sábado, 8 de março de 2014

Crítica – Tudo Por um Furo

Apesar do péssimo título nacional não deixar claro, este Tudo Por Um Furo é uma continuação da ótima comédia O Âncora: A Lenda de Ron Burgundy (2004), o que é uma pena já que algumas piadas dependem do conhecimento do primeiro filme para funcionar. Não que seja um produto que não se sustenta por conta própria, mas quem não viu o primeiro filme provavelmente passará batido por certos momentos que fazem graça em cima de eventos ou piadas do filme anterior.

A trama se passa alguns anos depois do primeiro, agora no fim dos anos 70, com Ron Burgundy (Will Ferrell) separado de sua esposa, Veronica (Christina Applegate), depois de ser preterido em uma promoção no trabalho. Agora a única chance do âncora em voltar ao topo é aceitar emprego em um novo canal que irá transmitir apenas notícias 24 horas por dia e, para isso, precisará reunir novamente sua equipe de repórteres formada pelo caipira Champ (David Koechner), o conquistador Brian (Paul Rudd) e o patologicamente estúpido Brick (Steve Carrell). Em seu caminho estará o charmoso repórter Jack (James Marsden) e sua produtora Linda (Meagan Good).

O passar dos anos não mudou muita coisa em Ron e sua turma, eles continuam um bando de sujeitos estúpidos, egocêntricos, imaturos, machistas e preconceituosos. No entanto, diferente de porcarias como Gente Grande 2 ou O Concurso que celebram, endossam e reproduzem uma miríade de estereótipos ofensivos, Tudo Por um Furo não quer nos fazer rir as custas de uma redução preconceituosa e rasteira, mas do ridículo e da burrice daqueles que proferem essas ofensas. Afinal, Ron e seus amigos proferem absurdos homéricos sem sequer perceberem os enormes equívocos que cometem e achando absolutamente normal tudo que dizem. Isso fica bastante claro na hilária cena em que Ron vai jantar na casa de Linda e para tentar “se misturar” com a família negra passa a repetir diversas gírias raciais ofensivas, provocando a ira de todos sem que o estúpido repórter compreenda os motivos da raiva, se considerando uma ótima visita.

Crítica – Walt nos Bastidores de Mary Poppins

Análise Walt nos Bastidores de Mary Poppins

Review Walt nos Bastidores de Mary Poppins
Com tanta reverência em torno de sua figura, é de espantar que Walt Disney até hoje não tenha sido retratado em um filme produzido pelo estúdio com seu nome. Na verdade este Walt nos Bastidores de Mary Poppins é muito mais sobre P. L. Travers, a criadora de Mary Poppins, do que o próprio Disney, mas ainda assim é a primeira vez que um filme aborda eventos da vida do dono do estúdio, trazendo-o como um dos personagens.
A trama acompanha o processo de produção do filme Mary Poppins(1964) e as dificuldades de Walt Disney (Tom Hanks) em convencer Travers (Emma Thompson) a vender os direitos de sua obra para a realização do filme. Altamente protetora, a autora discorda de praticamente tudo que o dono de estúdio lhe propõe para o filme e mesmo com todas as tentativas de Disney, dos roteiristas e compositores, a escritora parece inflexível em ceder a personagem e suas razões vão sendo desnudadas conforme o filme progride.
Os flashbacks da infância de Travers se revelam um recurso bastante irregular do filme. Por um lado temos uma ótima performance de Colin Farrel como o banqueiro pai da escritora e como seu trabalho vai aos poucos dando indícios de sua decadência devido à bebida. Parecendo inicialmente um pai bastante ligado às filhas, brincando e contando histórias, vamos percebendo que seus contos imaginativos são fruto de um escapismo nem um pouco saudável que acaba se transformando em alcoolismo. Por outro lado, muitas vezes os flashbacks são usados apenas para revelar um paralelismo entre a Travers do presente e do passado, tentado demonstrar, de maneira rasteira e óbvia, que por trás de sua rigidez ela continuaria aquela mesma menina triste querendo agradar o pai. Além disso, esses usos despropositados acabam quebrando o ritmo da narrativa.

