Assim como aconteceu com a segunda temporada, este terceiro
ano de Carmen Sandiego começa com a
promessa de entregar mais sobre o passado da protagonista conforme ela se
aproximava de descobrir quem era sua mãe. A promessa não se concretiza, embora
aqui isso possa ser atribuído a uma temporada abreviada (somente cinco
episódios) provavelmente por conta da pandemia do coronavírus.
A trama começa com Carmen indo ao México para descobrir mais
sobre a possível identidade de sua mãe. Ao mesmo tempo, a VILE transfere a base
de operações da organização para o norte da Escócia depois dos eventos do
segundo ano e planeja uma série de roubos para se reerguer.
Os cinco episódios que compõem a temporada apresentam a
estrutura de “caso do dia” com Carmen e sua trupe viajando a um novo país para
impedir mais um golpe da Vile ao mesmo tempo que precisam evadir o agente
Deveraux e outros membros da ACME que ainda acham que Carmen é a vilã da
história. Como em outras temporadas, os casos apresentam uma construção
competente de suspense, personagens e antagonistas carismáticos, boas cenas de
ação, além de um cunho educativo sobre história, geografia e cultura que é
organicamente costurado nas tramas.
Lançando em 1989 e dirigido por Marlon Riggs, Línguas Desatadas é um documentário
menos interessado em informar ou convencer o público de um ponto de vista
específico e mais em partilhar a experiência sensível de mundo de um grupo
social específico. Especificamente o documentário fala sobre as experiências de
homens negros gays de comunidades
periféricas dos Estados Unidos.
O documentário mistura vários recursos, desde entrevistas e
imagens de arquivo passando por poesias recitadas e imagens de arquivo. A
montagem costura tudo de modo a produzir uma bricolagem que mistura todos esses
recursos expressivos. Poderia resultar em algo caótico, mas a montagem consegue
fazer esses diferentes materiais dialogarem para deixar o espectador imerso na
subjetividade dos sujeitos filmados.
Quando um dos entrevistados narra suas primeiras
experiências de juventude com homofobia e racismo a montagem alterna entre o
depoimento e imagens em close de
bocas proferindo ofensas preconceituosas, abruptamente interrompendo o fluxo da
fala do entrevistado. A escolha estética provavelmente foi feita no sentido de
fazer o público experimentar a sensação de receber uma torrente constante de
ódio sem conseguir se fazer ouvir, com o esforço de um sujeito em se auto
afirmar interrompido incessantemente pela intolerância alheia.
Fui assistir este Get
Duked!, produção original da Amazon Prime Video,sem esperar muita coisa. Parecia mais uma dessas comédias
adolescentes com piadas sobre drogas e escatologia jogadas de qualquer maneira
na tela. De certa forma é isso, no entanto, o roteiro é bem amarrado o
suficiente para que as situações absurdas façam algum sentido dentro da lógica
da trama e não sejam simplesmente gags cômicas
jogadas a esmo sem muito critério.
A história acompanha quatro adolescentes britânicos que são
colocados em uma competição no interior da Escócia na qual precisam atravessar
as Terras Altas até chegarem na costa. Ian (Samuel Bottomley), Dean (Rian
Gordon), Duncan (Lewis Gribben) e DJ Beatroot (Viraj Juneja) não são exatamente
os melhores alunos e o orientador vocacional deles acha que participar dessa
expedição é uma boa maneira de colocá-los nos eixos. O que os garotos não
imaginavam é que a expedição os colocaria diante de situações inesperadas, como
um culto mascarado que caça pessoas e policiais atrapalhados que confundem os
jovens com terroristas.
Toda premissa de uma viajem pelo campo é uma clara desculpa
para não precisar construir muita coisa em termos de história, se calcando em
uma série de encontros fortuitos com personagens pitorescos e as situações
absurdas que emergem disso para mover as coisas adiante. Apesar de praticamente
nenhuma trama, o filme diverte pela criatividade das situações absurdas e
inesperadas com as quais os quatro adolescentes se envolvem. Como a cena em que
Beatroot usa drogas com um grupo de fazendeiros dentro de um celeiro ou o
momento em que Duncan inesperadamente atropela uma pessoa com uma van.
Contribuindo para o senso de absurdo e anarquia estão as
escolhas estéticas, que constantemente recorre a distorções de imagem e forma
para dar a impressão de uma cognição alterada. A inserção de cores fortes em
alguns momentos contribui para um ar lisérgico aos eventos, como se tudo fosse
resultado de uma viagem errada de drogas (e na maioria dos casos aqui é mesmo).
Além de uma montagem acelerada que confere uma ritmo de energia alucinada, como
que se tudo fosse contado por alguém completamente fora de si.
Considerando a natureza sem noção do longa, eu até me
surpreendi pelo modo como o desfecho consegue amarrar bem e de maneira
convincente (dentro da lógica de absurdo da trama, claro) todos os arcos e fios
narrativos que convergem em uma fusão de sorte e estupidez para resolver todos
os problemas dos personagens. O texto também acerta em dotar os personagens de
alguma vulnerabilidade e insegurança, evitando reduzi-los a mera caricatura.
