Nos últimos anos tivemos várias
cinematografias de músicos bastante protocolares que pareciam versões
ilustradas de verbetes de Wikipedia, narrando fatos notórios da vida dessas
pessoas, sem oferecer qualquer insight a
respeito do que as move. Produções
como Bohemian Rhapsody(2018), I Wanna Dance With Somedoby: A História de Whitney Houston(2023) ou Bob Marley:
One Love. Este Back to Black,
cinebiografia de Amy Winehouse, está em outro patamar, sendo uma produção que
não é apenas rasa, ela parece ativamente detestar a pessoa que está
biografando.
Reescrevendo a história
A narrativa acompanha a
trajetória da cantora Amy Winehouse (Marisa Abela), focando no lançamento do
álbum Back to Black e na relação
entre ela e seu pai, Mitch (Eddie Masran), e o marido, Blake (Jack O’Connell),
bem como os problemas da cantora com drogas. Como as produções que citei no
primeiro parágrafo, o filme se limita a reconstruir momentos notórios da vida
da cantora, mas não ajuda a compreender quem ela era para além desse retrato
midiático.
Considerando o quanto Ayrton
Senna é importante para o esporte brasileiro e os vários documentários feitos
sobre ele é até estranho que tenham demorado tanto para fazer uma ficção. A
minissérie Senna é exatamente isso,
tentando condensar toda a trajetória do piloto em seis episódios, acompanhando
desde seu início na Formula Ford, até seu dia derradeiro na Formula 1, quando
faleceu em um acidente.
Vida veloz
A série sofre por tentar
compreender um período de tempo muito longo em uma quantidade pequena de
episódios e com isso passa muito rápido pelos eventos marcantes da vida de
Senna sem dar o devido tempo para analisar como essas experiências impactaram
sua trajetória. Talvez tivesse sido melhor se a produção fosse pensada como uma
série de duas ou três temporadas. Do jeito que está fica a impressão de uma
história compostos por verbetes soltos de Wikipedia que se limitam apenas a
narrar os feitos mais notáveis do personagem sem buscar alguma compreensão
deles.
O cinema de Karim Ainouz
constantemente dialoga com noções de masculinidade, analisando os problemas e
tensões de certas convenções a respeito do que é “ser homem”. Fez isso em
filmes como Motel Destino(2024), Praia do Futuro (2014) ou Madame Satã (2002). Neste O Jogo da Rainha ele deixa o contexto
brasileiro para ir à Europa do século XVI para construir uma história sobre
patriarcado, masculinidade e a resiliência feminina diante de um mundo dominado
por homens, algo que ele já fez em A Vida Invisível(2019).
Mundo masculino
A trama se baseia na história
real de Catarina Parr (Alicia Vikander), sexta esposa do rei Henrique VIII
(Jude Law). Enquanto o marido está fora em guerra, Catarina é nomeada regente e
conforme adquire poder vai se tornando uma liderança em uma revolução
protestante que via colocar a igreja acima do rei. Quando o monarca retorna da
guerra, marcado por ferimentos e infecções, além de problemas com gota, ele não
apenas remove o poder de Catarina, reduzindo sua regência a tarefas mínimas.
Henrique também se torna mais agressivo e paranoico conforme seu estado de
saúde piora e Catarina passa a temer por seu destino.
Enquanto assistia o último
episódio da minissérie Disclaimer me
lembrei da frase do crítico Roger Ebert sobre o cinema ser uma máquina de gerar
empatia. O modo como narrativas nos mobilizam e nos fazem aderir a um
personagem, mesmo quando ele é moralmente duvidoso, e o poder da narrativa em
nos fazer agir por conta desses afetos que são mobilizados são temas centrais
da produção criada e dirigida pelo diretor Alfonso Cuarón. É uma história que
nos lembra como histórias podem ser usadas para convencer a gente sobre um
ponto de vista, mesmo que esse ponto de vista não seja capaz de dar conta de
toda a história.