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Crítica – Inside Llewyn Davis: Balada de um Homem Comum

Análise Inside Llewyn Davis: Balada de um Homem Comum

Review Inside Llewyn Davis: Balada de um Homem ComumO mundo das artes é um ambiente difícil, muitas vezes o reconhecimento demora a chegar e demora também para que conseguir se sustentar apenas com a arte. Para muitos, inclusive, o reconhecimento nunca chega e estes se voltam para outras ocupações ou morrem desconhecidos e com o mundo da música não é diferente. Alguns se tornam músicos pela fama, outros pelo dinheiro, mas muitos o fazem pelo amor a arte, porque a usam para tirar algo do fundo de suas almas e expor para mundo. Inside Llewyn Davis: Balada de um Homem Comum trata sobre as dificuldades do meio musical, afinal além de arte a música é também um comércio, uma indústria, e para ser reconhecido, se destacar e se sustentar, não basta ser um artista competente, outros atributos são necessários e as vezes grandes artistas acabam no anonimato por não serem “comercialmente viáveis”.
A trama é levemente baseada na vida do músico Dave Van Ronk (1936-2002), músico importante do cenário da musica folk de Greenwich Village nos anos 60 de onde saíram artistas famosos como Bob Dylan. O filme acompanha Llewyn Davis (Oscar Isaac) e seus percalços para tentar vencer como músico. Sem dinheiro, Llewyn vive como um eremita dormindo na casa de amigos enquanto espera seu agente mandar material para o famoso empresário Bud Grossman (F. Murray Abraham), que pode fazer sua carreira deslanchar.

Crítica – 12 Anos de Escravidão


Análise 12 Anos de Escravidão 

Review 12 Anos de EscravidãoA escravidão já foi tema de diversos filmes das mais variadas cinematografias do mundo. Pode até parecer um tema batido para se fazer um filme hoje, mas se olharmos a nossa volta em qualquer país com uma herança escravocrata (como o Brasil) veremos que suas marcas ainda estão presentes. Quando falei sobre o competente Fruitvale Station: A Última Parada (com o qual este filme faria uma interessante sessão dupla) falei sobre como o filme não era apenas uma denúncia de violência policial, mas um atestado da falta de alteridade e ao assistirmos este 12 Anos de Escravidão do diretor Steve McQueen vemos de onde vem esse distanciamento e as horrendas consequências que ele provoca.
A trama segue a história real de Solomon Northup (Chiwetel Ejiofor), um homem negro livre que, em 1841, foi sequestrado e vendido como escravo e por doze anos viveu como trabalhador escravo em diversas propriedades dos Estados Unidos. A partir daí o filme irá mostrar não apenas a jornada de Solomon, mas como a escravidão é um construto social aberrante que desumaniza e degrada tanto vítima quanto algoz, permitindo a barbárie e a violência imperem.
Afinal, mesmo um fazendeiro menos impiedoso como Ford (Benedict Cumberbatch) que tenta tratá-los com gentileza ainda os vê como uma propriedade da qual pode dispor como quiser e mesmo todos os confortos que fornece não muda o fato que ainda assim estão todos cativos ali e desprovidos de liberdade, sujeitos aos caprichos de seu senhor e aos arroubos violentos dos capatazes. A naturalização deste comportamento brutal e desumano fica terrivelmente clara no incômodo plano-sequência em que Solomon é mantido preso pelo pescoço em uma corda, debatendo-se em agonia, e todas as pessoas ao seu redor, tanto escravos quanto membros da “casa grande”, seguem com suas atividades sem se importar com o homem às portas da morte que agoniza diante deles. Crianças brincam, mulheres lavam roupa e a esposa de Ford o observa da varanda como se visse um boi a ser abatido e não um ser humano.

Crítica – Clube de Compras Dallas

Na década de 80 ser diagnosticado com AIDS era praticamente receber uma sentença de morte iminente, pouco se sabia sobre como tratar a doença e muitos medicamentos ainda estavam em fase de testes e traziam em si uma enorme quantidade de contraindicações que poderiam até mesmo acelerar a morte do paciente. Isso sem falar em todo o preconceito que havia em torno dos portadores da doença, devido à falta de conhecimento da população sobre como ela se espalhava. Clube de Compras Dallas trata desse período, quando AIDS ainda era considerada uma doença de gays e as pessoas eram abertamente homofóbicas.
A história é centrada em Ron Woodroof (Mattew McConaughey) um eletricista que leva uma vida desregrada em consumo de álcool, drogas e praticando sexo sem proteção com diversas parceiras. Tudo isso desmorona quando, em 1985, Ron é diagnosticado com AIDS recebendo a notícia de que provavelmente estará morto em um mês. Desesperado, resolve se submeter ao tratamento experimental da droga AZT, que ainda estava sendo testado na época, mas o medicamento apenas o deixa mais debilitado. Assim, Ron segue em busca de outras formas de tratamento e encontra medicamentos aparentemente mais eficazes, mas que são ilegais nos Estados Unidos. Sem outra escolha, Ron começa a traficar os medicamentos para o país e tem a ideia de revendê-los para outras pessoas com a doença, logo o negócio se expande e ele inicia uma parceria com o travesti Rayon (Jared Leto), também soropositivo, para fundar o Clube de Compras Dallas para distribuir medicamentos a soropositivos que pagarem uma taxa mensal.

