A primeira temporada de The
Boys foi uma grata surpresa ao construir um mundo em que super-heróis são
praticamente celebridades e propriedades corporativas, reduzidos a peças no
xadrez do capitalismo com as grandes corporações sendo as grandes vilãs. Apesar
dos méritos, também incomodava como em muitos momentos a série era violenta,
profana e sombria apenas para chocar. Essa segunda temporada se mostra mais
consistente ao dar explorar mais a complexidade de seus personagens,
humanizando até mesmo figuras cruéis como o Capitão Pátria (Anthony Starr).
A trama começa meses depois dos eventos do ano de estreia.
Billy Bruto (Karl Urban) e sua equipe são considerados culpados pela morte de
Stillwell (Elizabeth Shue), se tornando homens procurados. Ao mesmo tempo, os
Sete recebem um novo membro em Tempesta (Aya Cash), cuja presença chama tanta
atenção que começa a incomodar o Capitão Pátria por estar perdendo os
holofotes. Ainda nos Sete, Luz-Estrela (Erin Moriarty) planeja junto com Hughie
(Jack Quaid) em como expor a Vought pelo Composto V.
Depois da inesperada surpresa que foi a série animada
baseada em Castlevania, fiquei
curioso com o anúncio de que a Netflix produziria uma animação baseada no game Dragon’s Dogma da Capcom. Por um lado o
resultado de Castlevania dava motivos
para ter esperança, por outro, o fato de Dragon’s
Dogma não ter lá muita narrativa, deixando espaço para o jogador construir
sua própria experiência naquele universo, dava motivos para apreensão de como
isso seria transposto para tela. Felizmente o que este ano de estreia entrega é
majoritariamente positivo, ainda que tenha alguns problemas.
A narrativa é protagonizada por Ethan, um guerreiro
ressuscitado em uma jornada para recuperar o próprio coração, roubado pelo
dragão que matou sua família. O primeiro episódio mostra brevemente a vida de
Ethan e da esposa, Olivia, antes da destruição causada pelo dragão. Há a
tentativa de que isso é feito para dar mais peso às perdas do protagonista, mas
como é muito rápido (e o mesmo ocorre com os flashbacks envolvendo Olivia),
não consegue ir além de uma trama de vingança bem típica. Em sua jornada, Ethan
conta com a ajuda de Hannah, uma Peoa. No mundo de Dragon’s Dogma Peões são seres que existem para auxiliar Ressurgidos
como Ethan em suas missões.
Dirigido por Jean-Luc Godard um ano depois de Acossado (1960), filme que o lançou em
evidência no mundo todo, este Uma Mulher
é Uma Mulher segue a tendência iconoclasta do diretor em brincar com as
convenções dos gêneros hollywoodianos. Se em Acossado Godard jogava com a iconografia do noir, aqui Godard joga com os elementos típicos do filme musical.
Na trama, Angela (Anna Karina) é uma dançarina que sente o
desejo de ter um filho, mas o namorado dela, Emile (Jean-Claude Brialy), está
hesitante. Emile sugere que Angela tenha um filho com Alfred (Jean-Paul
Belmondo), melhor amigo dela. Angela acaba achando a sugestão uma boa ideia e
isso logicamente cria uma crise no relacionamento dos dois. Boa parte das
razões pelas quais o filme é tão lembrado é pela direção iconoclasta de Godard,
mas não se pode negar o carisma do trio principal, especialmente Anna Karina,
envolvente e encantadora como Angela, convencendo de como sua personagem seria
capaz de mobilizar a atenção dos homens ao seu redor.
Assim como aconteceu com a segunda temporada, este terceiro
ano de Carmen Sandiego começa com a
promessa de entregar mais sobre o passado da protagonista conforme ela se
aproximava de descobrir quem era sua mãe. A promessa não se concretiza, embora
aqui isso possa ser atribuído a uma temporada abreviada (somente cinco
episódios) provavelmente por conta da pandemia do coronavírus.
A trama começa com Carmen indo ao México para descobrir mais
sobre a possível identidade de sua mãe. Ao mesmo tempo, a VILE transfere a base
de operações da organização para o norte da Escócia depois dos eventos do
segundo ano e planeja uma série de roubos para se reerguer.
Os cinco episódios que compõem a temporada apresentam a
estrutura de “caso do dia” com Carmen e sua trupe viajando a um novo país para
impedir mais um golpe da Vile ao mesmo tempo que precisam evadir o agente
Deveraux e outros membros da ACME que ainda acham que Carmen é a vilã da
história. Como em outras temporadas, os casos apresentam uma construção
competente de suspense, personagens e antagonistas carismáticos, boas cenas de
ação, além de um cunho educativo sobre história, geografia e cultura que é
organicamente costurado nas tramas.
