Chega
a ser irônico que um filme cujo protagonista passa boa parte do tempo
reclamando sobre mediocridade e a necessidade de correr riscos seja tão
acomodado e evite tanto se aprofundar em quaisquer dos conflitos e subtramas
que tente desenvolver, mas é exatamente o que este Pegando Fogo faz.
O
chef Adam Jones (Bradley Cooper) tinha uma carreira em ascensão e um futuro
promissor, mas tudo desapareceu em uma espiral de vícios e conduta imprópria
que praticamente enterrou sua carreira. Dois anos depois ele tenta retornar ao
cenário gastronômico e conquistar a quase inalcançável terceira estrela do guia
Michelin. Para isso ele conta com o apoio de alguns antigos amigos como o maitre Tony (Daniel Bruhl), o chef
Michel (Omar Sy) e a novata Helene (Sienna Miller).
É
o típico conto de volta por cima, superação e redescoberta do que torna a
gastronomia tão especial, algo que o adorável Chef (2014) já tinha feito muito bem, mas que aqui não funciona
como deveria graças ao excesso de conflitos e subtramas que nunca são
plenamente desenvolvidas. Não é apenas os próprios traumas que Adam precisa
resolver, ele ainda tem que lidar com um chef rival, Reece (Matthew Rhys), com
um grupo de traficantes para quem deve dinheiro, com sua relação mal resolvida
com seu falecido mentor e sua filha, além do crescente sentimento que tem por
Helene, que, por sua vez, parece ter seus próprios problemas domésticos, já que
as exigências de Adam a fazem passar mais tempo do trabalho e longe da filha.
Parece muita coisa para um filme com apenas 110 minutos e realmente é.
Quando
foi anunciado que haveria um remake
hollywoodiano para o competente suspense argentino O Segredo de Seus Olhos (2009), dirigido por Juan Jose Campanella e
protagonizado por Ricardo Darín, imaginei que seria mais um daqueles projetos
estilo "copia e cola", feito apenas para tornar o produto original
palatável às audiências do país que não gostam muito de filmes que lhes façam
ler legendas (assim como o público brasileiro, diga-se de passagem). Olhos da Justiça é exatamente isso, mas
pelo menos consegue manter a essência do texto original e o faz funcionar.
A
nova trama tira a história da ditadura argentina dos anos 70 para o pós 11 de
setembro nos Estados Unidos quando todos temiam um novo ataque. O agente do FBI
Ray (Chiwetel Ejiofor) é designado para ajudar a procuradoria de Los Angeles a
investigar possíveis ameaças terroristas e lá se apaixona pela promotora Claire
(Nicole Kidman), mas quando a filha de sua colega, Jess (Julia Roberts), é
assassinada e morta perto de uma mesquita que investigavam, o agente coloca de
lado sua missão para ajudar a amiga, mas sua investigação se estende por mais
de uma década.
Com
uma produção que durou quase vinte anos, diversos processos judiciais por
dívidas e uso indevido de verba captada via editais, além de escabrosas
histórias de bastidores (muito bem contadas neste ótimo texto da revista Época)
que provavelmente renderiam um filme por
si só. Tanta coisa depunha contra o filme que chega a ser surpreendente
constatar que, sim, Chatô: O Rei do
Brasil é razoavelmente bom, embora certamente teria mais impacto se tivesse
sido finalizado e lançado lá pelos anos 90 quando começou a ser produzido.
Depois
de tantos anos ouvindo histórias sobre como a megalomania do diretor Guilherme
Fontes afundou a produção e a deixou inviabilizada em dívidas, era fácil
imaginar que o filme resultaria em uma obra bagunçada, cheia de pretensões e
sem direcionamento, mas ao me deparar com o produto final, percebo que o
resultado não foi esse. A obra tem um olhar muito bem definido, tem uma voz
clara à respeito do que quer dizer e, embora derrape aqui e ali, consegue
alcançar o que quer.
