Não é à toa que Cantando
na Chuva seja um dos musicais mais celebrados de todos os tempos. Lançado
em 1952, o filme é uma divertida e espetacular celebração de amor, música e do
próprio ofício de fazer cinema. Com um elenco no auge de sua forma, é difícil
não se deixar encantar por ele.
A trama se passa no final da década de 1920, no período de
transição entre o cinema mudo e o cinema falado. O Cantor de Jazz (1927) acabava de ser lançado com um imenso
sucesso financeiro ao finalmente apresentar uma projeção de vozes e canto
sincrônica com a imagem. Diante do fascínio de público por filmes falados, a
produtora de cinema na qual Don (Gene Kelly) e Cosmo (Donald O’Connor)
trabalham resolve transformar sua mais recente produção em um filme falado. A
companhia enfrenta problemas na transição, em especial pelo fato do par
romântico de Don no filme, a atriz Lina Lamont (Jean Hagen), tem uma voz
desagradável. A solução é chamar a aspirante a atriz Kathy (Debbie Reynolds)
para dublar Lina, mas aos poucos Don vai se apaixonando por Kathy.
Fiquei um tempo em silêncio sentado na poltrona do cinema
enquanto os créditos subiam ao fim de Bacurau,
novo filme de Kleber Mendonça Filho, que aqui dirige ao lado de Juliano
Dornelles. Os dois longas anteriores de Kleber, O Som ao Redor (2012)e Aquarius(2016) tinham me causado
impacto semelhante e, em igual medida, fui deixado sem saber como organizar meu
raciocínio para falar do filme ou o que dizer exatamente sobre ele, já que
parecia ter coisa demais para eu dar conta em um texto. Ainda assim, tentarei.
A narrativa se passa em um futuro não especificado no qual
as coisas pioraram bastante no Brasil. O ponto central da trama é a pequena
cidade de Bacurau, que sofre com falta de água depois que o governo represou um
rio próximo. Teresa (Barbara Colen) retorna à cidade para o funeral da mãe,
dona Carmelita, mas em seu tempo lá coisas estranhas começam a acontecer:
drones passeiam pelos céus, carros são baleados e pessoas são mortas sem
explicação. Assim, Teresa e outras figuras proeminentes na cidade como Acácio
(Thomas Aquino) e a médica Domingas (Sônia Braga) tentam entender o que está
acontecendo.
Eu queria muito ter gostado deste Anna: O Perigo Tem Nome. Muita coisa do que o diretor Luc Besson
fez durante os anos noventa tem lugar cativo na minha memória cinéfila como Nikita: Criada Para Matar (1990), O Profissional (1994) e O Quinto Elemento (1997), então sempre
desejo por vê-lo à frente de bons projetos, mas seus últimos filmes, apesar de
carregarem promessa, acabaram sendo bem abaixo dos melhores momentos do
realizador. Lucy(2014), apesar do
carisma de Scarlett Johansson e da boa direção de Besson foi soterrado pelo
peso da própria megalomania e Valerian e a Cidade dos Mil Planetas(2017) era prejudicado por um roteiro
problemático e um casting equivocado
de seus protagonistas. Este Anna
poderia ter sido um retorno à forma ao trazer em si ecos de Nikita, mas o resultado é algo
desconjuntado e anacrônico.
A trama começa na década de oitenta quando a jovem russa
Anna (Sasha Luss) é recrutada como assassina pela KGB. Ela vai para Paris
disfarçada como modelo e vive uma vida dupla como top model e matadora, eliminando os inimigos da Rússia. As
atividades de Anna chamam a atenção do agente da CIA Lenny (Cillian Murphy),
que força Anna a colaborar com os EUA. Assim, a espiã fica presa em um perigoso
jogo duplo no qual tem que lutar pela própria sobrevivência e liberdade.
Chama a atenção uma certa inconsistência tonal no longa, em
especial quando o filme contrapõe o cotidiano de assassina da protagonista com
seu trabalho como modelo. Quando Anna está a serviço da KGB, o filme é sério,
sisudo e sombrio, com a protagonista sendo mentalmente afetada por toda a
violência ao seu redor, mas em seus momentos de modelo é tudo tão histriônico e
caricato que parece algo saído da franquia Zoolander.
Sim, Besson claramente parece querer parodiar o universo fashion, a questão é que as transições entre a seriedade
psicológica e o pastiche são muito abruptas, dando a impressão de dois filmes
diferentes e essas duas abordagens mais brigam entre si do que dialogam.