Lançando em 1989 e dirigido por Marlon Riggs, Línguas Desatadas é um documentário
menos interessado em informar ou convencer o público de um ponto de vista
específico e mais em partilhar a experiência sensível de mundo de um grupo
social específico. Especificamente o documentário fala sobre as experiências de
homens negros gays de comunidades
periféricas dos Estados Unidos.
O documentário mistura vários recursos, desde entrevistas e
imagens de arquivo passando por poesias recitadas e imagens de arquivo. A
montagem costura tudo de modo a produzir uma bricolagem que mistura todos esses
recursos expressivos. Poderia resultar em algo caótico, mas a montagem consegue
fazer esses diferentes materiais dialogarem para deixar o espectador imerso na
subjetividade dos sujeitos filmados.
Quando um dos entrevistados narra suas primeiras
experiências de juventude com homofobia e racismo a montagem alterna entre o
depoimento e imagens em close de
bocas proferindo ofensas preconceituosas, abruptamente interrompendo o fluxo da
fala do entrevistado. A escolha estética provavelmente foi feita no sentido de
fazer o público experimentar a sensação de receber uma torrente constante de
ódio sem conseguir se fazer ouvir, com o esforço de um sujeito em se auto
afirmar interrompido incessantemente pela intolerância alheia.
Fui assistir este Get
Duked!, produção original da Amazon Prime Video,sem esperar muita coisa. Parecia mais uma dessas comédias
adolescentes com piadas sobre drogas e escatologia jogadas de qualquer maneira
na tela. De certa forma é isso, no entanto, o roteiro é bem amarrado o
suficiente para que as situações absurdas façam algum sentido dentro da lógica
da trama e não sejam simplesmente gags cômicas
jogadas a esmo sem muito critério.
A história acompanha quatro adolescentes britânicos que são
colocados em uma competição no interior da Escócia na qual precisam atravessar
as Terras Altas até chegarem na costa. Ian (Samuel Bottomley), Dean (Rian
Gordon), Duncan (Lewis Gribben) e DJ Beatroot (Viraj Juneja) não são exatamente
os melhores alunos e o orientador vocacional deles acha que participar dessa
expedição é uma boa maneira de colocá-los nos eixos. O que os garotos não
imaginavam é que a expedição os colocaria diante de situações inesperadas, como
um culto mascarado que caça pessoas e policiais atrapalhados que confundem os
jovens com terroristas.
Toda premissa de uma viajem pelo campo é uma clara desculpa
para não precisar construir muita coisa em termos de história, se calcando em
uma série de encontros fortuitos com personagens pitorescos e as situações
absurdas que emergem disso para mover as coisas adiante. Apesar de praticamente
nenhuma trama, o filme diverte pela criatividade das situações absurdas e
inesperadas com as quais os quatro adolescentes se envolvem. Como a cena em que
Beatroot usa drogas com um grupo de fazendeiros dentro de um celeiro ou o
momento em que Duncan inesperadamente atropela uma pessoa com uma van.
Contribuindo para o senso de absurdo e anarquia estão as
escolhas estéticas, que constantemente recorre a distorções de imagem e forma
para dar a impressão de uma cognição alterada. A inserção de cores fortes em
alguns momentos contribui para um ar lisérgico aos eventos, como se tudo fosse
resultado de uma viagem errada de drogas (e na maioria dos casos aqui é mesmo).
Além de uma montagem acelerada que confere uma ritmo de energia alucinada, como
que se tudo fosse contado por alguém completamente fora de si.
Considerando a natureza sem noção do longa, eu até me
surpreendi pelo modo como o desfecho consegue amarrar bem e de maneira
convincente (dentro da lógica de absurdo da trama, claro) todos os arcos e fios
narrativos que convergem em uma fusão de sorte e estupidez para resolver todos
os problemas dos personagens. O texto também acerta em dotar os personagens de
alguma vulnerabilidade e insegurança, evitando reduzi-los a mera caricatura.
Tudo bem que não sejam personagens complexos, mas pelo menos há uma dimensão de
humanidade neles, não sendo idiotas apenas por serem idiotas e pronto.
Com situações absurdas bem construídas e personagens
carismáticos, Get Duked! consegue
funcionar como uma diversão despretensiosa.
Não é novidade que filmes baseados em games sejam péssimos.
Temos inúmeros exemplos da tentativa de levar games para o cinema rendendo
alguns longas extremamente ruins. Este King
of Fighters: A Batalha Final é só mais um exemplo de como uma adaptação de
games pode ser pavorosa. É tão ruim que perto dele Street Fighter: A Última Batalha (1994) parece até assistível em
comparação.
