Quando escrevi sobre a demo de Hyrule Warriors: Age of Calamity mencionei o quanto fiquei surpreso
do jogo conseguir transpor tantas mecânicas de Zelda: Breath of the Wild para a estrutura de um game de ação
estilo Musou do spin-off Hyrule Warriors.
O primeiro dessa série de derivados contava uma história própria que misturava
diferentes temporalidades do universo Zelda, misturando heróis e vilões de
games como Ocarina of Time, Twilight Princess ou Skyward Sword, mas este é todo centrado
no universo apresentado em Breath of the
Wild.
A trama se passa 100 anos antes de Breath of the Wild e conta a história do ataque de Calamity Ganon
que levou à queda de Hyrule, a morte dos quatro pilotos das feras divinas e a
Link ser colocado em estase durante um século. Ajuda não só a dar mais contexto
a Breath of the Wild como também
amplia nosso entendimento sobre esse universo ao ver como a Hyrule do jogo era
antes da devastação de Ganon. A narrativa também nos mostra versões muito mais
jovens dos personagens de BoW, como
Impa, que lá era já uma senhorinha idosa e aqui, em sua juventude, é uma ágil
guerreira, lutando com espadas, selos mágicos e símbolos místicos.
Há um
elemento de viagem no tempo aqui, no entanto, que pode desagradar os fãs mais
puristas de BoW. Outro problema é que
a trama é, em muitos momentos, excessivamente expositiva, focando mais em
explicar como as coisas aconteceram do que desenvolver os personagens e as
relações entre eles. Uma pena, já que os campeões Daruk, Mipha, Revali e Urbosa
são tão carismáticos. A única que recebe um pouco mais de desenvolvimento é Zelda, com a trama focando no senso de inadequação da princesa conforme ela parece não conseguir despertar o poder profetizado para ela.
Exclusivo para Playstation 4, Marvel’s Spider-Man fez pelo amigão da vizinhança nos games o que Batman: Arkham Asylum fez pelo
Homem-Morcego. Era um game que realmente nos fazia sentir como o Homem-Aranha,
seja na física do movimento com as teias, seja na narrativa que mostra os
conflitos de Peter Parker em manter sua vida pessoal no lugar enquanto salva a
cidade como Homem-Aranha. Uma sequência é inevitável, inclusive por conta das
cenas pós-créditos que deixam alguns ganchos. Antes de acompanharmos uma
segunda aventura de Parker, no entanto, a Sony nos dá Spider-Man: Miles Morales, que foca no personagem titular que ganhou
poderes no final do primeiro game do Aranha.
A trama se passa durante as festas de fim de ano. Peter sai
de Nova Iorque em uma viagem de trabalho com Mary Jane e deixa a cidade a cargo
de Miles Morales, que começou a treinar com Peter para desenvolver seus
poderes. Sozinho e sem o auxílio de Peter, Miles precisa lidar com a ameaça da
corporação Roxxon, cujo novo reator de energia parece mais perigoso do que
parece, e do vilão Tinkerer, que parece ter contas a acertar com a Roxxon. Além
disso, Miles precisa lidar com a campanha de sua mãe, Rio, que concorre a
vereadora, a reaproximação com o tio Aaron e o retorno de uma antiga amiga de
infância, Phin.
Apesar de ter gostado de Dragon Ball Z Kakarote o modo como o jogo nos fazia viver no universo de Dragon
Ball revivendo os principais arcos, fiquei um pouco decepcionado com o primeiro
DLC, Um Novo Poder Desperta Parte 1.
A primeira expansão levava o jogador a uma área vazia, o planeta de Bills, sem
muito o que fazer fora uma série de batalhas similares entre si contra Whis
e Bills, além de quebrar a progressão de níveis com itens de aumento de XP que
tornavam fácil demais subir de nível. Esse segundo DLC, Um Novo Poder Desperta Parte 2, se sai melhor em oferecer mais
conteúdo e uma experiência mais significativa.
Se a primeira expansão era basicamente uma série de batalhas
contra chefes, essa segunda reconta a trama de A Ressurreição de Freeza, com direito a cutscenes que tem a mesma intensidade e dramaticidade daquelas
contidas na campanha principal. Não é uma história longa, podendo ser
completada em pouco mais de uma hora, mas o jogo ainda oferece mais algumas
missões secundárias após a trama principal que injetam um pouco de humor ao
desenvolver mais alguns personagens do exército de Freeza e também alguns dos
guerreiros Z.
Falando neles, essa expansão também consegue dar evidência a
outros personagens para além de Goku e Vegeta. Como os dois estão treinando com
Whis quando Freeza ataca, cabe a Gohan, Piccolo e os demais proteger o planeta,
o que dá motivo para continuar usando e evoluindo muitos personagens que tinham
sido deixados de lado após o fim da campanha principal.
