Adaptando o livro Território
Lovecraft de Matt Ruff, a série Lovecraft
Country traz uma releitura da mitologia criada pelo autor H.P Lovecraft,
bem como de vários outros elementos típicos do terror e da fantasia, a partir
das experiências da população negra dos Estados Unidos. É um movimento
importante não apenas por questões de representatividade, mas por tentar
responder a questão do que fazemos com as obras de autores que sabemos terem
sido péssimas pessoas?
Lovecraft era racista. Quando digo isso não quero dizer que
ele apenas aderia ao racismo estrutural de sua época como a maioria das pessoas
brancas que lhe eram contemporâneas. Lovecraft era ativamente racista, adepto a
um discurso de supremacia branca que ia muito além do racismo estrutural. Nesse
sentido, reapropriar a obra dele a partir da cultura e da vivência negras é um
modo de revelar como a obra pode ir além do autor, pode sobreviver às
limitações e falhas dele, pode até ser usada para tentar reparar a visão de
mundo excludente e preconceituosa que esse autor ajudou a disseminar.
A trama da série se passa nos Estados Unidos da década de 50
e é focada em Atticus (Jonathan Majors), também chamado de Tic. Quando o pai de
Tic, Montrose (Michael K. Williams), desaparece misteriosamente ele, a amiga
Leti (Jurnee Smolett) e o tio George (Courtney B. Vance) embarcam em uma viagem
pelo interior dos EUA. A viagem os colocará em rota de colisão com um antigo e
poderoso culto, além de revelar segredos a respeito da família de Tic.
Baseada no filme homônimo dirigido por Andrucha Waddington, Sob Pressão é provavelmente a melhor
série brasileira em exibição hoje. A pandemia paralisou muito das atividades
dos setores audiovisuais no Brasil, mas a série conseguiu realizar dois episódios especiais com os médicos lidando com
o combate à pandemia basicamente porque as situações em que esses personagens
estariam exigiria um equipamento de proteção, o que tornaria possível as
gravações sem sacrificar a segurança do elenco e equipe.
Na trama, Evandro (Júlio Andrade) e Carolina (Marjorie
Estiano) são chamados para trabalhar em um hospital de campanha depois de um
tempo prestando serviço em uma ONG atendendo pessoas carentes em localidades
remotas. No hospital de campanha, encontram um cotidiano tenso ao lidarem com
uma doença que ainda não entendem completamente, superlotação, falta de
equipamento e riscos de contaminação. Ocasionalmente o texto derrapa em alguns
diálogos um pouco didáticos e expositivos demais sobre as situações em que os
personagens se encontram, mas são momentos pequenos diante da força que o
especial consegue construir.
Depois de entregar uma das melhores atuações de sua carreira
no excelente Joias Brutas (2020),
Adam Sandler volta a suas comédias preguiçosas com este O Halloween do Hubie, um filme igual a praticamente todas as outras
comédias feitas por Sandler sem nenhum tipo de esmero.
Na trama, Hubie (Adam Sandler) é basicamente “o idiota da
vila”. Residindo na cidade de Salem, famosa pela queima de bruxas no século
XIX, Hubie adora o Halloween e sempre tenta transformar a data em algo
especial, buscando garantir que todos se divirtam. Esse ano, no entanto, o
trabalho de Hubie fica mais difícil quando um perigoso paciente psiquiátrico
escapa de uma instituição próxima.
Sandler interpreta Hubie como o mesmo adulto imaturo de boca
torta e voz fina que fez em boa parte de sua carreira como em Billy Madison: O Herdeiro Bobalhão (1995), O Rei da Água (1999)ou Little Nicky: Um Diabo Diferente
(2000). Não há aqui nenhum esforço de dar alguma personalidade a Hubie ou
torná-lo diferente de qualquer outra coisa que Sandler tenha feito, sendo uma
repetição preguiçosa dos mesmos trejeitos e cacoetes que já não eram muito
engraçados vinte anos atrás.
Fiquei curioso para conferir este Bom Dia, Verônica desde que tinha sido anunciado. Já tinha lido
outros trabalhos do romancista Raphael Montes e o considero um dos melhores
escritores de narrativas policiais no Brasil hoje. A ideia de uma série baseada
em um de seus livros, este escrito junto com Ilana Casoy, parecia bem
empolgante.
A trama é centrada em Verônica (Tainá Muller), escrivã da
delegacia de homicídios da polícia civil de São Paulo. Quando um caso ligado a
feminicídio dá errado e uma testemunha se suicida na frente de Verônica, a
protagonista se torna obcecada em descobrir o abusador em série que aborda
mulheres em aplicativos de namoro. Ao mesmo tempo, a protagonista é procurada
por Janete (Camila Morgado), uma mulher que sofre constante violência do
marido, Brandão (Eduardo Moscovis), que além de sujeitar a esposa a violência
também sequestra e mata outras mulheres. As coisas que se complicam quando
Verônica descobre que Brandão é um tenente-coronel da Polícia Militar,
tornando-o ainda mais perigoso.
