Você já se perguntou como seria o
filme Megan(2023) se ao invés de um
robô boneca tivéssemos uma robô boazuda? Não? Pois azar o seu, já que é
exatamente essa resposta que o filme Alice: Subservience tenta dar. Sua narrativa de um futuro próximo
poderia pensar em precarização do trabalho ou transhumanismo, mas prefere ser
um slasher genérico com pitadas de um
erotismo frígido.
Alma de silicone
A trama acompanha o empreiteiro
Nick (Michele Morrone, do pavoroso 365
Dias), cuja esposa está hospitalizada com um sério problema cardíaco. Sem
conseguir dar conta das demandas de trabalho e dos filhos, ele compra a robô
doméstica Alice (Megan Fox). Dedicada, Alice logo se torna alguém que Nick e os
filhos passam a confiar, mas a androide logo demonstra querer ir além de seu
papel de ajudante.
Lançado em 2019 Casamento Sangrento não foi exatamente
um sucesso imediato, mas acabou ganhando um certo statuscult ao longo do
tempo por conta de sua narrativa slasher
cheia de mortes sangrentas e o carisma hiperbólico de seus personagens. A
narrativa é centrada em Grace (Samara Weaving), que está prestes a casar com
Alex (Mark O’Brien), cuja rica família, dona de um império de jogos de
tabuleiro, não vê Grace com bons olhos.
Jogos mortais
No dia do casamento Alex avisa
Grace da sua tradição familiar. Toda vez que alguém se casa, o novo membro da
família precisa jogar um jogo com a família. O que Alex não conta para a noiva
é que o que estará em jogo é a vida dela, já que sua família pretende usá-la
como sacrifício para a misteriosa entidade que seria responsável pela
prosperidade em seus negócios.
Criado na literatura pelo
escritor James Patterson, o detetive Alex Cross já está a algum tempo na mira
Hollywood, mas os resultados dessas adaptações variavam entre o morno, com os
filmes estrelados por Morgan Freeman Beijos
que Matam (1997) e Na Teia da Aranha,
e o péssimo, com A Sombra do Inimigo
(2012), que trazia Tyler Perry como Alex Cross. Talvez o problema tenha sido
adaptar os romances de Patterson como filmes e não como séries, já que Detetive Alex Cross mostra que o
personagem funciona melhor nesse formato.
O anúncio de que o recente Batman(2022) ganharia uma série
derivada centrada no Pinguim (Colin Farrell) não me soava muito interessante.
Parecia mais o tipo de tentativa de forçar mais um universo compartilhado cheio
de spin offs do que algo que partia
de alguma premissa interessante. Os primeiros episódios de Pinguim reforçaram um pouco essa impressão, já que apesar de um
drama competente, tudo soava muito derivativo. O protagonista, com seu ego
instável, sociopatia violenta, relação tóxica com a mãe e Complexo de Édipo mal
resolvido remetiam tanto ao Tony Soprano que a série parecia ser basicamente um
Família Soprano situado no universo
do Batman.
Aproveitando sua boa fase como
vilão nos filmes do Paddington ou no divertido e pouco visto Dungeons & Dragons: Honra Entre Rebeldes
(2023), Hugh Grant resolve fazer um vilão de terror neste Herege. A produção visa ser um questionamento sobre fé e
instituições religiosas conta a história de duas missionárias mórmons, Barnes
(Sophie Tatcher) e Paxton (Chloe East), que se veem presas na casa do estranho
Sr. Reed (Hugh Grant) depois dele convidá-las para falar mais do mormonismo. Na
casa, Reed irá testar as convicções delas em situações que começam desconfortáveis,
se tornam tensas e logo se transformam em desafios mortais.
Hoje na coluna Drops, dedicada a
textos mais curtos, vou falar sobre dois filmes que acabei deixando passar
quando foram exibidos nos cinemas, Transformers:
O Início e Hellboy e o Homem Torto,
dois filmes que funcionam como recomeços para seus respectivos personagens.