A expansão adiciona novas transformações para Goku e Vegeta
no Super Saiyajin Azul, além de novos combos e golpes especiais para eles, o
que ajuda a dar um frescor à jogabilidade. Assim como algumas transformações do
jogo base, a nova transformação consome ki muito rápido (diferente de Super
Saiyajin Deus, que não consumia ki) o que mais uma vez traz um componente
estratégico às batalhas já que exige que o jogador fique atento para gerenciar
sua energia.
Além disso, há uma nova mecânica na forma das batalhas de
hordas, feitas para simular as lutas contra centenas de soldados de Freeza ao
mesmo tempo. A mecânica acaba sendo um pouco decepcionante porque você não tem
realmente uma centena de inimigos ao seu redor de uma vez só, mas apenas uma
dezena deles e o resto vai aparecendo conforme você vai derrotando inimigos. Ao
usar um ataque combinado de todo o grupo é possível eliminar dezenas de
inimigos de uma vez, gerando algumas cutscenes
com os ataques grandiloquentes típicos da franquia. Apesar de trazer alguma
novidade, a mecânica não explora plenamente o potencial que poderia ter.
Ainda assim Um Novo
Poder Desperta Parte 2 consegue entregar algo mais consistente do que a
primeira parte, lembrando os elementos que o jogo base tinha de melhor de dando
boas razões para que retornemos a ele.
Lançado em 1995, 007
Contra Goldeneye tinha a missão de mostrar que o famoso agente britânico
com licença para matar ainda poderia ser relevante em um contexto pós-Guerra
Fria. No final da década de oitenta as duas tentativas protagonizadas por
Timothy Dalton, 007 Marcado Para Morte (1987)
e 007 Permissão Para Matar (1989), não
agradaram muito por conta da persona mais
violenta do Bond de Dalton e pela natureza mais banal de seus inimigos, como
contrabandistas, oficiais governamentais corruptos ou crimes de evasão de divisas.
Com um novo Bond em Pierce Brosnan, 007 Contra Goldeneye tentava trazer de volta a glória dos tempos
áureos de James Bond, afastando-o do tom excessivamente sisudo de Dalton ou do camp e da galhofa de Roger Moore. A
abordagem parecia remeter à fase de Sean Connery, mas fazendo o personagem e as
ameaças enfrentadas por ele soarem contemporâneas (para a época em que foi
feito, claro). Nesse sentido, a trama do filme é sobre as marcas indeléveis da
guerra, sobre como o fim de um conflito não significa que as feridas abertas
por ele deixam de sangrar e as consequências disso reverberam por anos a fio.
Não sei se serei capaz de dizer algo sobre Os Pássaros, filme seminal de Alfred
Hitchcock, que já não tenha sido dito antes. É um suspense de condução segura
que trabalha para nos deixar à beira da poltrona em tensão mesmo que em um
primeiro momento a ideia da ameaça principal soe um pouco risível. Afinal, ninguém
pensaria que pássaros comuns poderiam ser tão aterrorizantes, no entanto é a
condução segura do diretor e as situações inventivas que consegue criar ao
redor da premissa.
Na trama a socialite Melanie (Tippi Hedren) viaja até uma
cidadezinha no norte da Califórnia para encontrar Mitch (Rod Taylor), por quem
talvez esteja interessada romanticamente. Chegando no local, no entanto,
fenômenos estranhos começam a acontecer quando pássaros parecem atacar a
população e os ataques vão se tornando cada vez mais frequentes.
O texto é inteligente o bastante para não explicar demais o
que está acontecendo, se recusando a entregar uma motivação explícita para os
ataques dos animais. Essa recusa é eficiente em termos de suspense porque o
fato de não sabermos exatamente com o que esses personagens estão lidando ou
como combater a ameaça torna tudo ainda mais incerto. Além disso, seria difícil
dar uma explicação convincente que funcionasse para todo mundo, então deixar
isso em aberto à imaginação do espectador serve para que o público projete seus
medos e inquietações diante do estranho fenômeno. Sei que pode parecer óbvio
falar disso hoje, mas essa é uma lição que muitos seguidores de Hitchcock ainda
não pareceram captar, vide M. Night Shyamalan em Fim dos Tempos (2008) e as explicações risíveis que o filme dá.
Quando escrevi sobre a primeira temporada de O Alienista falei que era uma narrativa
policial competente, ainda que bastante presa às convenções do gênero. Essa
segunda temporada, O Alienista: Anjo das
Trevas, segue um pouco os resultados do ano de estreia, com um mistério
envolvente, ainda que bastante aderente aos lugares comuns desse tipo de
narrativa.