A primeira temporada de The
Boys foi uma grata surpresa ao construir um mundo em que super-heróis são
praticamente celebridades e propriedades corporativas, reduzidos a peças no
xadrez do capitalismo com as grandes corporações sendo as grandes vilãs. Apesar
dos méritos, também incomodava como em muitos momentos a série era violenta,
profana e sombria apenas para chocar. Essa segunda temporada se mostra mais
consistente ao dar explorar mais a complexidade de seus personagens,
humanizando até mesmo figuras cruéis como o Capitão Pátria (Anthony Starr).
A trama começa meses depois dos eventos do ano de estreia.
Billy Bruto (Karl Urban) e sua equipe são considerados culpados pela morte de
Stillwell (Elizabeth Shue), se tornando homens procurados. Ao mesmo tempo, os
Sete recebem um novo membro em Tempesta (Aya Cash), cuja presença chama tanta
atenção que começa a incomodar o Capitão Pátria por estar perdendo os
holofotes. Ainda nos Sete, Luz-Estrela (Erin Moriarty) planeja junto com Hughie
(Jack Quaid) em como expor a Vought pelo Composto V.
Depois da inesperada surpresa que foi a série animada
baseada em Castlevania, fiquei
curioso com o anúncio de que a Netflix produziria uma animação baseada no game Dragon’s Dogma da Capcom. Por um lado o
resultado de Castlevania dava motivos
para ter esperança, por outro, o fato de Dragon’s
Dogma não ter lá muita narrativa, deixando espaço para o jogador construir
sua própria experiência naquele universo, dava motivos para apreensão de como
isso seria transposto para tela. Felizmente o que este ano de estreia entrega é
majoritariamente positivo, ainda que tenha alguns problemas.
A narrativa é protagonizada por Ethan, um guerreiro
ressuscitado em uma jornada para recuperar o próprio coração, roubado pelo
dragão que matou sua família. O primeiro episódio mostra brevemente a vida de
Ethan e da esposa, Olivia, antes da destruição causada pelo dragão. Há a
tentativa de que isso é feito para dar mais peso às perdas do protagonista, mas
como é muito rápido (e o mesmo ocorre com os flashbacks envolvendo Olivia),
não consegue ir além de uma trama de vingança bem típica. Em sua jornada, Ethan
conta com a ajuda de Hannah, uma Peoa. No mundo de Dragon’s Dogma Peões são seres que existem para auxiliar Ressurgidos
como Ethan em suas missões.
Dirigido por Jean-Luc Godard um ano depois de Acossado (1960), filme que o lançou em
evidência no mundo todo, este Uma Mulher
é Uma Mulher segue a tendência iconoclasta do diretor em brincar com as
convenções dos gêneros hollywoodianos. Se em Acossado Godard jogava com a iconografia do noir, aqui Godard joga com os elementos típicos do filme musical.
Na trama, Angela (Anna Karina) é uma dançarina que sente o
desejo de ter um filho, mas o namorado dela, Emile (Jean-Claude Brialy), está
hesitante. Emile sugere que Angela tenha um filho com Alfred (Jean-Paul
Belmondo), melhor amigo dela. Angela acaba achando a sugestão uma boa ideia e
isso logicamente cria uma crise no relacionamento dos dois. Boa parte das
razões pelas quais o filme é tão lembrado é pela direção iconoclasta de Godard,
mas não se pode negar o carisma do trio principal, especialmente Anna Karina,
envolvente e encantadora como Angela, convencendo de como sua personagem seria
capaz de mobilizar a atenção dos homens ao seu redor.
Assim como aconteceu com a segunda temporada, este terceiro
ano de Carmen Sandiego começa com a
promessa de entregar mais sobre o passado da protagonista conforme ela se
aproximava de descobrir quem era sua mãe. A promessa não se concretiza, embora
aqui isso possa ser atribuído a uma temporada abreviada (somente cinco
episódios) provavelmente por conta da pandemia do coronavírus.
A trama começa com Carmen indo ao México para descobrir mais
sobre a possível identidade de sua mãe. Ao mesmo tempo, a VILE transfere a base
de operações da organização para o norte da Escócia depois dos eventos do
segundo ano e planeja uma série de roubos para se reerguer.