Crítica – Ela

Análise Ela


Review Her ElaRelacionamentos não são uma coisa fácil, por mais que haja amor, compreensão, coisas em comum e o desejo genuíno de ficar junto, sempre serão duas pessoas diferentes, com experiências diferentes e olhares diferentes sobre o mundo. Com o tempo é inevitável que essas diferenças colidam, que as personalidades se choquem e as coisas cheguem a um ponto que não é possível mais seguir em frente. Lidar com as dores do fim de uma relação, bem como entender a nossa conflituosa relação com uma tecnologia que nos aproxima, mas ao mesmo tempo nos distancia é o cerne deste sensível Ela.
No filme, Theodore (Joaquin Phoenix) é um solitário e melancólico escritor que não consegue superar o fim de seu casamento com Catherine (Rooney Mara) e tem sua solidão preenchida pela inteligência artificial Samantha (Scarlett Johansson), que vai aos poucos se revelando ser mais do que apenas uma voz em um computador e cria profundos laços afetivos e até românticos com seu dono.
Claro, o namoro tem lá seus problemas, parte deles derivado do fato de que uma das partes é uma inteligência artificial sem corpo, mas outros são simplesmente problemas comuns que surgem em qualquer relacionamento, como distanciamento emocional ou ciúmes. Neste ponto, a direção de Spike Jonze é bem cuidadosa em não julgar os personagens, tratando a relação de forma completamente normal. Tanto que quando eles começam a trocar palavras mais, digamos, picantes, a câmera se afasta, nos deixando apenas com a tela escura enquanto ouvimos as palavras dos dois, como se fosse um momento tão íntimo que devêssemos observá-los ou para nos deixar imaginando que estão fazendo, além disso nos faz compartilhar da experiência sensorial dos dois personagens já que basicamente o que tem um do outro é a voz.

Crítica – Robocop

Quando anunciaram que seria feito um remake do Robocop (1987), do holandês Paul Verhoeven, muita gente torceu o nariz, afinal, o filme e sua crítica ácida e cínica à banalização da violência e ao totalitarismo corporativo dialogam tanto com a sociedade atual quanto à do fim dos anos 80. Claro, as duas horrendas sequências que o filme teve ajudaram a dar a impressão de que o filme do Verhoeven era algo único e que não poderia ser reproduzido, os que dizem isso estão, de certa forma, corretos, já que o diretor tinha mesmo uma visão própria que dificilmente poderia ser reproduzida por outro realizador. O brasileiro José Padilha sabe disso e inteligentemente não tenta reproduzir aqui a visão do diretor holandês, mas apresentar seu próprio olhar sobre o personagem e o que seria relevante para ele nos dias de hoje.
A trama é praticamente a mesma do original. Alex Murphy (Joel Kinnaman) é um policial honesto em uma Detroit mergulhada no crime. Quando ele e seu parceiro Lewis (Michael K. Williams) se aproximam de um perigoso traficante, Murphy leva a pior. Diferente do original, Alex não morre aqui, mas fica gravemente ferido e a perigo de se tornar um vegetal para o resto da vida. A esposa de Murphy, Clara (Abbie Cornish), é então abordada pelo Dr. Norton (Gary Oldman) e executivos da multinacional Omnicorp para realizar um complexo procedimento que poderá salvar a vida do policial, praticamente transformando-o em uma máquina. Logicamente, os interesses da corporação e seu presidente (Michael Keaton) não são apenas salvar vidas, mas criar um protótipo de policial ciborgue para atrair a simpatia da população de modo a revogar a lei que proíbe o uso robôs em solo americano, apesar das forças armadas os usarem em outros países.