Aventura “padrão Marvel”
Transformers: O Início acompanha a história de dois mineradores,
Orion Pax (Chris Hemsworth) e D-16 (Bryan Tyree Henry, de Atlanta) antes que eles se tornem os lendários Optimus Prime e
Megatron respectivamente. A trama mostra uma Cybertron arruinada, que depende
da constante mineração de energon para sobreviver enquanto o líder, Sentinel
Prime busca a mítica matriz da liderança para resolver o problema de energia do
planeta.
Desde o início incomoda como o
filme se apoia no expediente de ter seus personagens trocando piadinhas ou
diálogos engraçadinhos o tempo todo, muitas vezes comentando a própria trama,
como se esse tipo de humor “padrão Marvel” fosse um substituto para personagens
sem personalidade ou para uma trama mal escrita (tentar rir de um roteiro ruim
não é por si só engraçado). Isso é principalmente evidente em B-127 (que virará
o Bumblebee), cujo falatório constante é mais constrangedor e irritante do que
engraçado, e em Elita-1 (Scarlett Johansson), que é reduzida à “a garota”, se
limitando a reagir exasperada às ações dos demais personagens de maneira tão
clichê que imaginei que em algum momento ela fosse jogar os braços para cima e
dizer “ah, homens” aborrecida.
Depois de reunir Matt Damon e
Casey Affleck com o fraco Os Provocadores, a AppleTV volta a promover mais uma mini reunião de Onze Homens e um Segredo (2001) ao
juntar novamente Brad Pitt e George Clooney neste Lobos. Infelizmente assim como Os
Provocadores o resultado aqui é um thriller
morno
Operativos discretos
Na trama, Clooney é um mercenário
especialista em fazer desaparecer as indiscrições dos poderosos. Ele é
contratado pela promotora Margaret (Amy Ryan) depois que um jovem com quem ela
está tendo um caso aparentemente morre em seu quarto de hotel. O problema é que
os donos do hotel também contrataram seu próprio mercenário no operativo vivido
por Brad Pitt. Como os dois clientes têm seus próprios interesses a proteger,
os mercenários são obrigados a trabalharem juntos. As coisas se complicam
quando os dois encontram uma quantidade enorme de drogas na mochila do garoto
morto e precisam descobrir a quem as drogas pertencem para que os donos não
mirem em seus clientes.
Chegando a sua terceira
temporada, O Poder e a Lei funciona
como uma espécie de série conforto para mim. Não tem nada de novo em termos de
drama de tribunal, mas executa esses elementos com competência e carisma para
me manter interessado mesmo que eu perceba todos os lugares comuns em cena.
Lei para quem precisa
A trama segue onde o segundo ano parou, com Mickey (Manuel Garcia-Rulfo) tentando descobrir quem matou sua
antiga cliente, Gloria (Fiona Rene), ao mesmo tempo em que defende o homem
acusado de matá-la, Julian (Devon Graye), a quem Mickey considera inocente.
Para o advogado inocentar Julian o levará diretamente ao culpado pela morte de
Gloria, mas isso o coloca em meio a uma perigosa teia de crimes.
Uma mulher enlutada pela morte do
filho vai até o parque florestal em que ele morreu com o intento de se matar.
Lá ela conhece um estranho que a convence a desistir do suicídio, mas logo a
derruba com uma arma de choque e a leva cativa. Ela tenta se libertar, mas
descobre que foi drogada com um paralisante potente que em questão de minutos
irá travar seus músculos, então ela precisa correr contra o tempo.
Estreia da atriz Anna Kendrick
como diretora, A Garota da Vez parte
de uma história real para analisar as tensões de navegar no mundo sendo mulher
sob o constante temor de que os homens ao seu redor se revelem abusivos ou
violentos. A trama acompanha Sheryl (Anna Kendrick), uma aspirante a atriz cuja
carreira não consegue decolar. A agente de Sheryl consegue para ela uma
participação em um game show ao
estilo Namoro na TV, no qual ela deve ser uma garota interessada em conseguir
um namorado e precisa escolher entre três solteiros que ela não vê e vai
conhecer apenas através de perguntas. O problema é que um desses solteiros,
Rodney (Daniel Zovatto), é um serial
killer.