A trama se passa na Nova Iorque no final do século XIX
durante o auge da guerra hispano-americana. Laszlo (Daniel Bruhl), John (Luke
Evans) e Sara (Dakota Fanning) voltam a trabalhar juntos para impedir a
execução de uma mulher que julgam ter sido condenada injustamente de ter matado
o próprio bebê, sendo que o corpo nunca foi encontrado. O trio não consegue
deter a execução, mas pouco tempo depois o corpo da criança é encontrado e
Laszlo encontra provas suficientes para demonstrar que a real culpada ainda
está à solta. As coisas se agravam quando o bebê de um dignitário espanhol é
sequestrado e as autoridades nada fazem. A senhora Linares (Bruna Cusí), esposa
do diplomata, acaba contratando Sara para resolver o caso. Logicamente a
investigadora recorre também a John e Laszlo.
Assim como na primeira temporada, a ambientação no passado é
usada também para falar do presente. O arco de Sara continua a ser usado para
falar do machismo daquela sociedade, com a investigadora não sendo levada a
sério pela polícia local ou outros com quem interage. A investigação sobre o
sequestro dos bebês também mostra toda uma rede de abuso de mulheres
perpetradas por homens poderosos e médicos sem escrúpulos. Esses homens em
posições de poder pagavam médicos para fazerem os partos de suas amantes e
depois dizer a elas que as crianças morreram no parto, esterilizando as
mulheres contra a vontade delas. Toda a trama revela como as mulheres eram
tratadas como objetos, sendo descartadas pelos homens no momento em que se
tornavam inconvenientes e internadas como loucas se causassem problemas.
A primeira expansão de PokémonSword/Shield, Isle of Armor,
trazia novos monstrinhos e o retorno de velhos conhecidos, mas não acrescentava
muito em termos de novas mecânicas ou narrativa. Este The Crown Tundra, por sua vez, além de novos pokémons a capturar
também tem um pouco mais de trama e alguns novos eventos para mexer na
jogabilidade.
Na trama, o jogador chega à titular tundra e se envolve em
uma expedição liderada pelo ex-líder de ginásio Peony e sua filha Peonia para
encontrarem os vários pokémons lendários que habitam a região. O principal
deles é Calyrex, considerado uma divindade capaz de fazer as colheitas
crescerem, mas que foi esquecido pela população local. Além deles o jogador
também encontrará as formas Galar das três aves lendárias de Kanto: Articuno,
Zapdos e Moltres.
A trama tem um pouco mais de substância que a da primeira
expansão, ainda que relativamente curta. A narrativa nunca explora como deveria
a relação entre Peony e a filha, reduzindo-os a momentos de humor. Sim, Peony é
um personagem divertido, mas considerando o passado dele (explicado em sua
carta de treinador) é uma pena que trama não o desenvolva a ponto de repercutir
nele as ações do presidente Rose, irmão do personagem, e o mais próximo de um
vilão na campanha principal.
Não joguei o primeiro Hyrule
Warriors quando ele saiu para WiiU, só me aproximando do jogo na Definitive Edition que foi lançada para
Nintendo Switch e confesso que fiquei bastante surpreso. De todos os spin-offs
da franquia Dynasty Warriors em outros universos (como Dragon Questou One Piece),
Hyrule Warriors me pareceu o que
melhor combinava os elementos das duas propriedades convergentes. Nunca
imaginei que ver Link, Zelda e outros massacrando exércitos inteiros em ataques
especiais que despachavam centenas de inimigos por vez pudesse ser tão
divertido.
O anúncio de um novo jogo na forma deste Hyrule Warriors: Age of Calamity me
deixou bastante empolgado não só pela possibilidade de refinar o primeiro jogo,
mas também por contar uma história que serviria de prelúdio para Zelda: Breath of the Wild, mostrando
como Calamity Ganon derrotou os guardiões e Link precisou ser colocado em
hibernação por 100 anos.
O demo do jogo disponibilizado pela Nintendo dá acesso ao
primeiro capítulo da campanha principal, algumas breves missões secundárias e
três personagens jogáveis em Link, Zelda e Impa. Se o primeiro Hyrule Warriors
misturava personagens de diferentes temporalidades ou universos da franquia
Zelda (além de alguns originais), aqui todos (ao menos por enquanto) se baseiam
nas versões de BoW.
A estrutura básica da jogabilidade é similar a de qualquer
game em estilo Musou, com o jogador correndo por um grande campo de batalha
cumprindo objetivos como capturar bases inimigas, derrotar líderes adversários ou
escoltar algum aliado. Tudo serve como desculpa para massacrar centenas de
inimigos por missão, deixando o jogador imerso na fantasia de poder de ser um
guerreiro apelativamente habilidoso.