Os cinco episódios que compõem a temporada apresentam a
estrutura de “caso do dia” com Carmen e sua trupe viajando a um novo país para
impedir mais um golpe da Vile ao mesmo tempo que precisam evadir o agente
Deveraux e outros membros da ACME que ainda acham que Carmen é a vilã da
história. Como em outras temporadas, os casos apresentam uma construção
competente de suspense, personagens e antagonistas carismáticos, boas cenas de
ação, além de um cunho educativo sobre história, geografia e cultura que é
organicamente costurado nas tramas.
Lançando em 1989 e dirigido por Marlon Riggs, Línguas Desatadas é um documentário
menos interessado em informar ou convencer o público de um ponto de vista
específico e mais em partilhar a experiência sensível de mundo de um grupo
social específico. Especificamente o documentário fala sobre as experiências de
homens negros gays de comunidades
periféricas dos Estados Unidos.
O documentário mistura vários recursos, desde entrevistas e
imagens de arquivo passando por poesias recitadas e imagens de arquivo. A
montagem costura tudo de modo a produzir uma bricolagem que mistura todos esses
recursos expressivos. Poderia resultar em algo caótico, mas a montagem consegue
fazer esses diferentes materiais dialogarem para deixar o espectador imerso na
subjetividade dos sujeitos filmados.
Quando um dos entrevistados narra suas primeiras
experiências de juventude com homofobia e racismo a montagem alterna entre o
depoimento e imagens em close de
bocas proferindo ofensas preconceituosas, abruptamente interrompendo o fluxo da
fala do entrevistado. A escolha estética provavelmente foi feita no sentido de
fazer o público experimentar a sensação de receber uma torrente constante de
ódio sem conseguir se fazer ouvir, com o esforço de um sujeito em se auto
afirmar interrompido incessantemente pela intolerância alheia.
Fui assistir este Get
Duked!, produção original da Amazon Prime Video,sem esperar muita coisa. Parecia mais uma dessas comédias
adolescentes com piadas sobre drogas e escatologia jogadas de qualquer maneira
na tela. De certa forma é isso, no entanto, o roteiro é bem amarrado o
suficiente para que as situações absurdas façam algum sentido dentro da lógica
da trama e não sejam simplesmente gags cômicas
jogadas a esmo sem muito critério.
A história acompanha quatro adolescentes britânicos que são
colocados em uma competição no interior da Escócia na qual precisam atravessar
as Terras Altas até chegarem na costa. Ian (Samuel Bottomley), Dean (Rian
Gordon), Duncan (Lewis Gribben) e DJ Beatroot (Viraj Juneja) não são exatamente
os melhores alunos e o orientador vocacional deles acha que participar dessa
expedição é uma boa maneira de colocá-los nos eixos. O que os garotos não
imaginavam é que a expedição os colocaria diante de situações inesperadas, como
um culto mascarado que caça pessoas e policiais atrapalhados que confundem os
jovens com terroristas.
Toda premissa de uma viajem pelo campo é uma clara desculpa
para não precisar construir muita coisa em termos de história, se calcando em
uma série de encontros fortuitos com personagens pitorescos e as situações
absurdas que emergem disso para mover as coisas adiante. Apesar de praticamente
nenhuma trama, o filme diverte pela criatividade das situações absurdas e
inesperadas com as quais os quatro adolescentes se envolvem. Como a cena em que
Beatroot usa drogas com um grupo de fazendeiros dentro de um celeiro ou o
momento em que Duncan inesperadamente atropela uma pessoa com uma van.
Contribuindo para o senso de absurdo e anarquia estão as
escolhas estéticas, que constantemente recorre a distorções de imagem e forma
para dar a impressão de uma cognição alterada. A inserção de cores fortes em
alguns momentos contribui para um ar lisérgico aos eventos, como se tudo fosse
resultado de uma viagem errada de drogas (e na maioria dos casos aqui é mesmo).
Além de uma montagem acelerada que confere uma ritmo de energia alucinada, como
que se tudo fosse contado por alguém completamente fora de si.
Considerando a natureza sem noção do longa, eu até me
surpreendi pelo modo como o desfecho consegue amarrar bem e de maneira
convincente (dentro da lógica de absurdo da trama, claro) todos os arcos e fios
narrativos que convergem em uma fusão de sorte e estupidez para resolver todos
os problemas dos personagens. O texto também acerta em dotar os personagens de
alguma vulnerabilidade e insegurança, evitando reduzi-los a mera caricatura.
Tudo bem que não sejam personagens complexos, mas pelo menos há uma dimensão de
humanidade neles, não sendo idiotas apenas por serem idiotas e pronto.
Com situações absurdas bem construídas e personagens
carismáticos, Get Duked! consegue
funcionar como uma diversão despretensiosa.