Mulheres objeto
Já na primeira cena com Sheryl em
um teste de elenco o filme ilustra como Hollywood é um espaço que objetifica
mulheres ao mostrar os dois produtores de elenco cochichando sobre a aparência
da personagem enquanto a câmera abre o plano para mostrar que Sheryl está em pé
bem diante deles. O final da cena, em que eles mudam de atitude no instante em
que ela diz não se interessar por fazer cenas com nudez reforça a ideia de que
ela está ali para servir ao olhar masculino.
Ao longo de todo o arco de Sheryl
isso é constantemente reforçado pelas interações entre ela e outros homens e
pelo modo como Kendrick filma essas situações. Seja em closes ou em planos mais
abertos, os homens estão sempre entrando em quadro para encostar na personagem
ou tocar seu rosto, como se invadissem seu espaço pessoal. Essas interações são
sempre marcadas com um senso de desconforto, como na conversa que ela tem em um
bar com o vizinho Terry (Pete Holmes), na qual ela acaba cedendo aos seus
avanços apesar de inicialmente rejeitá-lo. Como na cena com os produtores de
elenco, é visível como Terry muda de atitude no momento em que percebe que não
irá conseguir o que quer dela e Sheryl decide ceder talvez por medo de sua
reação ou por receio de alienar o único amigo que tem na cidade.
O senso de objetificação se
reforça quando ela chega no set do programa no qual o apresentador vivido por
Tony Hale constantemente comenta sobre a aparência de Sheryl, toca em seu corpo
e diz que ela está ali apenas para ser bonita. Não à toa que o pequeno gesto de
resistência da atriz de sair do roteiro e fazer perguntas jocosas aos
candidatos que expõem o seu machismo é recebida com fúria pelo apresentador.
Nesse sentido, o fato de Rodney dar todas as “respostas certas” soando como um
cara legal mostra que não há padrão para homens abusivos e mesmo alguém que soa
bacana ou inofensivo pode ser um potencial agressor, criando um senso de tensão
crescente conforme Sheryl se aproxima de Rodney e demora a perceber sua real
natureza.
Muitas vítimas, pouco tempo
A questão é a despeito de ideias
interessantes e composições de planos cuidadosas, o filme derrapa em um
material que tenta abrir várias frentes narrativas simultâneas, mas não
desenvolve quase nenhuma a contento. A espectadora do programa que reconhece
Rodney como o estuprador de sua amiga está ali só para mostrar como mulheres
são ignoradas ou silenciadas em suas denúncias, seja por quem detêm poder, como
os funcionários do estúdio que a ignoram, ou de quem está próxima dela, como o
namorado, que a trata como doida ao invés de acreditar no que ela diz. A
personagem existe mais como uma engrenagem em um mecanismo e menos como uma
pessoa autônoma dotada de suas próprias motivações.
Os segmentos que mostram o
passado de Rodney e como ele constantemente matava com impunidade ou evadia
autoridades enquanto mantinha emprego em grandes jornais e instituições
similares tenta reforçar a existência de estruturas de poder que protegem
homens abusivos e entender como esse predador age, mas fica na superfície
dessas ideias. Ocasionalmente o filme aponta para questões subjacentes da
personalidade de Rodney, como as várias sugestões de que ele se interessa por
homens, mas não faz nada com esse dado.