Passado esquecido
A trama gira em torno de
Catherine (Cate Blanchett), uma documentarista que construiu sua carreira em
revelar transgressões que instituições querem esconder. Ela tem seu próprio
segredo do passado que está prestes a ser revelado por conta de Stephen (Kevin
Kline), um professor recém desempregado que encontra um livro escrito pela
esposa falecida, Nancy (Leslie Manville). O livro se baseia na história real da
morte de seu filho Jonathan (Louis Partridge) que se afogou na Itália décadas
atrás e pinta de maneira extremamente negativa a mulher casada com a qual se
relacionou. A mulher em questão é Catherine e Stephen vê no livro uma maneira
de se vingar dela, já que a julga responsável pelo afogamento de Jonathan.
Dirigido por Steve McQueen,
diretor responsável por 12 Anos de Escravidão(2013) e As Viúvas
(2018), Blitz retrata o período dos
constantes bombardeios nazistas contra Londres durante a Segunda Guerra
Mundial. É uma produção que tenta retratar a sobrevivência em um período de
constante perigo e escassez, mas que por vezes tenta manejar tantas ideias ao
mesmo tempo que não desenvolve nenhuma de maneira impactante.
Notícias de uma guerra cotidiana
A trama acompanha a jovem Rita
(Saoirse Ronan), que vive com o pai e o filho George (Elliott Heffernan) em uma
Londres sob constantes alvos de bombardeios. Quando o governo evacua as
crianças da cidade, Rita e George se separam, mas George não vai para o abrigo
do governo. Ele pula do trem durante o trajeto e tenta voltar para casa
sozinho, enquanto isso Rita continua a trabalhar em uma fábrica, produzindo
armamentos para o esforço de guerra, enquanto tenta sobreviver aos bombardeios
constantes.
Como seria viver a juventude com
o conhecimento e experiência de nossa versão mais velha? É essa pergunta que Meu Eu do Futuro tenta ponderar a
resposta e o resultado é um exame singelo sobre o impacto de nossas escolhas de
vida e como o tempo muda nossa perspectiva das coisas, nem sempre para melhor.
Convergência temporal
A narrativa é protagonizada por
Elliott (Maisy Stella), uma garota que aproveita suas últimas férias antes de
ir para a faculdade. Um dia ela vai acampar com as amigas Ruthie (Maddie
Ziegler) e Ro (Kerrice Brooks) e elas acabam usando cogumelos alucinógenos.
Durante a viagem nas drogas, ela encontra sua versão mais velha (Aubrey Plaza)
e pede a ela conselhos para o futuro. Seu eu do futuro a alerta que tudo irá
mudar depois que for para a faculdade, que ela deve aproveitar o tempo que tem
com os irmãos e com os pais na fazenda da família e que deve evitar se
apaixonar por um rapaz chamado Chad. No dia seguinte ela conhece um Chad (Percy
Hynes White, de Wandinha) e não
consegue entender porque a Elliott do futuro lhe disse para não se envolver com
ele.
Criado na literatura pelo
escritor James Patterson, o detetive Alex Cross já está a algum tempo na mira
Hollywood, mas os resultados dessas adaptações variavam entre o morno, com os
filmes estrelados por Morgan Freeman Beijos
que Matam (1997) e Na Teia da Aranha,
e o péssimo, com A Sombra do Inimigo
(2012), que trazia Tyler Perry como Alex Cross. Talvez o problema tenha sido
adaptar os romances de Patterson como filmes e não como séries, já que Detetive Alex Cross mostra que o
personagem funciona melhor nesse formato.
Adaptando um romance escrito por
Lily Brett este Tesouro tenta ser
simultaneamente um road movie sobre
pai e filha se reconectando depois da morte da mãe e um exame sobre a memória
do Holocausto e as consequências do antissemitismo. Nem sempre ele se sai bem
nas duas coisas, funcionando melhor na dimensão familiar do que no exame
histórico.