É curioso, no entanto, que ele tente criticar a
objetificação promovida pelo mundo da moda ao mesmo tempo em que insista a todo
momento em mostrar a nudez de sua protagonista e colocá-la em cenas de sexo
(além de um eventual estupro). Soa contraditório reclamar da objetificação de
um determinado ramo do entretenimento ao mesmo tempo em que ele próprio a expõe
mais do que necessário, já que mesmo quando ficou claro que ela usa o sexo para
manipular os homens ao seu redor, Besson continua insistindo em cenas e mais cenas
dela tirando a roupa.
Algumas cenas de sexo até descambam para o humor
involuntário, como o sexo violento entre Anna e o russo Alex (Luke Evans), que
provavelmente foi pensado como algo de uma sensualidade feroz, mas termina como
se estivéssemos assistindo ao coito de dois búfalos no cio. Atômica(2017), um filme que claramente
remetia aos produtos noventistas de Besson, conseguiu equilibrar melhor sua
combinação entre ação e sensualidade.
Outro problema é a insistência do filme em ficar indo e
voltando no tempo para tentar criar surpresas e reviravoltas na esperança de
convencer o público que esta é uma trama extremamente inteligente quando na
verdade repete todos os clichês típicos de tramas de “espião versus espião”. O
expediente de ficar “rebobinando” eventos quebra o ritmo da trama,
interrompendo constantemente o fluxo e muitas vezes repetindo algumas cenas que
já vimos, como se fossemos incapazes de lembrar algo de dez minutos atrás, para
tentar mostrar a ação de uma perspectiva diferente e que as coisas não era como
pensamos.
Como o filme abusa do recurso, ele se torna previsível e lá
pela terceira vez que uma ação é cortada sem se resolver, sabemos que o filme
irá eventualmente rebobinar até aquele momento para revelar uma surpresa que
acaba sendo facilmente antevista (eu previ a maioria). Desta maneira, a trama
não só fica bastante previsível, como também dá a impressão de um ritmo
truncado, que resiste em progredir. Se tudo tivesse sido contado em ordem
cronológica seria perfeitamente possível manter o suspense sem sacrificar a
progressão da trama. Nesse ímpeto de encadear reviravoltas, os personagens
acabam reduzidos a meros dispositivos de roteiro e mesmo a protagonista não
consegue ir além do lugar comum da assassina que quer se libertar de sua vida
de violência.
As cenas de ação exibem bastante violência e são muito bem
conduzidas, com Bresson apresentando planos longos e com poucos cortes que
conferem fluidez aos combates e as coreografias de luta exploram de maneira
criativa as habilidades letais da protagonista, em especial uma luta dentro de
um restaurante. Ainda assim, as cenas de ação são poucas e relativamente
espaçadas os longo do filme, não sendo o bastante para fazer a experiência ser
positiva.
Anna: O Perigo Tem
Nome soa como um filme parado no tempo, algo que ficou perdido dentro de
uma gaveta de estúdio e só agora foi encontrado e jogado nos cinemas. Apesar de
algumas boas cenas de ação, o filme se perde em uma inconsistência tonal,
personagens desinteressantes e uma trama que se julga mais esperta do que
realmente é.
Juntos há cerca de vinte anos, os membros de um quarteto de
cordas precisam confrontar a possibilidade do grupo acabar quando um deles
descobre ter Parkinson. O quarteto, formado por Daniel (Mark Ivanir), Robert
(Phillip Seymour Hoffman), Juliette (Catherine Keener) e Peter (Christopher
Walken) passam a reexaminar as principais decisões tomadas nas últimas décadas
quando Peter anuncia que em breve precisará deixar o grupo por conta de sua
saúde.
A trama aborda o quão complexa é a dinâmica de um grupo
musical deste tipo, já que não basta saber tocar, cada um precisa estar em
sintonia com o outro, ter estilos e abordagens compatíveis e ser capaz de
colocar o grupo em primeiro lugar. É um sistema social bastante delicado e um
desarranjo em qualquer elemento põe os demais em desarmonia. É exatamente isso
que acontece quando Peter anuncia sua doença, ao confrontar a mortalidade do
amigo e o fim do grupo como conhecem, os outros três membros acabam entrando em
conflito.