A narrativa também passa algum
tempo com as vítimas do assassino, revelando como ele é um predador astuto,
sempre se aproximando de mulheres sozinhas ou em situação de vulnerabilidade. O
desfecho, que nos faz acompanhar uma sobrevivente de seus ataques, analisa como
a sobrevivência dela se relaciona em tentar manter um senso de normalidade com
seu abusador, agindo como se nada demais tivesse acontecido para ganhar tempo
para escapar. O problema é que passamos muito pouco tempo com essa personagem
para que seu arco tenha o impacto devido e, considerando que é ela a
responsável pela captura do assassino me pergunto por que não seria sua
história a central para a trama ao invés da trama de Sheryl, que não seria muito
mais que uma nota de rodapé na trajetória do assassino.
Do jeito que está, A Garota da Vez fica na superfície de
seus temas principais, apontando os abusos e os mecanismos que facilitam sua
perpetuação, mas fazendo pouco para analisar seu funcionamento, se dividindo em
múltiplas tramas que não saem da superfície. É competente na construção do
senso de desconforto experimentado por Sheryl no seu cotidiano e Anna Kendrick
se mostra muito consciente das escolhas que faz como diretora, uma pena o texto
não estar à altura disso.
Estreia da atriz Zoe Kravitz como
diretora, Pisque Duas Vezes é um
suspense sobre manipulação e abuso que não se esquiva de lidar com os aspectos
mais sombrios desse tipo de violência. Em alguns momentos não é um filme fácil
de assistir, mas não deixa de funcionar como uma impactante reflexão de como
esse tipo de violência funciona.
Ilha do esquecimento
A trama é centrada na garçonete
Frida (Naomi Ackie). Um dia ela vai com a amiga Jess (Alia Shawkat) a uma festa
e conhece o bilionário da tecnologia Slater (Channing Tatum). Ele as convida
para passar uns dias em sua ilha particular e a dupla aceita. Chegando lá
conhecem outros amigos e amigas do bilionário e passam seus dias na piscina,
tomando drinks, comendo comida refinada e em festas que nunca terminam. Com o
tempo, porém, Frida começa a se sentir esquisita, já que a proibição de
celulares ou relógios a faz perder noção de há quanto tempo está ali e
ocorrências estranhas, como outros convidados sumindo e ninguém lembrando
deles, a fazem suspeitar de que há algo muito estranho ocorrendo ali.
Tramas sobre trocas de corpos são
propícias para suspense. O fato de não sabermos quem está no corpo de quem é um
mecanismo de constante tensão e que pode ser usado para gerar reviravoltas. Identidades em Jogo tenta se construir
em cima dessa ideia, mas uma demora em engrenar e um olhar raso para seus
personagens deixa a produção aquém de seu potencial.
Como em muitos outros filmes dos
irmãos Coen Garotas em Fuga apresenta
uma trama sobre pessoas comuns acidentalmente envolvidas em uma trama criminal.
Despreparadas para lidar com os eventos ao seu redor, as personagens agem de
maneira sem noção e provocam reações desproporcionais em seus perseguidores,
criando uma espécie de bola de neve crescente de burrice e caos. Dirigida por
Ethan Coen, a produção não tem nada que ele já não tenha feito antes, mas ao
menos envolve com suas personagens pitorescas.
Comédia de erros
A trama é centrada em Jamie
(Margaret Qualley), que busca um recomeço depois de terminar com a namorada,
Sukie (Beanie Feldstein), embarca em uma viagem para a Flórida ao lado de sua
amiga Marian (Geraldine Viswanathan). O problema é que o carro que elas
alugaram deveria ser entregue a um grupo de criminosos que iria transportar a
carga escondida nele até a Flórida e agora os criminosos estão no encalço das
duas.
Muito do humor vem das
personalidades opostas da dupla principal, com Jamie sendo aventureira e
disposta a qualquer maluquice enquanto Marian é mais retraída e introspectiva.
Boa parte das situações insólitas em que a dupla se coloca vem de Jamie querer
que Marian se solte e tenha uma transa espetacular com alguma garota que
encontrem na estrada, enquanto Marian prefere esperar pela garota ideal.