Na trama, a energia emanada por três tesouros místicos é
usada para acessar uma realidade (ou dimensão) virtual na qual acontece um
torneio para decidir quem será o rei dos lutadores. Essa dimensão alternativa
não traz consequência para o mundo real, ou seja, não é possível ser ferir ou
morrer de verdade nela. Isso muda quando o criminoso Rugal (Ray Park) rouba os
três tesouros e toma a dimensão para si, tornando o jogo em um torneio mortal
para poder absorver o poder dessa dimensão e da criatura sobrenatural conhecida
como Orochi. Para detê-lo, a agente da CIA Mai Shiranui (Maggie Q) precisa
reunir os representantes dos três clãs: Kyo Kusanagi (Sean Faris), Iori Yagami
(Will Yun Lee) e Chizuru Kagura (Françoise Yip).
A série A Ilha da
Fantasia sempre foi uma espécie de versão tropical de Além da Imaginação, mas agora, nas mãos da produtora Blumhouse,
essa nova versão tenta entrar mais no reino do horror. Digo tenta porque o
filme nunca consegue estabelecer com clareza o que quer para si, transitando
abruptamente entre drama, comédia e horror sem um tom claro e incapaz de
conseguir dar conta dos múltiplos arcos de personagem.
Na trama, um grupo de pessoas ganha um final de semana de
estadia na chamada Ilha da Fantasia. Uma locação paradisíaca administrada pelo
misterioso Sr. Roarke (Michael Peña). Roarke diz que a ilha tem propriedades
mágicas, que pode tornar qualquer fantasia realidade. Assim, o grupo de
personagens começa a viver suas fantasias, mas elas não se desenvolvem como
esperado.
De cara chama atenção a natureza unidimensional dos
personagens. Gwen (Maggie Q) tem um trauma do passado, Patrick (Austin Stowell)
quer se tornar militar para honrar o pai morto em serviço, Melanie (Lucy Hale)
quer se vingar da patricinha que praticou bullying
contra ela no colégio e os irmãos Brax (Jimmy O. Yang) e J.D (Ryan Hansen)
querem festas e curtição.
Lançado em 2004 para o Playstation 2, Katamari Damacy é um dos games mais estranhos com os quais eu tive
contato. A esquisitice e a personalidade singulares provavelmente foi o que
garantiu a longevidade da franquia, que ganhou algumas continuações e também um
remaster para Nintendo Switch e PC em
2018 intitulado Katamari Damacy Reroll.
É com base na versão do Switch desse remaster
que escrevo esse texto.
Katamari Damacy Reroll
parte de uma premissa totalmente aloprada. Em uma noite de bebedeira o Rei de
Todo Cosmos derruba todas as estrelas do céu. Agora cabe ao jogador,
controlando o Príncipe, o filho do rei, resolver tudo e restaurar as estrelas.
Como o príncipe fará isso? Rolando um katamari para criar novas estrelas. “O
que é um katamari?”, vocês me perguntam, bem um katamari é uma espécie de bola
grudenta que absorve qualquer coisa menor que ela e vai aumentando de tamanho
conforme o jogador vai grudando coisas nela.
Assim, se inicialmente você começa as fases com katamaris
com alguns centímetros, grudando tachinhas ou pacotes de chiclete, rapidamente
você tem uma bola com dezenas de metros e já está grudando pessoas, árvores,
carros e outras coisas maiores. Crescendo o katamari o suficiente é possível
chegar a níveis apocalípticos de tamanho, grudando prédios, navios cargueiros e
até as nuvens.
Tentando contar a história da irmã mais nova do famoso
detetive Sherlock Holmes, este Enola
Holmes busca adicionar uma perspectiva feminina às tramas do investigador
vitoriano. De início parece estar no caminho certo para alcançar seus
objetivos, mas aos poucos vai se tornando menos interessante conforme a
narrativa se afasta de seus temas centrais.
Enola (Millie Bobby Brown) cresce sozinha com a mãe Eudoria
(Helena Bonham Carter) na propriedade rural dos Holmes. Eudoria faz questão de
educar Enola em artes, ciências, criptografia e até em combate. As duas se
tornam muito próximas até que um dia Eudoria desaparece misteriosamente e Enola
é colocada sob os cuidados do irmão mais velho Mycroft (Sam Claflin), que
decide mandá-la para um colégio interno para aprender a ser uma dama da
sociedade. Sem interesse nisso e sem auxílio do irmão Sherlock (Henry Cavill)
para dissuadir Mycroft, Enola decide fugir e investigar o desaparecimento da
mãe por conta própria.
A ligação entre Enola e Eudoria é o ponto forte da
narrativa, com os primeiros minutos nos fazendo entender como a mãe é tão
central na vida da protagonista ao ponto dela arriscar tudo para encontrá-la. O
sumiço de Eudoria e a chegada dos irmãos que insistem em torná-la uma dama
serve de contraponto para a relação da protagonista com a mãe. Se Eudoria
queria uma Enola independente e emancipada, Mycroft quer apenas que ela se
encaixe no papel social aferido à mulher pela sociedade da época. Se Eudoria
fazia parte do movimento sufragista e militava por direitos iguais, Mycroft
parece querer manter as coisas exatamente como estão.