segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

Crítica - O Sacrifício do Cervo Sagrado

Análise O Sacrifício do Cervo Sagrado


Review O Sacrifício do Cervo Sagrado
Este O Sacrifíicio do Cervo Sagrado, novo trabalho do cineasta grego Yorgos Lanthimos (responsável pelo excelente O Lagosta), não é um filme fácil de assistir. Ele já deixa claro sua natureza incômoda e perturbadora desde sua primeira cena na qual vemos, com enorme detalhamento gráfico, uma cirurgia cardíaca sendo finalizada conforme o peito aberto do paciente, exibindo um coração pulsante, é fechado e suturado. Isso já é um sinal de que acompanhar o longa não será uma jornada fácil e o que acontece daí em diante realmente cumpre essa promessa.

A trama acompanha Steven (Colin Farrell), um cardiologista de sucesso cujo estilo de vida aparentemente corresponde ao de uma família de comercial de margarina. Apesar de tudo ser perfeito na aparência de sua exuberante casa, a relação entre ele, a esposa, Anna (Nicole Kidman), e os filhos soa estranhamente gélida. Adicionando a sensação de estranheza em relação a Steven está a amizade que o médico tem com o adolescente Martin (Barry Keoghan).

domingo, 4 de fevereiro de 2018

Crítica - Altered Carbon: 1ª Temporada

Review  Altered Carbon: 1ª Temporada


Análise  Altered Carbon: 1ª Temporada
Se observarmos isoladamente os elementos que compõem essa primeira temporada da série Altered Carbon vamos perceber que não tem nada que já não tenha sido abordado pela ficção-científica cyberpunk (como Blade Runner ou Ghost in the Shell) ou pela narrativa policial. Ainda assim, o grande mérito da série é como ela pega esse conjunto de múltiplas referências para criar um universo coeso e singular que não só é maior que a soma de suas partes como também se sustenta por conta própria independente de compreendermos ou não seu diálogo com diferentes cânones da ficção.

A trama se passa em um futuro no qual a mente humana pode ser digitalizada e colocada em pequenos cartuchos que ficam alocados na base da nuca. Com isso é possível se tornar virtualmente imortal, bastando colocar seu cartucho em um novo corpo quando o original morre. A questão é que novos corpos são caros e, portanto, os mais pobres não tem como pagar e seus cartuchos ficam guardados quando seus corpos morrem. Além disso, é possível ter uma "morte real" caso seu cartucho seja destruído, mas os mais ricos conseguem evitar isso através de um caro sistema de backups. Assim, temos uma sociedade na qual os ricos vivem para sempre e ficam cada vez mais ricos enquanto os pobres ficam largados à penúria. No centro disso tudo está Takeshi Kovacs (Joel Kinnaman) o último dos Emissários, uma unidade que enfrentou o atual governo há mais de duzentos anos atrás.

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

Crítica - Desenrolados: 1ª Temporada

Análise Desenrolados: 1ª Temporada


Review Desenrolados: 1ª TemporadaNo papel essa primeira temporada de Desenrolados soa como uma ótima ideia: uma comédia sobre pessoas que trabalham em uma clínica de maconha medicinal para abordar a questão ainda tabu da legalização do produto. Na execução, no entanto, ela esbarra no mesmo problema de outra série do produtor Chuck Lorre: The Big Bang Theory. Ao invés de rir com os personagens, o texto quer que o público ria deles. Assim, da mesma forma que os nerds se tornam o alvo das piadas, sendo constantemente tratados como indivíduos ridículos e patéticos, Desenrolados se contenta em apenas reproduzir os mesmos clichês rasos sobre maconheiros e tem pouco a dizer sobre todo o debate da legalização, sendo mais conservadora do que a premissa sugere.

A série é centrada em Ruth (Kathy Bates), uma advogada defensora do uso de cannabis que abre uma clínica de maconha medicinal junto com o filho Travis (Aaron Moten). Os episódios acompanham o cotidiano de Ruth, Travis e os demais funcionários da clínica conforme eles tentam educar a população sobre os benefícios da maconha medicinal e ocasionalmente enfrentam resistência de opositores.

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

Crítica - The Square: A Arte da Discórdia

Análise The Square: A Arte da Discórdia


Review The Square: A Arte da Discórdia
Em Força Maior (2014) o diretor sueco Ruben Östlund abordava com bom humor e tom satírico o quanto é frágil o contrato social de cooperação e civilidade ao abordar uma crise familiar iniciada durante uma avalanche de neve. Neste The Square: A Arte da Discórdia o cineasta visa abordar os mesmos temas, mas ampliando o escopo do núcleo familiar para toda a sociedade, mostrando as pequenas hipocrisias do cotidiano e criando uma bola de neve no qual esses momentos aparentemente inofensivos de egoísmo e falta de empatia vão erodindo o tecido social.

