desse tempo e também ponderar sobre
aquilo que deixamos pelo caminho quando abraçamos os streamings e deixamos de lado a estrutura de locadoras.
O longa conta a história das
videolocadoras a partir dos casos da cidade de São Paulo, mostrando como o
negócio começou de maneira informal, com pessoas trazendo filmes de fora e
copiando uns dos outros para montarem suas locadoras até a eventual derrocada
para os streamings nos últimos anos.
Em meio a isso tudo o ramo viveu a profissionalização e combate à pirataria, a
revolução do DVD, a concorrência de franquias estrangeiras como a Blockbuster
Video e uma série de outras coisas.
Faz tempo que eu não via uma
série tão singular quanto Na Mira do Júri.
Misturando ficção e realidade, a série se apresenta inicialmente como um
documentário sobre pessoas que servem como jurados em julgamentos nos Estados
Unidos. Logo de cara, no entanto, a série nos informa que todo o julgamento é
encenado e praticamente todos os sujeitos filmados são atores exceto um dos
jurados, Ronald Gladden, um sujeito comum que acha que foi realmente convocado
a servir em um júri e que agora precisa navegar pelos meandros do tribunal e
lidar com os excêntricos colegas de júri.
Ronald é como um protagonista de
filme que não sabe que é um protagonista. Tudo é feito ao redor dele e a trama
precisa se adaptar ao modo como ele reage aos eventos e outros personagens. É
um esforço logístico hercúleo para uma produção funcionar assim, tendo um
roteiro, mas precisando de espaço para improvisar caso Ronald decida seguir por
outros caminhos.