A possibilidade do fim do grupo levanta neles a ideia de que
as escolhas que fizeram até então para manter o quarteto funcionando foram em
vão e velhos ressentimentos começam a emergir, como o fato de que Robert nunca
pode ser o primeiro violinista do grupo ou que Juliette deixou de lado sua
paixão por Daniel para ficar com Robert apenas porque ele era mais conveniente.
O elenco contribui para que sintamos o peso dos anos sobre o grupo, convencendo
que são pessoas que convivem a muito tempo e compreendem muito bem os vícios e
virtudes de cada um dos companheiros.
Eddie Murphy se tornou famoso ao estrelar comédias nas quais
ele interpretava múltiplos personagens. Ele já fazia isso em Um Príncipe em Nova York (1988), no qual
além de interpretar o protagonista, também interpretava alguns personagens
secundários que frequentavam a barbearia em que o protagonista trabalhava. Murphy
atingiu o auge desse recurso em O
Professor Aloprado (1996) e a partir daí o dispositivo começou a se
desgastar, com a continuação O Professor
Aloprado 2 (2000) sendo bem inferior ao primeiro e depois o horrendo Norbit (2007) mostrou que não havia mais
nada o que fazer no formato. Só esqueceram de avisar isso para Marlon Wayans
que neste Seis Vezes Confusão tenta
emular Eddie Murphy quando nem o próprio Murphy consegue fazer um filme desse
tipo dar certo.
Na trama, Alan (Marlon Wayans) está prestes a se tornar pai,
mas o fato de não ter família o deixa em dúvidas sobre construir a sua própria.
Ele decide então procurar a mãe biológica e nesse processo descobre que possui
outros cinco irmãos gêmeos (todos interpretados por Marlon Wayans). Bem, é
isso, não há exatamente uma trama ou conflito central, com a narrativa usando a
estrutura de road movie mostrando a
viagem de Alan em busca dos irmãos como uma maneira de disfarçar o vazio
narrativo.
A primeira temporada de Mindhunterenvolvia tanto pela sua construção do suspense das investigações quanto
pelo modo como capturava o clima de incerteza da época com o crescimento de
ataques de serial killers. Ao mostrar
as dificuldades que os protagonistas tinham em ter seu trabalho sobre
assassinos em série levado à sério, a trama também revelava certos preconceitos
sociais quanto à natureza do crime. A segunda temporada continua a desenvolver
muitos desses mesmos temas, expandindo-os assim como expande o desenvolvimento
do personagem.
A trama continua do ponto em que a primeira encerrou, com o
agente Ford (Jonathan Groff) tendo um ataque de pânico depois de entrevistar um
serial killer. O agente Tench (Holt
McCallany) recebe notícia de uma mudança de comando em Quantico e o novo
encarregado é mais aberto aos novos métodos pesquisados pela unidade dos
protagonistas, o que é lhes dá novas oportunidades, mas também novos desafios,
já que o olhar do público está mais sobre eles. Ford, Tench e os demais tem uma
nova oportunidade de testar seus métodos quando uma onda de assassinatos de
crianças aterroriza a cidade de Atlanta. Além das dificuldades em encontrar o
culpado, os protagonistas ainda precisam lidar com toda a politicagem
envolvendo a investigação, já que as autoridades estão menos interessadas na
busca pela verdade e mais nas aparências.
Desde Bastardos
Inglórios (2009) que o diretor Quentin Tarantino se dedica a olhar a
história através da arte. Ele já foi desde a Segunda Guerra Mundial, passando
pelo período da escravidão em Django Livre(2012) e pela Guerra Civil dos EUA em Os Oito Odiados(2015) e agora, neste Era Uma Vez em...Hollywood, se volta aos Estados Unidos da década
de 60, a ascensão dos serial killers e
o fim do “sonho americano” consolidado no pós-guerra. Ao final da Segunda Guerra
Mundial, os Estados Unidos foram a única grande potência razoavelmente intacta
enquanto que boa parte dos países europeus estava em ruína. Isso permitiu que o
país crescesse e expandisse sua influência mundial ainda mais, tanto termos
econômicos quanto políticos, sociais e culturais.
Foi um período de bonança e prosperidade para o país, que
parecia inatingível e projetava um ideal idílico de perfeição. Movimentos de
contracultura apontavam para possíveis avanços sociais e uma melhora de vida em
geral. Ao final dos anos 60, no entanto, as rachaduras nessa fachada perfeita
começaram a aparecer e os assassinatos cometidos pelo “culto” liderado por
Charles Manson quebraram a impressão de invulnerabilidade que o país construíra
para si nas últimas décadas. Serial
killers começavam a pipocar em diferentes cidades e a sensação era que os EUA não
só deixara de ser seguro, como era tomado por uma violência que as pessoas não
conseguiam compreender muito bem, algo mostrado na série Mindhunter.
