A primeira expansão de PokémonSword/Shield, Isle of Armor,
trazia novos monstrinhos e o retorno de velhos conhecidos, mas não acrescentava
muito em termos de novas mecânicas ou narrativa. Este The Crown Tundra, por sua vez, além de novos pokémons a capturar
também tem um pouco mais de trama e alguns novos eventos para mexer na
jogabilidade.
Na trama, o jogador chega à titular tundra e se envolve em
uma expedição liderada pelo ex-líder de ginásio Peony e sua filha Peonia para
encontrarem os vários pokémons lendários que habitam a região. O principal
deles é Calyrex, considerado uma divindade capaz de fazer as colheitas
crescerem, mas que foi esquecido pela população local. Além deles o jogador
também encontrará as formas Galar das três aves lendárias de Kanto: Articuno,
Zapdos e Moltres.
A trama tem um pouco mais de substância que a da primeira
expansão, ainda que relativamente curta. A narrativa nunca explora como deveria
a relação entre Peony e a filha, reduzindo-os a momentos de humor. Sim, Peony é
um personagem divertido, mas considerando o passado dele (explicado em sua
carta de treinador) é uma pena que trama não o desenvolva a ponto de repercutir
nele as ações do presidente Rose, irmão do personagem, e o mais próximo de um
vilão na campanha principal.
Não joguei o primeiro Hyrule
Warriors quando ele saiu para WiiU, só me aproximando do jogo na Definitive Edition que foi lançada para
Nintendo Switch e confesso que fiquei bastante surpreso. De todos os spin-offs
da franquia Dynasty Warriors em outros universos (como Dragon Questou One Piece),
Hyrule Warriors me pareceu o que
melhor combinava os elementos das duas propriedades convergentes. Nunca
imaginei que ver Link, Zelda e outros massacrando exércitos inteiros em ataques
especiais que despachavam centenas de inimigos por vez pudesse ser tão
divertido.
O anúncio de um novo jogo na forma deste Hyrule Warriors: Age of Calamity me
deixou bastante empolgado não só pela possibilidade de refinar o primeiro jogo,
mas também por contar uma história que serviria de prelúdio para Zelda: Breath of the Wild, mostrando
como Calamity Ganon derrotou os guardiões e Link precisou ser colocado em
hibernação por 100 anos.
O demo do jogo disponibilizado pela Nintendo dá acesso ao
primeiro capítulo da campanha principal, algumas breves missões secundárias e
três personagens jogáveis em Link, Zelda e Impa. Se o primeiro Hyrule Warriors
misturava personagens de diferentes temporalidades ou universos da franquia
Zelda (além de alguns originais), aqui todos (ao menos por enquanto) se baseiam
nas versões de BoW.
A estrutura básica da jogabilidade é similar a de qualquer
game em estilo Musou, com o jogador correndo por um grande campo de batalha
cumprindo objetivos como capturar bases inimigas, derrotar líderes adversários ou
escoltar algum aliado. Tudo serve como desculpa para massacrar centenas de
inimigos por missão, deixando o jogador imerso na fantasia de poder de ser um
guerreiro apelativamente habilidoso.
Cada personagem tem uma habilidade própria ligada ao botão
ZR, com Link usando seu arco ou Impa colocando símbolos mágicos que atacam os
inimigos e podem ser absorvidos por ela para deixá-la ainda mais poderosa. Além
disso todos os personagens tem acesso ao uso de runas como bombas, magnesis ou
stasis, mas o modo como cada um as usa é diferente. Ao usar bombas, Link
arremessa uma série de explosivos nos inimigos, enquanto Zelda invoca uma
espécie de Guardião (que pode ser controlado pelo jogador) que caminha pelo
cenário disparando bombas. Isso ajuda a diferenciar ainda mais cada personagem,
já que no primeiro Hyrule Warriors
equipamentos como bombas, gancho ou arco eram iguais para todos os personagens.