Viagem em família
A narrativa se passa em 1990 e
acompanha a jornalista Ruth (Lena Dunham) que viaja à Polônia para conhecer a
cidade em que os pais cresceram. Ela é acompanhada pelo pai, Edek (Stephen
Fry), um octogenário sobrevivente do Holocausto. Os dois se afastaram depois da
morte da mãe de Ruth, então a viagem é também uma tentativa dos dois em se
reaproximarem. De início Edek reluta em voltar para sua antiga cidade, mas o
retorno acaba despertando nele sentimentos que havia esquecido.
Não creio que ninguém que tenha
assistido Gladiador (2000) tenha
saído do filme pensando “nossa, mal posso esperar por uma continuação que conte
a história do filho do protagonista”, mas mesmo sem ninguém querer ou que fosse
necessário para amarrar qualquer ponta da história que Ridley Scott contou há
mais de vinte anos atrás, Gladiador 2
está entre nós. Não faz a menor diferença, não precisava existir, mas não é
exatamente ruim.
Ecos da eternidade
A narrativa é centrada em Lucius
(Paul Mescal), filho de Lucilla (Connie Nielsen) e Maximus (Russell Crowe) do
primeiro filme. Para ser mantido em segurança Lucius foi mandado para longe e
se tornou um guerreiro no norte da África. Quando suas terras são conquistadas
por Roma e sua esposa é morta pelo general Acacius (Pedro Pascal) ele é vendido
como escravo e usado como gladiador pelo inescrupuloso Macrinus (Denzel
Washington). Agora Lucius retorna à Roma para se vingar do general e dos cruéis
imperadores Geta (Joseph Quinn, de Stranger Things) e Caracalla (Fred Hechinger).
É basicamente a mesma premissa do
primeiro filme, mas tudo é duplicado. Ao invés de um guerreiro que luta por
vingança e para restaurar a justiça em Roma temos essas motivações divididas
entre Lucius e Acacius. Ao invés de um imperador imaturo e sádico temos dois em
Geta e Caracalla,
mas de resto é a mesma história sobre defender “o sonho de Roma” que embalou a
história trágica de Maximus.
Repetição também está no trabalho
do elenco ainda que entreguem performances competentes. Denzel Washington devora o cenário ao interpretar Macrinus como uma
versão romana e com mais joias do que um bicheiro carioca de seu Alonzo de Dia de Treinamento (2001). Macrinus é um
sujeito ardiloso, que joga em vários lados sempre visando o ganho pessoal e
está sempre a frente dos oponentes, como se ele estivesse jogando xadrez
enquanto os demais jogassem damas. É um personagem que domina cada cena em que
está, mas a essa altura da carreira Washington o interpretaria com as mãos
amarradas nas costas. Connie Nielsen traz a mesma dignidade e altivez a Lucille que apresentava
no original, enquanto Pedro Pascal traz um misto de honra e desilusão a
Acacius.
Os dois imperadores, por outro
lado são tão histriônicos que pendem para a caricatura. Joseph Quinn se sai um
pouco melhor ao conseguir injetar algum mínimo grau de humanidade a Geta, mas o
Caracalla de Fred Hirchinger passa do ponto do exagero e soa como um vilão de
desenho animado. Sim, eu entendo que ele deveria ser um sujeito louco com o
cérebro carcomido pela sífilis, mas mesmo entre toda essa loucura há uma pessoa
ali (pensem em Forrest Whitaker como Idi Amin em O Último Rei da Escócia) e o trabalho de Hirchinger é tão exagerado
ao ponto de soar falso.
Arena Mortal
O primeiro filme foi alvo de
críticas por sua falta de precisão histórica, algo que nunca me incomodou
pessoalmente, mas aqui Scott desvia tanto da realidade que o filme praticamente
entra no domínio da fantasia. Digo isso não apenas por sua trama se povoada por
muitos personagens ficcionais, mas por uma série de eventos que transcorrem,
principalmente dentro da arena do Coliseu. Aqui vemos batalhas com
rinocerontes, uma batalha naval com direito a tubarões nadando na arena uma
série de outras ocorrências que qualquer leigo é capaz de dizer que se trata de
liberdades artísticas.