No Coração do Mar baseia-se na história real que inspirou o
romancista Herman Melville a escrever Moby
Dick, que veio a se tornar uma das mais emblemáticas obras da literatura de
língua inglesa. Apesar de não ser uma adaptação direta da obra de Melville, o
filme toca em muitos temas semelhantes aos abordados pelo escritor em seu
trabalho.
A
narrativa conta os eventos que ocorreram na expedição do baleeiro Essex que
partiu para o Oceano Pacífico à caça de baleias para extração de óleo e outros
recursos. A trama acompanha o imediato Owen Chase (Chris Hemsworth, mostrando
aqui que seria um ótimo Edward Kenway de Assassin's
Creed: Black Flag), um marinheiro com experiência na caça de baleias, mas
que é preterido na vaga de capitão por um dos herdeiros de companhia marítima,
o inexperiente e arrogante George Pollard (Benjamin Walker), e ambos passam a
se detestar mutuamente. Ao se dirigirem a partes pouco exploradas do oceano nas
quais será mais fácil caçar baleias, a embarcação encontra uma enorme e
poderosa baleia que coloca todos em risco.
Devo
dizer que apesar de apreciar muito o trabalho de Angelina Jolie como atriz, o
mesmo não posso de dizer de seu trabalho como diretora. Não vi seu primeiro
filme atrás das câmeras, Na Terra do Amor
e do Ódio (2011), mas seu trabalho seguinte, Invencível (2014), me soou demasiadamente superficial e carregado
de excessos apesar de belissimamente filmado. Já este À Beira Mar, seu terceiro esforço como diretora, continua
belissimamente filmado, mas também traz os mesmos problemas do trabalho
anterior com ainda mais intensidade.
A
obra acompanha Vanessa (Angelina Jolie) e Roland (Brad Pitt), um casal em crise
que vai passar férias no litoral da França. Enquanto Roland tenta lidar com seu
bloqueio criativo que o impede de escrever, Vanessa passa seus dias observando
um pescador na costa e o jovem casal, Lea (Melanie Laurent) e François (Melvil
Paupaud), que está hospedado no quarto ao lado.
Muitos
dos detratores deste filme irão centrar seus argumentos no fato de ser muito
lento ou de não ser nada mais do que uma banal discussão de relação (a famosa
DR) de mais de duas horas. Nenhum desses dois atributos, no entanto, é o
problema, afinal a trilogia iniciada em Antes
do Amanhecer (1995) é inteiramente baseado em duas pessoas falando sobre si
e suas visões de mundo e são belíssimos filmes, graças aos personagens
complexos e diálogos bem estruturados. O mesmo pode ser dito do sueco Força Maior, um competente estudo de
personagem que se baseia inteiramente nas tragicômicas conversas de um casal em
férias.
Creio
que mais de uma vez aqui (nos textos sobre Aliança do Crimee Êxodo: Deuses e Reis)
falei que não me impressionava com o trabalho do ator Joel Edgerton, apesar de
não considerá-lo um profissional ruim. Pois isso mudou ao vê-lo neste ótimo O Presente, suspense que também foi
escrito e dirigido pelo ator.
Na
história, o casal Simon (Jason Bateman) e Robyn (Rebecca Hall) se muda para uma
nova cidade em busca de recomeço depois de uma crise no relacionamento. Na
cidade, eles reencontram um antigo colega de escola de Simon, o estranho Gordo
(Joel Edgerton). O amigo inicialmente mostra-se prestativo ao casal, mandando
presentes e visitando-os, mas aos poucos a presença constante e inesperada dele
na residência do casal vai se tornando não apenas incômoda, como também
ameaçadora, principalmente quando problemas passados entre ele e Simon começam
a emergir.