Tudo bem que não sejam personagens complexos, mas pelo menos há uma dimensão de
humanidade neles, não sendo idiotas apenas por serem idiotas e pronto.
Com situações absurdas bem construídas e personagens
carismáticos, Get Duked! consegue
funcionar como uma diversão despretensiosa.
Não é novidade que filmes baseados em games sejam péssimos.
Temos inúmeros exemplos da tentativa de levar games para o cinema rendendo
alguns longas extremamente ruins. Este King
of Fighters: A Batalha Final é só mais um exemplo de como uma adaptação de
games pode ser pavorosa. É tão ruim que perto dele Street Fighter: A Última Batalha (1994) parece até assistível em
comparação.
Na trama, a energia emanada por três tesouros místicos é
usada para acessar uma realidade (ou dimensão) virtual na qual acontece um
torneio para decidir quem será o rei dos lutadores. Essa dimensão alternativa
não traz consequência para o mundo real, ou seja, não é possível ser ferir ou
morrer de verdade nela. Isso muda quando o criminoso Rugal (Ray Park) rouba os
três tesouros e toma a dimensão para si, tornando o jogo em um torneio mortal
para poder absorver o poder dessa dimensão e da criatura sobrenatural conhecida
como Orochi. Para detê-lo, a agente da CIA Mai Shiranui (Maggie Q) precisa
reunir os representantes dos três clãs: Kyo Kusanagi (Sean Faris), Iori Yagami
(Will Yun Lee) e Chizuru Kagura (Françoise Yip).
A série A Ilha da
Fantasia sempre foi uma espécie de versão tropical de Além da Imaginação, mas agora, nas mãos da produtora Blumhouse,
essa nova versão tenta entrar mais no reino do horror. Digo tenta porque o
filme nunca consegue estabelecer com clareza o que quer para si, transitando
abruptamente entre drama, comédia e horror sem um tom claro e incapaz de
conseguir dar conta dos múltiplos arcos de personagem.
Na trama, um grupo de pessoas ganha um final de semana de
estadia na chamada Ilha da Fantasia. Uma locação paradisíaca administrada pelo
misterioso Sr. Roarke (Michael Peña). Roarke diz que a ilha tem propriedades
mágicas, que pode tornar qualquer fantasia realidade. Assim, o grupo de
personagens começa a viver suas fantasias, mas elas não se desenvolvem como
esperado.
De cara chama atenção a natureza unidimensional dos
personagens. Gwen (Maggie Q) tem um trauma do passado, Patrick (Austin Stowell)
quer se tornar militar para honrar o pai morto em serviço, Melanie (Lucy Hale)
quer se vingar da patricinha que praticou bullying
contra ela no colégio e os irmãos Brax (Jimmy O. Yang) e J.D (Ryan Hansen)
querem festas e curtição.
Lançado em 2004 para o Playstation 2, Katamari Damacy é um dos games mais estranhos com os quais eu tive
contato. A esquisitice e a personalidade singulares provavelmente foi o que
garantiu a longevidade da franquia, que ganhou algumas continuações e também um
remaster para Nintendo Switch e PC em
2018 intitulado Katamari Damacy Reroll.
É com base na versão do Switch desse remaster
que escrevo esse texto.
Katamari Damacy Reroll
parte de uma premissa totalmente aloprada. Em uma noite de bebedeira o Rei de
Todo Cosmos derruba todas as estrelas do céu. Agora cabe ao jogador,
controlando o Príncipe, o filho do rei, resolver tudo e restaurar as estrelas.
Como o príncipe fará isso? Rolando um katamari para criar novas estrelas. “O
que é um katamari?”, vocês me perguntam, bem um katamari é uma espécie de bola
grudenta que absorve qualquer coisa menor que ela e vai aumentando de tamanho
conforme o jogador vai grudando coisas nela.
Assim, se inicialmente você começa as fases com katamaris
com alguns centímetros, grudando tachinhas ou pacotes de chiclete, rapidamente
você tem uma bola com dezenas de metros e já está grudando pessoas, árvores,
carros e outras coisas maiores. Crescendo o katamari o suficiente é possível
chegar a níveis apocalípticos de tamanho, grudando prédios, navios cargueiros e
até as nuvens.
Tentando contar a história da irmã mais nova do famoso
detetive Sherlock Holmes, este Enola
Holmes busca adicionar uma perspectiva feminina às tramas do investigador
vitoriano. De início parece estar no caminho certo para alcançar seus
objetivos, mas aos poucos vai se tornando menos interessante conforme a
narrativa se afasta de seus temas centrais.