Não que a ação seja ruim, pelo
contrário, ela é um dos pontos altos do filme. Essas liberdades que Scott toma
servem para evidenciar ainda mais a opulência e desigualdade de sua Roma
corrompida que gastava horrores com esses jogos no Coliseu enquanto a população
ficava à míngua e os espetáculos brutais serviam como uma distração para essa
miséria. A condução de Scott é eficiente em construir o senso de escala dessas e
o caos brutal desses embates. São lutas vencidas tanto na estratégia quanto na
força e cujas consequências sangrentas o filme faz questão de exibir. Seja nas
batalhas mais grandiosas ou em duelos mais íntimos, como na luta entre Lucius e
Acacius, a produção instila uma energia intensa na ação e um senso de que
Lucius e outros personagens passam por um risco palpável de serem derrotados. O
senso de grandiosidade e de tragédia também é construído pela música, inclusive
com o uso de faixas da trilha do primeiro filme como Now We Are Free de Hans Zimmer cuja melodia dá senso da jornada
grandiosa de seus personagens enquanto os vocais de Lisa Gerrard, cuja letra
menciona liberdade, constrói a dimensão transcendental e trágica dessa
história.
É por conta desse senso de
grandiosidade da ação e pelo trabalho do elenco que Gladiador 2 consegue oferecer algo de interessante ainda que não
tenha nada que Ridley Scott já não fez melhor antes. De certa forma é como ver
aquela banda que você gosta e que já não toca como antes sair em uma turnê
cantando seus melhores sucessos. É bacana, mas você sabe que é uma reprodução
menor do que veio antes.
O anúncio de que o recente Batman(2022) ganharia uma série
derivada centrada no Pinguim (Colin Farrell) não me soava muito interessante.
Parecia mais o tipo de tentativa de forçar mais um universo compartilhado cheio
de spin offs do que algo que partia
de alguma premissa interessante. Os primeiros episódios de Pinguim reforçaram um pouco essa impressão, já que apesar de um
drama competente, tudo soava muito derivativo. O protagonista, com seu ego
instável, sociopatia violenta, relação tóxica com a mãe e Complexo de Édipo mal
resolvido remetiam tanto ao Tony Soprano que a série parecia ser basicamente um
Família Soprano situado no universo
do Batman.
Apesar do título, The First Slam Dunk não é um prelúdio
para a história do anime/mangá Slam Dunk
de Takehiko Inoue. Na verdade, ele é uma espécie de continuação do anime ao
adaptar o último arco do mangá e mostrar a partida decisiva entre os
protagonistas do colégio Shohoku e os rivais do colégio Sannoh. De partida isso
pode afastar novatos a este universo, já que encontramos esses personagens e
suas relações plenamente desenvolvidos, mas o filme, dirigido pelo próprio
Inoue em sua estreia como realizador de cinema, consegue funcionar como uma
ótima introdução a Slam Dunk.
Vidas em jogo
A narrativa se passa durante a
partida derradeira entre Shohoku e Sannoh e ao logo do jogo volta algumas vezes
ao passado dos protagonistas para construir suas histórias e o que está em
disputa para cada um naquela partida numa estrutura similar a Rivais(2024). Se o anime e mangá eram
protagonizados pelo jovem delinquente Sakuragi, que entrava para um time de
basquete para se aproximar de uma garota de quem gostava, aqui o foco da
narrativa é Ryota, um armador de baixa estatura, mas muito ágil.
O diretor Sean Baker sempre
demonstrou interesse por pessoas que vivem nas margens, que sobrevivem nas
fissuras, nos cantos que nosso olhar não alcança ou não se interessa muito em
chegar. Em Projeto Flórida(2017)
acompanhava o cotidiano de uma garotinha que vivia uma existência nômade por
hotéis baratos ao lado da mãe viciada. Neste Red Rocket o diretor acompanha um ator pornô fracassado que volta
para sua cidade natal na costa do Texas.