Cada personagem tem uma habilidade própria ligada ao botão
ZR, com Link usando seu arco ou Impa colocando símbolos mágicos que atacam os
inimigos e podem ser absorvidos por ela para deixá-la ainda mais poderosa. Além
disso todos os personagens tem acesso ao uso de runas como bombas, magnesis ou
stasis, mas o modo como cada um as usa é diferente. Ao usar bombas, Link
arremessa uma série de explosivos nos inimigos, enquanto Zelda invoca uma
espécie de Guardião (que pode ser controlado pelo jogador) que caminha pelo
cenário disparando bombas. Isso ajuda a diferenciar ainda mais cada personagem,
já que no primeiro Hyrule Warriors
equipamentos como bombas, gancho ou arco eram iguais para todos os personagens.
O jogo ainda utiliza várias mecânicas presentes em Breath of Wild, ainda que aplicando-as
ao seu modo. Cozinhar alimentos, por exemplo, é algo que pode ser feito no
início de cada missão e cada prato oferece uma bonificação diferente. Vasculhar
o mapa por sementes Korok também está presente, embora pelo demo ainda não seja
possível dizer a função delas. Diferente de BoW,
no entanto, aqui as receitas precisam primeiro ser aprendidas antes de serem
utilizadas e isso pode ser feito completando algumas missões ou atendendo aos
pedidos de recursos de NPCs.
Entre uma missão e outra o jogador tem uma visão do mapa de
Hyrule, no qual pode visualizar as próximas missões além de entrepostos
comerciais e NPCs pedindo recursos. Atender aos pedidos dos NPCs ajuda a
desenvolver cada região de Hyrule, além de recompensar o jogador com receitas,
equipamentos, golpes ou mesmo novos mercadores de onde comprar. O mapa tem o
mesmo visual de Breath of the Wild
ainda que as localidades estejam obviamente diferente já que tudo se passa 100
anos antes da destruição provocada por Ganon. Todo o jogo, na verdade, é
visualmente bem fiel a BoW,
reforçando a impressão de que é tudo no mesmo universo.
Com um combate ágil, personagens bacanas e uma narrativa com
o potencial de ampliar nossa compreensão do universo de Breath of the Wild, a demo de Hyrule
Warriors: Age of Calamity nos deixou muito empolgados pelo produto final,
que será lançado para Switch em 20 de novembro.
Escrito por Umberto Eco, o romance O Nome da Rosa promoveu a quebra de uma série de paradigmas quando
foi lançado em 1980. Era uma narrativa policial passada no período medieval
protagonizada por um detetive arguto, extremamente racional, nos moldes de
Sherlock Holmes, que, ainda assim, falhava em desvendar o crime e encontrava o
culpado apenas por acidente. Isso colocava em questão a exaltação à
racionalidade feita pelo gênero, ponderando sobre a complexidade e a não
linearidade do conhecimento.
Com o sucesso feito pelo romance era inevitável que houvesse
uma adaptação para os cinemas. Em 1986 foi lançada a adaptação para cinemas
dirigida por Jean-Jacques Annoud e estrelada por Sean Connery. O filme era um
pouco mais convencional do que o romance, já que nele o protagonista de fato
resolvia o crime, inclusive já explicando a resolução na metade da narrativa
enquanto os líderes da abadia na qual os assassinatos aconteciam se recusavam a
acreditar nas deduções do protagonista. Deduções essas que vinham se confirmar
ao final. Desta maneira, a versão para os cinemas de O Nome da Rosa não tem o questionamento de paradigmas das
narrativas investigativas trazida pelo livro e com isso boa parte do impacto do
texto de Eco, mas isso não o faz ser necessariamente um produto ruim.
O Brasil nunca passou plenamente à limpo o período da
ditadura militar. Nunca confrontamos diretamente o que aconteceu naquele
momento da nossa história tampouco conseguimos resgatar ou trazer à tona os
eventos que foram ocultados e enterrados. Essas lacunas na memória do período e
ausência reverberam ainda hoje e são parte das razões de nos últimos anos
termos visto a ascensão de negacionistas históricos a altos cargos de poder.
Este Torre das
Donzelas toma para si a tarefa de reconstruir parte dessas memórias do
período da ditadura e violações cometidas pelo regime ao contar a história de
mulheres que foram presas e torturadas nesta época. O filme conta a história de
detentas do Presídio Tiradentes, apelidado de Torre das Donzelas justamente por
ser um presídio feminino.
O documentário ouve diferentes ex-detentas do local,
inclusive a ex-presidente Dilma Roussef, transformando o testemunho dessas
mulheres no principal meio de reconstrução desse passado ausente do qual não há
registro formal. Durante os testemunhos vemos como a memória não se apresenta
apenas na fala das entrevistadas, mas também em seus corpos, no modo como elas
reagem quando entram no espaço vazio de ficavam suas antigas celas. As vozes
embargadas, as inflexões tremidas presentes em momentos que mencionam algumas
das experiências mais traumáticas mostram como elas ainda carregam consigo as
marcas do passado.