A trama é centrada em Christian (Claes Bang), o diretor de um museu que está prestes a inaugurar uma nova exposição que aborda o tema da tolerância e empatia. Um dia, no caminho para o trabalho, ele é assaltado, tendo o celular e a carteira levados. Ele consegue encontrar a localização do seu telefone usando o GPS do aparelho, rastreando-o até o um grande prédio. Sem saber quem no prédio está com o celular, ele decide escrever uma carta para o ladrão e coloca cópias na caixa de correio de cada apartamento. Logicamente esse pequeno ato de revanchismo vai causar uma série de problemas ao personagem.

quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

Crítica - Sem Amor

Análise Sem Amor


Review Sem Amor
Muitos filmes já abordaram a importância do amor e do afeto em nossas vidas, mas poucos abordaram as consequências de uma vida sem afeto ou amor de maneira tão dura e contundente quanto este Sem Amor do cineasta russo Andrey Zvyagintsev (responsável pelo excelente Leviatã).

O casal Zhenya (Maryana Spivak) e Boris (Aleksey Rozin) está se divorciando. Conforme eles discutem o que farão com o filho deles, Alyosha (Matvey Novikov), fica evidente que nenhum dos dois deseja ficar com o garoto. Um dia Alyosha simplesmente desaparece e seus pais iniciam as buscas por ele. Era de se imaginar que isso os aproximaria ou que os faria ver as falhas que cometeram, mas ao invés disso apenas culpam um ao outro sem qualquer autocrítica.

O filme todo trabalha para criar um constante clima de distanciamento e desolação. A fotografia trabalha predominantemente com tons de cinza e uma paleta de cores com pouca saturação fazendo tudo parecer sem vida, sem intensidade. A música é predominantemente ausente durante boa parte do tempo, deixando um vazio sonoro que reflete o vazio e o silêncio da existência triste e sem afeto daquelas pessoas.

terça-feira, 30 de janeiro de 2018

Crítica - A Forma da Água

Análise  A Forma da Água


Review  A Forma da Água
Em A Forma da Água o diretor Guillermo del Toro cria algo difícil de definir sob uma chave de gênero narrativo. A mescla de elementos de horror, romance, suspense, filme de monstro, de espionagem e até um número musical podia render uma colcha de retalhos sem personalidade, mas o cineasta mexicano consegue criar algo bastante singular a partir dessa mescla de referências.

A trama se passa na década de 50 e é centrada em Elisa (Sally Hawkins), uma mulher muda que trabalha como faxineira em uma instalação militar do governo dos EUA. Um dia, durante a limpeza de uma das salas mais secretas, Elisa descobre que o governo está mantendo cativa uma misteriosa criatura aquática anfíbia (Doug Jones) e aos poucos vai ficando mais próxima da criatura.

Filmes como O Monstro da Lagoa Negra (1954), que é claramente uma referência para ser aquático deste A Forma da Água, sempre usaram suas criaturas como uma metáfora da incapacidade do ser humano em compreender e lidar com o que é diferente. O monstro representa o diferente, o não conformismo aos padrões de normalidade e por isso mesmo é considerado uma ameaça que precisa ser exterminada, já que aceitá-lo ou colocá-lo no mesmo nível que um humano significaria repensar (e portanto por em risco) os tais padrões de normalidade. Guillermo del Toro reverbera todos esses temas, mas aqui desloca o eixo do protagonismo para o monstro e aqueles que, como ele, são considerados aberrantes e fora dos padrões de normatização da sociedade da época.

segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

Crítica - Todo Dinheiro do Mundo

Análise Todo Dinheiro do Mundo


Review Todo Dinheiro do MundoFalar da imoralidade dos muitos ricos é algo presente na ficção há muito tempo, mesmo antes da existência do cinema outras formas de arte já se debruçavam sobre o caráter daqueles que enchem os bolsos no sistema capitalista. O exemplo mais célebre talvez seja o romance Um Conto de Natal de Charles Dickens no qual Ebenezer Scrooge era confrontando com a desumanidade de sua conduta. Ao se basear da história real do sequestro de Paul Getty (Charlie Plummer) nos anos 70, Todo Dinheiro do Mundo tenta ser mais uma história a criticar a postura dos muito ricos. Paul era neto de J.P Getty (Christopher Plummer), bilionário e magnata do petróleo considerado o homem mais rico do mundo na época,.