Uma vida obscena
Mike (Simon Rex) chega cheio de
hematomas à sua cidade natal e pede para ficar uns dias na casa da ex-esposa
Lexi (Bree Elrod), de quem nunca se divorciou. Ela e sua mãe, Lil (Brenda
Deiss), que vive na mesma casa, não o querem ali, mas Mike usa sua lábia para
convencê-las em troca de ajudar no aluguel. Ele tenta conseguir emprego, mas é
recusado por conta de seu passado como ator pornô. Ele acaba convencendo uma
traficante local a deixá-lo vender maconha e passa a fazer ponto em uma loja de
rosquinha vendendo para trabalhadores que passam no local durante a troca de
turnos. Ele também fica interessado pela balconista da loja, a jovem Raylee
(Suzanna Son), cujo apelido é Morango.
Chegando a sua terceira
temporada, O Poder e a Lei funciona
como uma espécie de série conforto para mim. Não tem nada de novo em termos de
drama de tribunal, mas executa esses elementos com competência e carisma para
me manter interessado mesmo que eu perceba todos os lugares comuns em cena.
Lei para quem precisa
A trama segue onde o segundo ano parou, com Mickey (Manuel Garcia-Rulfo) tentando descobrir quem matou sua
antiga cliente, Gloria (Fiona Rene), ao mesmo tempo em que defende o homem
acusado de matá-la, Julian (Devon Graye), a quem Mickey considera inocente.
Para o advogado inocentar Julian o levará diretamente ao culpado pela morte de
Gloria, mas isso o coloca em meio a uma perigosa teia de crimes.
Estreia da atriz Anna Kendrick
como diretora, A Garota da Vez parte
de uma história real para analisar as tensões de navegar no mundo sendo mulher
sob o constante temor de que os homens ao seu redor se revelem abusivos ou
violentos. A trama acompanha Sheryl (Anna Kendrick), uma aspirante a atriz cuja
carreira não consegue decolar. A agente de Sheryl consegue para ela uma
participação em um game show ao
estilo Namoro na TV, no qual ela deve ser uma garota interessada em conseguir
um namorado e precisa escolher entre três solteiros que ela não vê e vai
conhecer apenas através de perguntas. O problema é que um desses solteiros,
Rodney (Daniel Zovatto), é um serial
killer.
Mulheres objeto
Já na primeira cena com Sheryl em
um teste de elenco o filme ilustra como Hollywood é um espaço que objetifica
mulheres ao mostrar os dois produtores de elenco cochichando sobre a aparência
da personagem enquanto a câmera abre o plano para mostrar que Sheryl está em pé
bem diante deles. O final da cena, em que eles mudam de atitude no instante em
que ela diz não se interessar por fazer cenas com nudez reforça a ideia de que
ela está ali para servir ao olhar masculino.
Ao longo de todo o arco de Sheryl
isso é constantemente reforçado pelas interações entre ela e outros homens e
pelo modo como Kendrick filma essas situações. Seja em closes ou em planos mais
abertos, os homens estão sempre entrando em quadro para encostar na personagem
ou tocar seu rosto, como se invadissem seu espaço pessoal. Essas interações são
sempre marcadas com um senso de desconforto, como na conversa que ela tem em um
bar com o vizinho Terry (Pete Holmes), na qual ela acaba cedendo aos seus
avanços apesar de inicialmente rejeitá-lo. Como na cena com os produtores de
elenco, é visível como Terry muda de atitude no momento em que percebe que não
irá conseguir o que quer dela e Sheryl decide ceder talvez por medo de sua
reação ou por receio de alienar o único amigo que tem na cidade.
O senso de objetificação se
reforça quando ela chega no set do programa no qual o apresentador vivido por
Tony Hale constantemente comenta sobre a aparência de Sheryl, toca em seu corpo
e diz que ela está ali apenas para ser bonita. Não à toa que o pequeno gesto de
resistência da atriz de sair do roteiro e fazer perguntas jocosas aos
candidatos que expõem o seu machismo é recebida com fúria pelo apresentador.
Nesse sentido, o fato de Rodney dar todas as “respostas certas” soando como um
cara legal mostra que não há padrão para homens abusivos e mesmo alguém que soa
bacana ou inofensivo pode ser um potencial agressor, criando um senso de tensão
crescente conforme Sheryl se aproxima de Rodney e demora a perceber sua real
natureza.