Crítica – Philomena


Análise Philomena

Review PhilomenaNa superfície Philomena parecia ser mais um daqueles melodramas convencionais baseados em casos reais que sempre surgem na época de Oscar e outras premiações para tentar amealhar algumas indicações e prêmios de modo a aumentar visibilidade e arrecadação. Daqueles que oferecem lágrimas e risos na medida certa e mandam todo mundo feliz e emocionado na volta para casa, mas que não tem nada demais. Felizmente não é isso que acontece e Philomena é um filme muito bem conduzido, com uma narrativa ágil e reviravoltas que nos atingem feito um soco no estômago e uma sensibilidade sincera que jamais soa forçada ou exagerada.
A trama acompanha o jornalista e ex-assessor do governo britânico Martin Sixsmith (Steve Coogan) que se encontra em depressão depois de ser demitido de modo controverso (algo que o filme jamais explica). Buscando um novo trabalho, acaba encontrando por acaso a idosa Philomena Lee (Judi Dench), uma mulher que foi abandonada pelo pai em um convento ainda adolescente depois de engravidar, teve seu filho vendido para adoção pelas freiras e passou os 50 anos seguintes tentando encontrá-lo. Assim, Sixsmith decide fazer uma matéria acompanhando a aposentada em sua busca para reencontrar o filho.
Os dois formam uma dupla improvável com a personalidade positiva, ingênua e crédula de Philomena contrastando com o cinismo, o sarcasmo e a amargura de Sixsmith, que começa sua pesquisa vendo toda situação apenas como uma forma de faturar. Entretanto, conforme vai desvendando a questão do filho de Philomena, se envolve cada vez mais com a busca e se revolta com o tratamento desonesto preconceituoso e fundamentalmente pouco cristão dado a ela pelas freiras do convento em que foi abandonada.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Crítica – Operação Sombra: Jack Ryan

Depois de uma trilogia de filmes bem sucedida na década de 90 o analista de inteligência Jack Ryan passou alguns anos de molho até Hollywood resolver trazê-lo de volta em A Soma de Todos os Medos(2002), cujo resultado mediano acabou levando o personagem novamente ao ostracismo. Quase dez anos depois temos uma nova tentativa de devolvê-lo ao estrelato com este Operação Sombra: Jack Ryan.
A trama acompanha a primeira missão de Jack Ryan (Chris Pine) como analista de inteligência da CIA. Trabalhando disfarçado em uma empresa de auditoria de Wall Street o agente tem como incumbência encontrar movimentações financeiras suspeitas que possam levá-lo aos financiadores de atividades terroristas.  Quando encontra fundos ocultos nas empresas do milionário Viktor Cherevin (Kenneth Branagh, que também dirige o filme), Ryan precisa ir até a Rússia para investigar uma conspiração que pode provocar o colapso da economia dos Estados Unidos ao mesmo tempo em que precisa ocultar sua profissão de sua namorada (Keira Knightley).
O filme consegue criar com competência um clima de incerteza e tensão, principalmente através das interações entre os personagens, cujos diálogos são tão calculados quanto movimentos em uma partida de xadrez, escolhendo com cuidado cada palavra para construir questionamentos, falsas informações e ameaças veladas para colocar seu antagonista em xeque. O ponto alto de tudo isso são os momentos divididos entre Ryan e Cherevin, no qual cada um tenta descobrir o que o outro sabe ao mesmo tempo em que tentam não permitir que descubram algo sobre si. Kenneth Branagh inclusive faz o vilão como um sujeito que se cobre com um manto de polidez e cultura para ocultar sua brutalidade implacável, transformando-o em um sujeito imprevisível e bastante ameaçador.

Crítica - Uma Aventura Lego

Uma das melhores coisas da infância era poder brincar com qualquer coisa, bonecos, peças de montar, caixas de papelão, usando nossa imaginação para criar universos onde todos os personagens, ambientes e tempos se mesclavam, onde o Batman podia lutar ao lado do Gandalf e um caubói poderia andar a cavalo ao lado de um cavaleiro medieval. É justamente por abordar essa importância do lúdico, da brincadeira e da imaginação que reside o principal mérito deste Uma Aventura Lego, dirigida por Chris Miller e Phil Lord, dupla responsável pelo primeiro Tá Chovendo Hamburguer (2009) e Anjos da Lei (2012), que continuam a exibir aqui a mesma criatividade e humor auto-referencial presente em seus filmes anteriores.
A trama conta a história de Emmet (Chris Pratt) um pacato e comum boneco de Lego que acidentalmente encontra um artefato que é a última esperança de impedir que o presidente Negócios (Will Ferrell) destrua completamente todo o universo Lego. Para tanto ele terá ajuda da misteriosa Lucy (Elizabeth Banks), que consegue construir rapidamente qualquer coisa com quaisquer peças, e o enigmático mago Vitruvius (Morgan Freeman).
A trama progride de maneira bastante movimentada, alternando entre diferentes universos que vão desde uma grande cidade ao velho oeste, passando por alguns bem bizarros que nem sei como definir. O filme ainda conta com participações especiais de diversos personagens de outros filme, livros e quadrinhos (todos como bonecos Lego) como Batman, Superman, Dumbledore, Tartarugas Ninja, entre outros. Tudo isso ajuda a dar um tom despretensioso que faz o filme soar como uma enorme brincadeira infantil, quase como se o roteiro tivesse sido escrito por crianças brincando com Legos, tanto que o filme constantemente faz piada com a enorme quantidade de coincidências e acontecimentos gratuitos que acontecem ao longo da história.