Como neto de alguém tão rico, Paul era um alvo fácil para sequestradores. O que os criminosos não sabiam é que a mãe dele, Gail (Michelle Williams), tinha se divorciado do marido sem receber um centavo da fortuna Getty, abrindo mão de qualquer pagamento desde que ficasse com a guarda dos filhos. Sem condições para arcar com o pedido milionário de resgate, Gail não ter outra opção senão pedir ajuda ao ex-sogro, mas não será fácil convencê-lo.

sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

Crítica - Iconoclasts



Eu me interessei por Iconoclasts desde que vi as primeiras informações sobre o jogo. Ele se vendia como um jogo de aventura estilo Metroid e estética 16 bits, mas o resultado final não é uma mera reciclagem de elementos familiares que necessita de nostalgia para funcionar. Iconoclasts é um afiado game que combina aventura, puzzles e combate com uma narrativa muito mais interessante do que se espera de um jogo assim e uma bela estética de pixel art que enche o mundo de personalidade. Um feito impressionante considerando que o desenvolver Joakim Sandberg fez o jogo inteiro sozinho ao longo de dez anos.

A trama se passa em um universo governado por uma ditadura teocrática na qual o governo determina a ocupação de cada pessoa. A protagonista é Robin, uma garota que quer ser mecânica, mas isso a coloca em rota de colisão com o regime, já que tecnologia é considerada algo sagrado e a profissão é altamente regulada. Essa premissa tradicional de uma jovem contra um império cruel é usada para criar personagens bem interessantes, cada um com seu próprio arco dramático abordando os traumas e inadequações de viver sobre um regime repressor. Ao longo do avanço da trama há um senso real de crescimento nesses personagens conforme os eventos vivenciados os afetam e eles se desenvolvem de modo bastante crível. Além disso há também espaço para humor e a presença de figuras excêntricas que rendem momentos bem divertidos em virtude dos diálogos sagazes, ajudando a conferir certa leveza e evitando que tudo se torne sisudo demais.

quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

Crítica - Vende-se Esta Casa

Análise Vende-se Esta Casa


Review Vende-se Esta Casa
O meu primeiro pensamento ao terminar de assistir este Vende-se Esta Casa foi: "como a Netflix aprovou isso?". Com um texto inócuo, que vai do nada a lugar nenhum, e sem nenhum grande nome para atrair o público, como alguém achou que fazer esse longa-metragem seria uma boa ideia? De algum modo esse filme de terror foi aprovado, nos brindando com seus quase noventa minutos de puro tédio.

Quando o pai de Logan (Dylan Minette, de 13 Reasons Why) é morto em um acidente, ele e a mãe, Naomi (Piercey Dalton), resolvem ir ficar na casa de uma tia em uma pequena cidade nas montanhas. Porque, claro, nada melhor para superar o luto do que ir ficar sozinho em uma enorme e velha casa no meio do nada. Não tem como isso dar errado, certo?

O problema, no entanto, não é a premissa clichê, mas o modo vazio, sem personalidade e por vezes contraditório com o qual tudo é desenvolvido. O filme tenta ser um suspense psicológico ambíguo e criar suspense a partir da incerteza envolvendo os eventos estranhos que acontecem com a mãe e o filho. Filmes que vão por esse caminho costumam sugerir diferentes possibilidades ao seu público, dando evidências suficientes para que o espectador conclua como possível uma determinada possibilidade ao mesmo tempo em que também deixa o texto aberto para que outras alternativas também sejam causas possíveis. Ao Cair da Noite (2017), por exemplo, faz isso ao nos deixar em dúvida se a principal ameaça é o suposto vírus mortal ou a instabilidade dos personagens.

quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

Crítica - Artista do Desastre



Muita gente quer fazer sucesso em Hollywood, mas poucos conseguem. Alguns fazem sucesso por causa do talento, outros da beleza, mas alguns alcançam sucesso através da infâmia, fazendo algo tão bizarro e ruim que é difícil ignorar. Foi isso que aconteceu com Tommy Wiseau. Cansado de ser ignorado em testes e não conseguir papéis ele decidiu escrever, produzir, dirigir e protagonizar um filme mesmo sem ter qualquer experiência real. Gastando cerca de 6 milhões do próprio dinheiro (uma fortuna que ninguém sabe ao certo como ele conseguiu) Wiseau realizou The Room, considerado por muitos o "Cidadão Kane dos filmes ruins". Este Artista do Desastre, baseado no livro The Disaster Artist escrito por Greg Sestero, mostra exatamente o processo de realização de The Room e a amizade esquista entre Wiseau e Sestero ao longo da realização do filme.

Seria fácil transformar a figura bizarra de Wiseau em algo meramente caricatural e fazer do filme inteiro uma comédia direcionada apenas a rir do comportamento bizarro dele, mas, assim como no livro escrito por Sestero, a trama tem um claro afeto por seu esquisito protagonista e tem um interesse genuíno em compreendê-lo. A cena que abre a narrativa é bem eficiente em justificar o que Greg (Dave Franco) vê em Tommy (James Franco, que também dirigiu o filme) e qual a razão deles se aproximarem. Daí em diante acompanhamos o modo como ambos tentam e fracassam em Hollywood, a decisão de Tommy em fazer seu próprio filme e todo o processo envolvido na feitura de The Room.