Apesar
de todo trio entregar ótimas performances, é Edgerton que se destaca com sua
composição ambígua, fazendo seu personagem flutuar entre o sujeito carente e
patético e um stalker perigoso, nos
deixando incertos quanto às suas intenções, elevando o suspense e a tensão toda
vez que está em cena. Bateman impressiona pelo modo como vai aos poucos se
despindo de sua tradicional persona
boa-praça e vai mostrando que Simon talvez não seja tão inocente quanto
inicialmente pensamos. Já Rebecca Hall faz de Robyn uma mulher fragilizada por
um trauma recente que flutua entre o medo e a pena de Gordo, principalmente ao
ver o modo como o marido o trata.
Nas
épocas de festas sempre aparecem alguns filmes oportunistas que querem usar o
clima de feriados como Dia dos Namorados, Natal ou Ano Novo para arrancar uns
trocados do público. É fácil reconhecer esse tipo de produto caça-níqueis:
normalmente trazem um apanhado de artistas famosos de diferentes idades, para
chamar atenção do maior número possível de pessoas, cada um com um conflito
bastante típico deste tipo de evento, para que cada um tenha algo com o que se
relacionar, e termina com a reafirmação de valores associados à data, amor e
romance no Dia dos Namorados, família e união no Natal e assim por diante. O Natal dos Coopers é exatamente esse
tipo de caça-níqueis preguiçoso e rasteiro feito para apelar ao "espírito
natalino" dos frequentadores de cinema sem se esforçar para oferecer nada
de interessante.
A
trama acompanha o casal Charlotte (Diane Keaton) e Sam (John Goodman), que
depois de quarenta anos de casamento decidem se separar, mas para não
"estragar o Natal" escolhem não contar nada para os filhos Hank (Ed
Helms) e Eleanor (Olivia Wilde). Hank e Eleanor tem seus próprios problemas,
ele perdeu o emprego há algum tempo e mantém isso em segredo da família, ela
não aguenta o julgamento da mãe por ser solteira e resolve levar com ela para o
jantar de natalino um estranho que conheceu no aeroporto, o soldado Joe (Jake
Lacy). Temos ainda mais uma dúzia de outros personagens, cada um com sua trama,
todas bastante superficiais, com cada um não ocupando mais do que uns vinte
minutos de tela, além de completamente previsíveis e baseadas em todos os
lugares-comuns que já vimos em filmes desse tipo.
Depois
de dar o tratamento Dynasty Warriors
à franquia Zelda em Hyrule Warriors,
a desenvolvedora Omega Force agora se volta para levar a série de RPGs Dragon Quest ao seu estilo de combates
massivos e cheios de ação com este Dragon
Quest Heroes: The World Tree's Woe and the Blight Below (sim o título é
tudo isso).
A
história acompanha personagens novos à franquia, Luceus e Aurora, cavaleiros à
serviço do também inédito Rei Doric. Quando uma calamidade toma o reino e torna
os monstros amigáveis em inimigos, eles precisam viajar pelo globo para
restaurar a mítica árvore Yggdrasil, encontrando ao longo da jornada
personagens clássicos dos diferentes episódios da franquia, transportados
acidentalmente para este mundo devido à calamidade que assola o mundo. É uma
narrativa bem tradicional de luz contra trevas, bastante parecida com a maioria
dos RPGs japoneses, mas funciona por causa do carisma dos personagens e das
divertidas interações entre eles, principalmente para os fãs de longa data da
franquia.
Depois
de estrear com ótimos filmes como O Sexto
Sentido (1999) e Corpo Fechado
(2000), o cineasta M. Night Shyamalan cavou uma vala para si mesmo ao engatar
uma série de fracassos de público e crítica a partir do praticamente
indefensável A Dama na Água (2006)
que tornou ele um sinônimo tão grande de fracasso que seu nome chegou a ser
omitido nos materiais de divulgação de seu filme anterior, o execrável Depois da Terra (2013). Assim chegamos a
este A Visita, que finalmente nos
lembra o quanto ele pode ser bom, apesar de ainda apresentar muitos problemas
similares a trabalhos anteriores.