Universo caótico
Além das protagonistas, o filme
povoa seu universo com figuras esquisitas e histriônicas, como a dupla de
capangas no encalço de Jamie e Marian, que estão sempre discordando e
questionando o modo de agir um do outro, enquanto um quer ser mais violento o
outro tenta resolver via diálogo, um embate que terá consequências sangrentas
perto do final. Igualmente pitoresca é a agressiva policial vivida por Beanie
Feldstein que parece sempre reagir a qualquer situação com o máximo de intensidade,
que faça sentido para o momento ou não.
Esse senso de bizarrice se dá
também na própria progressão da trama, com guinadas que acontecem por conta de
coincidências ou desencontros fortuitos e revelações completamente absurdas. A
principal delas é a descoberta do que há na maleta escondida no carro de Jamie
e Marian e o motivo de um poderoso e conservador senador da Flórida
(interpretado por Matt Damon) estar tão focado em recuperá-la. De todas as
possibilidades de construir uma trama de escândalo político, o filme escolhe
pela via mais estúpida e aloprada possível. Há uma crítica aqui às hipocrisias
dessas figuras públicas que arrotam moralismo em prol da “família tradicional”,
mas são observações que nunca saem da superfície e carecem da acidez de sátiras
sociais que os Coen já fizeram em filmes como Fargo (1996), O Grande Lebowski(1998) ou Queime Depois de
Ler (2006).
Assim, Garotas em Fuga diverte pelo seu universo povoado por personagens
excêntricos, ainda que não faça nada que os Coen não tenham feito melhor em
trabalhos anteriores.
É impressionante como os filmes
da parceria entre a Blumhouse e a Prime Video partem de boas premissas, mas
ficam aquém de seu potencial. Aconteceu em Noturno(2020), em A Babá(2022) e agora
volta a acontecer neste A Casa Mórbida,
cuja premissa pode ser resumida com “e se O Ursose passasse em uma casa mal assombrada?” para tentar desenvolver um
“horror gastronômico”.
Quando estreou a primeira
temporada de Monstros, nova série de
antologia sobre crimes reais produzidas por Ryan Murphy, acabei deixando de
conferir a história do assassino Jeffrey Dahmer por já estar saturado na época
de séries “true crime”. A série chega a sua segunda temporada com este Monstros: Irmãos Menendez Assassinos dos
Pais contando o caso de dois irmãos que mataram os pais no final da década
de 80. Eu tinha ouvido falar do caso algumas vezes, mas nunca soube muito à
respeito, então resolvi conferir a série.
A narrativa acompanha os irmãos
Lyle (Nicholas Alexander Chavez) e Erik Menedez (Cooper Koch) que em 1989
assassinam o pai, José (Javier Bardem), e a mãe, Kitty (Chloe Sevigny), com
múltiplos tiros de espingarda. O crime chamou atenção pela crueldade e pelo
fato de que os irmãos inicialmente tentaram culpar a máfia pela execução dos
pais, tentando sugerir que o pai, um rico empresário da indústria fonográfica,
estava envolvido com o crime organizado. O caminho até a eventual condenação
dos irmãos levou quase uma década e foi marcado por denúncias de abusos físicos
e sexuais que José Menendez teria cometido contra eles.
Apesar do título em português
evocar um suspense investigativo, Assassinato
em Gosford Park é um drama mais interessado no que o assassinato no centro
da trama movimenta entre os diferentes personagens que habitam a luxuosa mansão
britânica na qual a narrativa se passa do que no crime em si. É um filme sobre
questões de classe social e como a criadagem é tratada de forma invisível, com
os funcionários usando essa invisibilidade a seu favor.
A narrativa se passa em 1932 e
acompanha um final de semana na propriedade de Gosford Park, chefiada pelo
truculento William McCordle (Michael Gambon). A propriedade abriga no final de
semana membros proeminentes da sociedade britânica, como lady Constance
Trentham (Maggie Smith), a filha de McCordle, Sylvia (Kristin Scott Thomas),
Raymond Stockbridge (Charles Dance), além de convidados estrangeiros como o
produtor de cinema Morris Weissman (Bob Balaban). Esses ricos vem acompanhados
de seus criados, como Mary (Kelly Macdonald), que serve lady Trentham, ou Henry
(Ryan Philippe) assistente de Weissman que acaba sendo colocado junto com os
outros criados, além da própria equipe da mansão, como a sra. Wilson (Helen
Mirren), Elsie (Emily Watson), George (Richard E. Grant) e o chefe dos criados,
o sr. Jennings (Alan Bates).