Depois de uma excelente primeira temporada e uma segunda um pouco inferior, mas que ainda conseguia manter o interesse, The Handmaid’s Tale chega a sua terceira
temporada dando sinais de cansaço, com uma trama que parece andar em círculos e
decisões questionáveis quanto ao desenvolvimento de suas personagens. O texto a
seguir contem SPOILERS da temporada.
A trama começa no mesmo ponto em que o segundo ano parou,
com June (Elizabeth Moss) decidindo ficar em Gilead depois de dar sua filha,
Nichole, para Emily (Alexis Bledel) levar através da fronteira do Canadá. A
ação não passa incólume pelo governo de Gilead, mas o comandante Fred Waterford
(Joseph Fiennes) e sua esposa Serena (Yvonne Strahovski) conseguem convencer as
autoridades da inocência de June na questão, colocando Emily como a única
culpada.
O “sequestro” de Nichole gera um incidente internacional
entre Gilead e o Canadá que permite compreender melhor como Gilead interage com
o resto do mundo e o funcionamento da política internacional deste universo. Aliás, a temporada também cria imagens poderosas mostrando o que aconteceu em Gilead com antigos símbolos nacionais dos Estados Unidos, com o obelisco do monumento a Washington sendo substituído por uma cruz e a estátua do memorial a Lincoln sendo largada em ruínas, simbolizando como o sonho de igualdade naquele país foi destruído. O
problema é que todo esse conflito é construído à revelia do desenvolvimento que
foi feito dos personagens até então, especialmente Serena.
Feita na década de noventa, animação A Vida Moderna de Rocko produzia um comentário bastante ácido sobre
a sociedade de sua época e apesar de passar em um canal voltado para o público
infantil, o Nickelodeon, tratava sobre questões bastante adultas. Inclusive, eu
só cheguei a entender certas piadas ou situações muitos anos depois de ter
originalmente assistido a série. Pois a atual onda de reboots e remakes não
deixou essa série incólume, trazendo-a de volta como um telefilme da Netflix
neste A Vida Moderna de Rocko:Volta ao Lar.
Na trama, depois de passar vinte anos perdido no espaço
sideral, Rocko, Vacão e Felizberto retornam à cidade de O-Town e descobrem que
seu desenho animado favorito foi cancelado. Desesperados em lidar com um mundo
que não reconhecem mais, resolvem encontrar o criador do desenho para que ele traga
a animação de volta.
Fica claro por esta breve sinopse que o longa tenta
satirizar toda essa onda de produções tomadas por nostalgia que tem tomado a
indústria hollywoodiana. De maneira bastante metalinguística o roteiro critica
essa necessidade de ficarmos consumindo as mesmas coisas de nossa juventude
como uma maneira de nos mantermos em uma eterna infância.
Confesso que não esperava muita coisa deste Casal Improvável. Pelos trailers parecia
mais uma daquelas comédias imaturas do Seth Rogen cheias de piadas sobre ânus e
pênis sem nada a dizer. O filme não deixa de recorrer a um humor escatológico
em alguns momentos, mas em seu cerne há uma competente comédia romântica como
há muito não se via.
A trama gira em torno da política Charlotte Fields (Charlize
Theron), ela é a Secretária de Estado dos Estados Unidos e está prestes a se
lançar em uma campanha presidencial. Para impulsionar sua campanha, ela
contrata o jornalista Fred Flarsky (Seth Rogen), um antigo conhecido de
infância, para escrever seus discursos. Aos poucos Charlotte e Fred vão se
aproximando, mas o envolvimento dela com o atrapalhado jornalista pode por em
risco sua candidatura.
Chama a atenção que o filme não trata como uma questão o
fato de um homem não deter o protagonismo de um relacionamento. Apesar de não
ser o primeiro a colocar uma mulher em alta posição de poder e prestígio em um
relacionamento amoroso com um homem mais modesto, outros filmes tratavam isso
como um problema a ser superado pelo personagem masculino. O recente Meu Eterno Talvez, por exemplo, fez
disso um dos principais conflitos, colocando o personagem para aprender que não
há nada errado em não ser o ponto focal da relação.