O jogo ainda utiliza várias mecânicas presentes em Breath of Wild, ainda que aplicando-as
ao seu modo. Cozinhar alimentos, por exemplo, é algo que pode ser feito no
início de cada missão e cada prato oferece uma bonificação diferente. Vasculhar
o mapa por sementes Korok também está presente, embora pelo demo ainda não seja
possível dizer a função delas. Diferente de BoW,
no entanto, aqui as receitas precisam primeiro ser aprendidas antes de serem
utilizadas e isso pode ser feito completando algumas missões ou atendendo aos
pedidos de recursos de NPCs.
Entre uma missão e outra o jogador tem uma visão do mapa de
Hyrule, no qual pode visualizar as próximas missões além de entrepostos
comerciais e NPCs pedindo recursos. Atender aos pedidos dos NPCs ajuda a
desenvolver cada região de Hyrule, além de recompensar o jogador com receitas,
equipamentos, golpes ou mesmo novos mercadores de onde comprar. O mapa tem o
mesmo visual de Breath of the Wild
ainda que as localidades estejam obviamente diferente já que tudo se passa 100
anos antes da destruição provocada por Ganon. Todo o jogo, na verdade, é
visualmente bem fiel a BoW,
reforçando a impressão de que é tudo no mesmo universo.
Com um combate ágil, personagens bacanas e uma narrativa com
o potencial de ampliar nossa compreensão do universo de Breath of the Wild, a demo de Hyrule
Warriors: Age of Calamity nos deixou muito empolgados pelo produto final,
que será lançado para Switch em 20 de novembro.
Escrito por Umberto Eco, o romance O Nome da Rosa promoveu a quebra de uma série de paradigmas quando
foi lançado em 1980. Era uma narrativa policial passada no período medieval
protagonizada por um detetive arguto, extremamente racional, nos moldes de
Sherlock Holmes, que, ainda assim, falhava em desvendar o crime e encontrava o
culpado apenas por acidente. Isso colocava em questão a exaltação à
racionalidade feita pelo gênero, ponderando sobre a complexidade e a não
linearidade do conhecimento.
Com o sucesso feito pelo romance era inevitável que houvesse
uma adaptação para os cinemas. Em 1986 foi lançada a adaptação para cinemas
dirigida por Jean-Jacques Annoud e estrelada por Sean Connery. O filme era um
pouco mais convencional do que o romance, já que nele o protagonista de fato
resolvia o crime, inclusive já explicando a resolução na metade da narrativa
enquanto os líderes da abadia na qual os assassinatos aconteciam se recusavam a
acreditar nas deduções do protagonista. Deduções essas que vinham se confirmar
ao final. Desta maneira, a versão para os cinemas de O Nome da Rosa não tem o questionamento de paradigmas das
narrativas investigativas trazida pelo livro e com isso boa parte do impacto do
texto de Eco, mas isso não o faz ser necessariamente um produto ruim.
O Brasil nunca passou plenamente à limpo o período da
ditadura militar. Nunca confrontamos diretamente o que aconteceu naquele
momento da nossa história tampouco conseguimos resgatar ou trazer à tona os
eventos que foram ocultados e enterrados. Essas lacunas na memória do período e
ausência reverberam ainda hoje e são parte das razões de nos últimos anos
termos visto a ascensão de negacionistas históricos a altos cargos de poder.
Este Torre das
Donzelas toma para si a tarefa de reconstruir parte dessas memórias do
período da ditadura e violações cometidas pelo regime ao contar a história de
mulheres que foram presas e torturadas nesta época. O filme conta a história de
detentas do Presídio Tiradentes, apelidado de Torre das Donzelas justamente por
ser um presídio feminino.
O documentário ouve diferentes ex-detentas do local,
inclusive a ex-presidente Dilma Roussef, transformando o testemunho dessas
mulheres no principal meio de reconstrução desse passado ausente do qual não há
registro formal. Durante os testemunhos vemos como a memória não se apresenta
apenas na fala das entrevistadas, mas também em seus corpos, no modo como elas
reagem quando entram no espaço vazio de ficavam suas antigas celas. As vozes
embargadas, as inflexões tremidas presentes em momentos que mencionam algumas
das experiências mais traumáticas mostram como elas ainda carregam consigo as
marcas do passado.