Muitas vítimas, pouco tempo
A questão é a despeito de ideias
interessantes e composições de planos cuidadosas, o filme derrapa em um
material que tenta abrir várias frentes narrativas simultâneas, mas não
desenvolve quase nenhuma a contento. A espectadora do programa que reconhece
Rodney como o estuprador de sua amiga está ali só para mostrar como mulheres
são ignoradas ou silenciadas em suas denúncias, seja por quem detêm poder, como
os funcionários do estúdio que a ignoram, ou de quem está próxima dela, como o
namorado, que a trata como doida ao invés de acreditar no que ela diz. A
personagem existe mais como uma engrenagem em um mecanismo e menos como uma
pessoa autônoma dotada de suas próprias motivações.
Os segmentos que mostram o
passado de Rodney e como ele constantemente matava com impunidade ou evadia
autoridades enquanto mantinha emprego em grandes jornais e instituições
similares tenta reforçar a existência de estruturas de poder que protegem
homens abusivos e entender como esse predador age, mas fica na superfície
dessas ideias. Ocasionalmente o filme aponta para questões subjacentes da
personalidade de Rodney, como as várias sugestões de que ele se interessa por
homens, mas não faz nada com esse dado.
A narrativa também passa algum
tempo com as vítimas do assassino, revelando como ele é um predador astuto,
sempre se aproximando de mulheres sozinhas ou em situação de vulnerabilidade. O
desfecho, que nos faz acompanhar uma sobrevivente de seus ataques, analisa como
a sobrevivência dela se relaciona em tentar manter um senso de normalidade com
seu abusador, agindo como se nada demais tivesse acontecido para ganhar tempo
para escapar. O problema é que passamos muito pouco tempo com essa personagem
para que seu arco tenha o impacto devido e, considerando que é ela a
responsável pela captura do assassino me pergunto por que não seria sua
história a central para a trama ao invés da trama de Sheryl, que não seria muito
mais que uma nota de rodapé na trajetória do assassino.
Do jeito que está, A Garota da Vez fica na superfície de
seus temas principais, apontando os abusos e os mecanismos que facilitam sua
perpetuação, mas fazendo pouco para analisar seu funcionamento, se dividindo em
múltiplas tramas que não saem da superfície. É competente na construção do
senso de desconforto experimentado por Sheryl no seu cotidiano e Anna Kendrick
se mostra muito consciente das escolhas que faz como diretora, uma pena o texto
não estar à altura disso.
De certa forma, Hala é uma história de amadurecimento
bem típica, acompanhando uma adolescente conforme ela lida com descobertas
afetivas, o peso de certos erros e o complicado divórcio de seus pais. O que
diferencia a produção de outras histórias é que isso é contado a partir do
ponto de vista de uma adolescente muçulmana filha de imigrantes paquistaneses
nos Estados Unidos.
Donald Trump já ocupava os
holofotes décadas antes de sua entrada na política. O Aprendiz, ao contrário do que o título sugere, não foca no reality show que ele apresentou no
início dos anos 2000, mas na relação entre Trump e Roy Cohn, advogado
constantemente associado a figuras da máfia e que foi parte fundamental do
sucesso inicial de Trump.
Advogado do diabo
A narrativa começa no final dos
anos 70 quando um jovem Donald Trump (Sebastian Stan) está assumindo o negócio
imobiliário do pai, Fred (Martin Donovan) e enfrenta um processo na justiça
federal que o acusa de discriminar inquilinos negros. O processo põe em pausa
os planos de Trump de sair do ramo de habitações populares e começar a investir
em hotéis de luxo, então ele procura a ajuda do advogado Roy Cohn (Jeremy
Strong, de Succession), para ajudá-lo. A trama então segue o desenvolvimento da relação entre
Trump e Cohn, mostrando a influência do advogado no empresário.