A
premissa é bem simples, os adolescentes Becca (Olivia DeJonge) e Tyler (Ed
Oxenbould) vão viajar para passar uma semana na casa dos avós que moram no
interior dos Estados Unidos e que eles nunca conheceram. A ideia de Becca é
usar a viagem para filmar um documentário sobre sua família e tentar dissipar
um rancor antigo que sua mãe (Kathryn Hahn) tem com os pais. Ao chegarem na
fazenda dos avós, no entanto, coisas estranhas começam a acontecer e os irmãos
começam a acreditar que os avós estão guardando algum segredo tenebroso.
O
documentário biográfico sobre personalidades da música já virou uma espécie de
filão comercial da produção documental brasileira, já foram feitos filmes sobre
os Novos Baianos, Tom Jobim, Ney Matogrosso e tantos outros, então não seria
diferente com Chico Buarque.
Dirigido
por Miguel Faria Jr (que já tinha comandado uma produção sobre Vinícius de
Moraes), o documentário faz um retrato de Chico Buarque construído basicamente
pelo próprio Chico. Claro, o diretor se faz presente através da montagem, da
seleção de vídeos e fotos de arquivo e da escolha de artistas que cantam
algumas das músicas de Chico, mas a principal fonte de informação do longa é o
próprio cantor e dada a personalidade carismática e articulada do artista, é
fácil entender o motivo de deixá-lo em cena o maior tempo possível. Nesse
sentido, chega a ser curiosa a ausência do quase onipresente Nelson Motta,
constantemente consultado em produções do gênero e cuja presença já estava se
tornando um clichê aborrecido e criando um perigoso monopólio sobre a
construção da nossa historiografia musical.
Chico
fala de si, de sua complicada relação com o pai, da busca por um desconhecido
irmão na Alemanha, do labor na composição de suas músicas e romances, dos motivos
da "lenda" de sua aversão aos palcos ou das estratégias para evitar a
censura de seus trabalhos. Sua fala é calma e vai tateando com cuidado pelos
eventos relatados, demonstrando o vasto repertório cultural do artista. Além de
reconstruir a própria história, Chico também relata partes da história do
Brasil e evita cair em construções simplórias ou frases feitas, como o momento
em que trata da censura e do regime militar e lembra que este governo não foi
algo imposto à força por um pequeno grupo de pessoas, mas algo que teve apoio
de parcela significativa da população e cujas ações refletiam ideias e valores
daqueles que apoiaram a ascensão do regime.
Do
mesmo modo é bastante ponderado ao tratar do surgimento dos vários gêneros
musicais popularescos, rejeitando a noção de que são produtos pobres, bregas ou
que subtraem nossa riqueza cultural. Na verdade, Chico vai no caminho
contrário, reconhecendo que são gêneros que dialogam com as experiências e
visões de mundo de várias camadas da sociedade que durante muito tempo não eram
ouvidos ou não tinham espaço da indústria fonográfica, entendendo que são sim
manifestações culturais importantes e autênticas, cuja pluralidade apenas nos
enriquece, ao contrário de muitos jornalistas do meio que vira e mexe lamentam
como esses formatos de nicho mais popular "empobrecem" a agenda
cultural brasileira.
As
fotos e vídeos de arquivo remontam a repercussão de sua obra, como também
encontros e momentos marcantes da vida do músico, relembrando também algumas de
suas apresentações mais icônicas, como sua performance de Roda Viva em um festival de música. É também permeado por vários
números com músicos como Ney Matogrosso, Péricles, Adriana Calcanhoto,
Mart'nália e Milton Nascimento interpretam canções famosas de Chico, demonstrando
todo o alcance, força e capacidade expressiva de sua obra musical.
Assim
sendo, Chico: Artista Brasileiro
traça um panorama bastante competente do legado cultural de Chico Buarque e nos
aproxima do olhar do artista ao permitir que ele nos conte a própria história. È
verdade que evita abordar momentos mais polêmicos ou muito íntimos de sua vida,
mas ainda assim consegue nos lembrar dos motivos pelos quais a obra e a pessoa
de Chico continuam a nos fascinar.