O primeiro Borat (2006)
chamava atenção por suas imagens de cunho semi-documental na qual o fictício
repórter do Cazaquistão interagia com pessoas reais dos Estados Unidos e
expunha o preconceito, a intolerância e a xenofobia do país. Repetir esse tipo
de personagem hoje, mais de uma década depois, e com o fato dos EUA terem um
presidente que costumeiramente dá declarações abertamente racista, além de
literais nazistas fazendo marchas pelas ruas, provavelmente não traria o mesmo
impacto. O comediante Sacha Baron Cohen parece saber disso e neste Borat: Fita de Cinema Seguinte investe
mais em uma trama melhor construída e menos nesses esquetes soltos em que ele
interage com anônimos.
Na trama, descobrimos que depois dos eventos do primeiro
filme Borat (Sacha Baron Cohen) ficou preso em uma gulag sendo submetido a trabalhos forçados. Ele é retirado da gulag a pedido do primeiro ministro do
Cazaquistão, que lhe dá a missão de ir aos Estados Unidos para entregar um
presente ao vice-presidente Mike Pence e assim recuperar o prestígio do
Cazaquistão. Na viagem Borat é acompanhado por Tutar (Maria Bakalova), a filha
caçula que ele nem sabia que tinha. Assim, a narrativa é mais sobre essa
relação entre Borat e Tutar do que os momentos semi-documentais, ainda que eles
continuem presentes.
Produzido pela Blumhouse,
o terror Noturno parte da familiar
premissa do conflito entre duas irmãs. Juliet (Sydney Sweeney) e Vivian
(Madison Iseman) são gêmeas que estudam em um colégio interno voltado para o
ensino de artes e ambas estudam piano. Vivian é popular, tem o melhor professor
de piano da escola e conseguiu ser aceita na prestigiosa Julliard. Juliet, por
outro lado, não tem nada disso. Farta de viver à sombra da irmã, Juliet vê uma
oportunidade ao encontrar o caderno de uma colega que cometeu suicídio. No
caderno ele encontra desenhos macabros que talvez tenham um significado oculto
que a ajude a ter sucesso.
O primeiro acerto do filme é manter ambíguos seus elementos
sobrenaturais. Afinal, Juliet de fato vendeu a alma ao diabo para conseguir
superar a irmã? Ou na verdade ela está surtando por conta da pressão e
ansiedade que sente ao não corresponder ao que os pais e ela mesma espera de si?
Essa incerteza contribui para boa parte do suspense e da tensão, já que não
sabemos com certeza qual a causa dos problemas da protagonista. Nesse sentido,
a trama consegue criar imagens bem sinistras quando Juliet parece ver os
desenhos do caderno ganhando vida diante de seus olhos.
Dirigido por Dave Franco este Vigiados começa como um suspense no qual as tensões emergem das
relações problemáticas entre os protagonistas. O que começa promissor, logo se
torna desinteressante quando chega o momento de fazer as tensões de fato
explodirem.
Na trama, dois casais alugam uma luxuosa casa à beira mar
para passar um final de semana. Charlie (Dan Stevens) e Michelle (Alison Brie)
vão para a propriedade acompanhados de Josh (Jeremy Allen White), irmão de
Charlie, e Mina (Sheila Vand), namorada de Josh e sócia de Charlie. A chegada à
casa traz algumas tensões envolvendo o preconceituoso gestor da propriedade e,
aos poucos, percebemos também que a relação entre os quatro não é o que parece,
com muitas tensões latentes.
A primeira metade da narrativa trabalha com certa habilidade
as tensões subjacentes entre esses protagonistas. De maneira muito sutil vemos
como Charlie e Josh guardam certas mágoas em relação ao outro, como Michelle
parece deslocada em seu relacionamento com Charlie ou a impressão de que Mina e
Charlie talvez tenham algo mais entre eles além de serem apenas parceiros de
negócios.