Enola (Millie Bobby Brown) cresce sozinha com a mãe Eudoria
(Helena Bonham Carter) na propriedade rural dos Holmes. Eudoria faz questão de
educar Enola em artes, ciências, criptografia e até em combate. As duas se
tornam muito próximas até que um dia Eudoria desaparece misteriosamente e Enola
é colocada sob os cuidados do irmão mais velho Mycroft (Sam Claflin), que
decide mandá-la para um colégio interno para aprender a ser uma dama da
sociedade. Sem interesse nisso e sem auxílio do irmão Sherlock (Henry Cavill)
para dissuadir Mycroft, Enola decide fugir e investigar o desaparecimento da
mãe por conta própria.
A ligação entre Enola e Eudoria é o ponto forte da
narrativa, com os primeiros minutos nos fazendo entender como a mãe é tão
central na vida da protagonista ao ponto dela arriscar tudo para encontrá-la. O
sumiço de Eudoria e a chegada dos irmãos que insistem em torná-la uma dama
serve de contraponto para a relação da protagonista com a mãe. Se Eudoria
queria uma Enola independente e emancipada, Mycroft quer apenas que ela se
encaixe no papel social aferido à mulher pela sociedade da época. Se Eudoria
fazia parte do movimento sufragista e militava por direitos iguais, Mycroft
parece querer manter as coisas exatamente como estão.
Nunca fui muito fã dos chamados roguelikes games que colocam o jogador em uma série de desafios
completamente randomizados em termos de inimigos, estrutura de fases e itens
para tentar vencer tudo de uma vez só. Nesses jogos, morrer significa recomeçar
do início sem qualquer coisa (dinheiro, upgrades, etc) conquistada durante a
jornada, embora alguns games do gênero ofereçam alguns módicos upgrades
permanentes. Sempre me pareceu um gênero que não respeitava muito o tempo do
jogador, usando a ideia de recomeçar para alongar artificialmente o jogo.
Ainda assim, resolvi conferir este Hades (disponível para Switch e PC) porque gosto muito do trabalho da desenvolvedora Supergiant
Games (responsável por Bastion, Transistor e Pyre) e fiquei bem surpreso com o que encontrei. Não só os
elementos de roguelike conseguem ser
desafiadores sem, no entanto, eliminar o sentimento de progresso ao oferecer
uma boa quantia de upgrades permanentes, como também a estrutura repetitiva do
game é trazida para dentro da estrutura narrativa do jogo.
Música brega. O termo que designa todo um gênero musical já
traz consigo um juízo de valor negativo. Afinal a palavra brega se refere a
algo sem modos, sem cortesia, de conduta indelicada. Ainda assim milhões de
pessoas escutam essas músicas, cantores do gênero tem legiões de fãs e canções
do gênero permanecem na memória coletiva do cancioneiro popular brasileiro.
Dirigido por Ana Rieper, o documentário Vou
Rifar Meu Coração tenta entender a razão desse tipo de música ser tão
adorada e o que está por trás dos discursos que inferiorizam e vilipendiam esse
tipo de música.
O filme se divide em duas frentes. Temos entrevistas com fãs do gênero no
interior do Brasil nas quais essas pessoas falam como se sentem representadas
por essas músicas e como elas contam histórias parecidas com as de suas vidas
ou suas experiências amorosas. Também há conversas com cantores do gênero, como
Wando, Nelson Ned, Amado Batista, Lindomar Castilho e Agnaldo Timóteo que falam
sobre suas composições e a respeito do tratamento negativo que no mundo da
música.
Aprendiz de Espiã segue
a tradição de filmes como Um Tira no
Jardim da Infância (1990) e Operação
Babá (2005) de colocar um astro de ação brucutu na companhia de criança
para fazer uma comédia de ação. A natureza formulaica não deveria ser, em si,
um impeditivo para algo divertido e carismático, mas ele não tem muito a
oferecer além de uma narrativa previsível e cenas copiadas de outros filmes.
Na trama, o durão agente JJ (Dave Bautista) é colocado para
vigiar a família de um criminoso internacional que está foragido. JJ, no
entanto, acaba se aproximando da garota Sophie (Chloe Coleman) e da mãe dela,
Kate (Parisa Fitz-Henley) e daí tudo transcorre sem surpresas. É óbvio que na
aproximação de JJ e Sophie um aprenderá com o outro, JJ se torna menos bruto e
com mais traquejo social, Sophie aprende a ter mais confiança em si mesma.
Bautista dá ao seu agente uma vulnerabilidade por baixo de
sua fachada dura, enquanto que Coleman demonstra uma inesperada sabedoria sem
exatamente cair nos clichês de criança precoce genérica. Apesar da química, a
relação dos dois é prejudicada pelo roteiro, no qual a aproximação de JJ da
família de Sophie se dá muito por chantagens emocionais e manipulações da
menina para forçar uma aproximação entre JJ e a mãe dela. Essa “operação
cupido” da garota deveria ser adorável, mas da maneira como é construída soa
mais ardilosa e manipulativa do que fofa.