Nunca li os livros de Jo Nesbo,
mas meu contato com adaptações de suas obras não foi dos melhores. Primeiro com
o péssimo Boneco de Neve(2017) e
agora com este fraco Calor Mortífero,
produção da Prime Video que adapta o conto O
Homem Ciumento de Nesbo.
Mistério requentado
A trama se passa na Grécia e
acompanha o detetive particular Nick Bali (Joseph Gordon Levitt) contratado
pela socialite Penelope (Shailene Woodley) para investigar a morte de seu
cunhado Leo (Richard Madden). Leo teria morrido ao cair de um penhasco durante
uma escalada livre (sem equipamentos), com a morte sendo considerada um
acidente. Penelope, no entanto, desconfia de algo, já que o controle da empresa
da família está em jogo, contrata o detetive. As principais suspeitas recaem
sobre Elias (Richard Madden), irmão gêmeo de Leo e marido de Penelope, e Audrey
(Claire Holman), a controladora mãe dos gêmeos.
Se não me engano foi o crítico Roger
Ebert que disse que um filme bom nunca é longo o bastante e um filme ruim nunca
é curto o bastante. Isso se aplica perfeitamente a este O Cara da Piscina, cujos meros cem minutos de duração se
transformam em algo tão dolorosamente excruciante que o filme parece ter mais
de quatro horas de duração.
A trama é centrada em Darren (Chris
Pine), um tratador de piscinas hiponga, conspiracionista, metido a filósofo e
ativista político, sempre cobrando mudanças nas linhas de ônibus na câmara de
vereadores. Quando ele esbarra em um escândalo envolvendo o presidente da
câmara, Stephen Toronkowski (Stephen Tobolowski), que pode estar recebendo
propina do magnata imobiliário Theodore Hollandaise (Clancy Brown) para aprovar
um grande empreendimento, Darren decide investigar a questão. No meio do
caminho encontra a femme fatale June
(DeWanda Wise) e mais uma série de personagens pitorescos.
Reunindo Casey Affleck e Matt
Damon depois de ambos dividirem a cena na trilogia Onze Homens e Um Segredo, Os Provocadores tenta ser um filme de
roubo que mistura comédia e algum comentário político. A trama segue Rory (Matt
Damon) e Cobby (Casey Affleck), dois sujeitos que estão em um péssimo momento
de suas vidas que aceitam a proposta do pequeno criminoso Scalvo (Jack Harlow,
do fraco remake de Homens Brancos Não Sabem Enterrar) para roubarem o dinheiro de propina que o prefeito Miccelli
(Ron Perlman) tem escondido em um cofre. O assalto dá errado e agora Rory e
Cobby são homens procurados precisando encontrar um meio de fugirem da cidade,
indo pedir ajuda à terapeuta de Rory, a dra. Rivera (Hong Chau).
Um sujeito leva a filha para o
show de uma diva pop e se espanta com o volume de policiais no local. Ele logo
fica sabendo que as autoridades montaram no show uma armadilha para prender um
perigoso assassino em série ao saberem que ele estaria lá. O problema é que o
sujeito é o assassino que polícia procura. Novo filme do M. Night Shyamalan, Armadilha parte de uma premissa que
parece saída de um suspense B e abraça completamente essa natureza, talvez o
filme de sensibilidade mais B do diretor desde A Visita (2015).