Quando estreou a primeira
temporada de Monstros, nova série de
antologia sobre crimes reais produzidas por Ryan Murphy, acabei deixando de
conferir a história do assassino Jeffrey Dahmer por já estar saturado na época
de séries “true crime”. A série chega a sua segunda temporada com este Monstros: Irmãos Menendez Assassinos dos
Pais contando o caso de dois irmãos que mataram os pais no final da década
de 80. Eu tinha ouvido falar do caso algumas vezes, mas nunca soube muito à
respeito, então resolvi conferir a série.
A narrativa acompanha os irmãos
Lyle (Nicholas Alexander Chavez) e Erik Menedez (Cooper Koch) que em 1989
assassinam o pai, José (Javier Bardem), e a mãe, Kitty (Chloe Sevigny), com
múltiplos tiros de espingarda. O crime chamou atenção pela crueldade e pelo
fato de que os irmãos inicialmente tentaram culpar a máfia pela execução dos
pais, tentando sugerir que o pai, um rico empresário da indústria fonográfica,
estava envolvido com o crime organizado. O caminho até a eventual condenação
dos irmãos levou quase uma década e foi marcado por denúncias de abusos físicos
e sexuais que José Menendez teria cometido contra eles.
É impossível um realizador ter
pleno controle sobre a recepção de sua arte. A recepção é um processo
semiopragmático que depende da interpretação do espectador e, nesse sentido,
comunidades interpretativas podem chegar até mesmo a um entendimento que não é
sustentado pela materialidade da obra (Umberto Eco chamaria isso de
interpretação aberrante). Não importa o quanto um realizador seja perfeccionista,
é sempre possível que as pessoas gostem de um filme por motivos errados.
Piada explicada perde a graça
David Fincher é famoso pelo seu
perfeccionismo e nem ele foi capaz de impedir que seu Clube da Luta (1999) fosse lido como um chamado ao retorno a um
hipermasculinismo para reconstruir a ordem social e não como uma crítica a uma
masculinidade que prefere criar uma seita terrorista e explodir o mundo a lidar
com os próprios sentimentos. Há quem veja O Lobo de Wall Street(2013) como uma celebração da cultura de excessos da
especulação financeira e não como a óbvia sátira que o filme é. Do mesmo modo,
há quem goste de Coringa(2019) por
ver o protagonista como um revolucionário se rebelando contra uma sociedade que
o maltrata apesar do filme (e o próprio personagem) dizer explicitamente que
ele não é nada disso.
Apesar do título em português
evocar um suspense investigativo, Assassinato
em Gosford Park é um drama mais interessado no que o assassinato no centro
da trama movimenta entre os diferentes personagens que habitam a luxuosa mansão
britânica na qual a narrativa se passa do que no crime em si. É um filme sobre
questões de classe social e como a criadagem é tratada de forma invisível, com
os funcionários usando essa invisibilidade a seu favor.
A narrativa se passa em 1932 e
acompanha um final de semana na propriedade de Gosford Park, chefiada pelo
truculento William McCordle (Michael Gambon). A propriedade abriga no final de
semana membros proeminentes da sociedade britânica, como lady Constance
Trentham (Maggie Smith), a filha de McCordle, Sylvia (Kristin Scott Thomas),
Raymond Stockbridge (Charles Dance), além de convidados estrangeiros como o
produtor de cinema Morris Weissman (Bob Balaban). Esses ricos vem acompanhados
de seus criados, como Mary (Kelly Macdonald), que serve lady Trentham, ou Henry
(Ryan Philippe) assistente de Weissman que acaba sendo colocado junto com os
outros criados, além da própria equipe da mansão, como a sra. Wilson (Helen
Mirren), Elsie (Emily Watson), George (Richard E. Grant) e o chefe dos criados,
o sr. Jennings (Alan Bates).
Lançado em 1928, A Paixão de Joana d’Arc é um marco na
história do cinema por múltiplos motivos. Foi o primeiro longa-metragem a
narrar a história da heroína francesa Joana d’Arc, que liderou o país contra os
ingleses. É também um marco pela maneira de filmar do diretor Carl T. Dreyer
que desafiou várias convenções da linguagem audiovisual da época e que mesmo em
relação ao cinema de hoje traz uma construção pouco usual.