Nas duas partes anteriores da análise de Lovecraft Country falei como a série
trabalhava com vários elementos típicos do terror e da fantasia para falar de
elementos da experiência negra nos EUA. Avisamos que o texto abaixo contem
SPOILERS.
A questão da brutalidade policial, por exemplo, aparece no
oitavo episódio, que lida com o trauma coletivo da morte de Emmett Till, um
brutal crime real que chocou (e choca ainda hoje) tanto pela violência do crime
quanto pela sua motivação banal (ele supostamente teria assoviado para uma
mulher branca) e pelo fato dos assassinos terem ficado impune.
A ideia de que as autoridades detêm um controle e poder
sobre as vidas da população negra é ilustrada pelo arco de Dee (Jada Harris) ao
longo do episódio. Amaldiçoada por um policial que faz parte do culto em busca
do sangue de Tic, Dee começa a ser perseguida por duas entidades que se parecem
como duas garotas gêmeas em blackface,
maquiadas para reproduzirem traços da população negra de maneira caricatural e
deturpada. A lógica da maldição se assemelha a da criatura de Corrente do Mal(2014), que não para de
seguir o alvo até matá-lo, enquanto da ideia de alguém ser perseguido por um
duplo deturpado remete a Nós(2018),
do Jordan Peele, um dos produtores da série.
Na primeira parte do texto sobre Lovecraft Country, falei sobre como a série usava o terror e a
fantasia para abordar os elementos das vivências negras nos EUA, usando
monstros, assombrações, cultos e outros elementos como metáforas para processos
de racismo, exploração e desigualdade social. Nessa segunda parte vou tentar
observar como a série lida com questões de identidade e a construção de papeis
sociais aferidos a negros ou a mulheres. Avisamos que o texto contem SPOILERS.
O quarto episódio continua a expandir o jogo que a série faz
com certos elementos da ficção de horror, fantasia ou aventura ao inserir os
personagens em uma trama que poderia tranquilamente ter saído de filmes como Indiana Jones ou A Lenda do Tesouro Perdido (2004). Ao procurar um cofre secreto do
culto liderado pela família Braithwhite, eles começam a explorar as catacumbas
de um museu que, logicamente, está repleta de armadilhas.
Os diálogos entre Tic, Leti e Montrose explicitam a natureza
autoconsciente do episódio, com o trio usando o conhecimento de narrativas de
aventura para pautar como devem prosseguir pelos testes e tribulações impostos
pelo labirinto. Até mesmo a música de fundo do episódio, com um uso constante
de instrumentos metálicos, remete às composições de John Williams para os
filmes do Indiana Jones.
Em 1962 John F. Kennedy disse em um discurso algo que em
português poderia ser traduzido como “aqueles que fazem revoluções pacíficas
serem impossíveis, tornam revoluções violentas inevitáveis”. Essa frase não
está ligada aos eventos reais retratados neste Os 7 de Chicago, produção da Netflix escrita e dirigida por Aaron
Sorkin, mas veio à minha mente em alguns momentos durante o filme.
A trama narra os eventos reais do julgamento de sete líderes
de movimentos contra a Guerra do Vietnã, presos sob a acusação de terem
incitado a multidão contra a polícia de Chicago durante um protesto que
terminou de maneira violenta. Chamados de “os 7 de Chicago”, o julgamento do
grupo teve alta cobertura da imprensa e chamou a atenção pelo modo como muito
do devido processo legal era jogado pela janela apenas para condená-los.
O estilo de Sorkin já se manifesta na montagem inicial que
traz imagens de arquivo sobre os protestos contra o Vietnã que já aconteciam
anos antes dos eventos em Chicago. Imagens de Martin Luther King e Robert
Kennedy discursando contra a guerra são abruptamente interrompidas por uma tela
preta acompanhada pelo som de tiros para nos lembrar que eles foram
assassinados e denotar o silenciamento das vozes que se manifestavam contra o
Vietnã. A ideia parece associar como esse sistemático esforço de suprimir vozes
e ações contra a guerra desembocaram nos protestos de Chicago.