A prisão do pop
Cooper (Josh Hartnett) está com a
filha no show da cantora pop Lady Rave (Saleka Shyamalan, filha do diretor). Ao
descobrir que a polícia montou uma armadilha para prendê-lo ele usa todas as
suas habilidades para encontrar um meio de fugir do local ao mesmo tempo em que
tenta manter sua fachada diante da filha.
A narrativa tem sua parcela de
conveniências, como o fato de Cooper constantemente encontrar pessoas que
revelam facilmente os segredos da operação ou algumas soluções pouco
plausíveis, como o avental roubado de um funcionário estar com a carteira do
sujeito dentro para que Cooper possa usar um documento para sair de um
problema. Muito disso, no entanto, é tratado com alguma medida de humor, parte
da autoconsciência que o filme exibe a respeito de toda a sua vibe de filme B.
Hartnett, que vem experimentando
uma renascença na carreira com participações em produções como Black Mirrorou Oppenheimer (2023), é ótimo em construir a dualidade de Cooper. Um
pai amoroso, que parece se importar de verdade com a filha e quer mantê-la
longe de sua faceta mais sombria, e um assassino ardiloso e cruel que não se
importa em mentir, manipular ou ferir os outros para conseguir o que quer. A
composição de Harnett mostra aos poucos as rachaduras que vão aparecendo em sua
fachada de cidadão pacato, ficando mais agitado e com mais dificuldade de se
manter no controle.
Esse desvelamento da
personalidade do protagonista se dá também pelo modo como Shyamalan o filma,
recorrendo a closes mais fechados ou planos detalhe de pequenos tiques e
expressões do personagem que revelam sua tensão e gradual perda de controle,
além de ressaltar a sensação de acuamento e como as opções e espaços estão
diminuindo ao seu redor. A narrativa se equilibra em uma corda bamba tonal,
tentando ao mesmo tempo nos fazer temer Cooper por sua natureza cruel e
implacável e fazer nos importarmos com sua relação com a filha, a exemplo de
toda a subtrama envolvendo a briga da filha com uma colega de escola. Essas
duas facetas eventualmente convergem, como no momento em que Cooper convence a
produção do show a escolher sua filha para ser chamada para dançar com Lady
Raven no palco, simultaneamente conseguindo acesso aos bastidores da arena e
fazendo a filha provocar ciúmes na patricinha que a maltratou.
O caos da liberdade
É uma pena que toda essa
construção cuidadosa e o crescimento da tensão desmoronem assim que a narrativa
deixa o estádio. A impressão é que Shyamalan tinha umas três ideias diferentes
de como encerrar sua narrativa e resolveu executar todas ao mesmo tempo,
resultando em um vai e vêm constante de caminhos narrativos, reviravoltas que
se acumulam tão rápido que não causam o impacto devido e soluções tão
convenientes que mesmo no clima de excesso do filme soam pouco críveis.
A revelação envolvendo a
personagem de Alison Pill, por exemplo, falha em ser a grande reviravolta que o
filme a conduz para ser por soar desonesta. A personagem aparece muito tarde e
muito pouco para sentirmos que aquela é uma guinada inesperada que ressignifica
o que achávamos entender da dinâmica daquelas personagens e mais algo que o
roteiro tira da cartola no último minuto porque precisava chocar o espectador.
Para funcionar como o filme esperava que funcionasse era preciso apresentar a
personagem antes, mostrar o estado da relação de Cooper com ela e ir
construindo alguma medida subjacente de ambiguidade.
É mais um exemplo que mostra como
Shyamalan é um ótimo diretor, mas um péssimo roteirista, algo que já mencionei
quando escrevi sobre Batem à Porta(2023).
Shyamalan só tinha a ganhar se concentrasse seus esforços na direção e tivesse
alguém para desenvolver os roteiros ao seu lado a partir dos argumentos que ele
próprio cria.
Armadilha vale pelo modo como constrói o senso crescente de tensão
no jogo de gato e rato entre o protagonista e seus perseguidores, bem como na
dualidade que traz ao protagonista, sendo lamentável que ele se perca no
clímax, desperdiçando o seu próprio potencial.