quinta-feira, 4 de março de 2021

Crítica – Pode Guardar um Segredo?

 Análise Crítica – Pode Guardar um Segredo?


Review – Pode Guardar um Segredo?
De início este Pode Guardar Um Segredo? começa como uma banal comédia romântica, mas conforme a trama se desenvolve, vai se tornando cada vez mais problemático, ao ponto em que fica insuportável de assistir. É o tipo de filme que até poderia funcionar como uma diversão despretensiosa, mas é tão equivocado na construção do relacionamento do casal principal que reproduz ideias antiquadas sobre homens e mulheres.

Na trama, Emma (Alexandra Daddario) é uma jovem atrapalhada, que constantemente se mete em problemas e não consegue manter um emprego. Durante um voo ela conhece Jack (Tyler Hoechlin) e acaba confidenciando a ele seus principais segredos durante uma violenta turbulência do avião. Ao voltar para o trabalho, Emma fica sabendo que o dono da empresa vai chegar para supervisionar a filial e descobre que ele é ninguém menos que Jack. Agora ela precisa saber como lidar com alguém que conhece seus segredos mais íntimos.

O roteiro tenta construir Emma como aquele clichê de comédias românticas como a jovem aparentemente banal, atrapalhada e sem confiança que não consegue fazer nada certo até que conhece um homem que abre seus horizontes e ela começa a por a vida no lugar. Tem vários problemas dentro dessa construção. O primeiro é que tanto o texto quanto a performance de Daddario pesam tanto a mão no lado desengonçado e esquisito da personagem que ela soa como uma completa lunática desequilibrada ao invés encantadora. Outro problema é que o texto tenta vender a ideia de Emma como essa garota sem graça, tão incapaz de chamar a atenção de qualquer homem que ela fica surpresa quando Jack demonstra interesse nela. Essa ideia cai por terra quando lembrando que a personagem tem a aparência de Alexandra Daddario, uma mulher extremamente atraente. Então quando ouvimos Emma falar sobre padrões de beleza é difícil comprar a insegurança da personagem, já que ela se encaixa completamente naquilo que seria considerado atraente.

Se por um lado temos Emma como uma mulher cheia de falhas, por outro Jack não possui absolutamente nenhuma. O personagem é um príncipe encantado perfeito durante boa parte da trama e relação entre dois não só é unilateral como nunca explica o motivo dele se sentir atraído por Emma. Sim, Jack explica que foram as confissões dela no avião, mas considerando que a personagem pende mais para doida do que para desengonçada, é difícil embarcar na ideia de que o alto executivo de uma empresa se apaixonaria por uma histérica que lhe revelou todas as intimidades durante uma turbulência. Além disso, incomoda que a relação deles consista em Emma idolatrar Jack enquanto ele é retratado como alguém magnânimo por estar dando oportunidade para que uma garota tão cheia de falhas como Emma esteja com alguém tão perfeito quanto ele.

Essa dinâmica da mulher cheia de problemas que é “resgatada” por um “príncipe encantado” transforma Emma em uma figura passiva, que precisa ser salva de sua vida de mediocridade por esse homem aparentemente perfeito já que de outro modo não conseguiria dar uma guinada na própria existência. Reproduzir essas noções anacrônicas em pleno século XXI, de que uma mulher só seria capaz de amadurecer quando um homem salvador aparecer em sua porta, é um desserviço.

O que já era ruim se torna muito pior quando Jack revela em uma entrevista na televisão todos os segredos íntimos que Emma lhe contou e a trama trabalha pesado em relativizar o comportamento do executivo e força a barra para atenuar as consequências. Realisticamente seria impossível que Emma conseguisse continuar trabalhando na empresa ou que conseguisse reconstruir a carreira por um bom tempo. O filme até mostra os colegas fazendo piadas e comentários maldosos, mas logo tudo é esquecido pelo roteiro.

Do mesmo modo, ter um alto executivo revelando em rede nacional as intimidades de uma funcionária com quem ele se relaciona certamente levantaria acusações de assédio a tal ponto que seria inviável ele se manter no cargo e causaria um enorme dano à imagem da empresa. Mais uma vez o filme até tenta abordar essa questão com a supervisora de Emma perguntando a ela se houve algum assédio, mas o momento é completamente sabotado pelo fato da supervisora dizer que conhece a boa índole de Jack, como que fazendo uma defesa prévia do personagem. É como se essa declaração anulasse a óbvia dinâmica de poder em jogo ou fato de Jack ser gente boa tornasse impossível que ele pudesse cometer assédio, sendo que assediadores comumente se apresentam como “caras legais”.

Para piorar tudo, o texto ainda tenta colocar Jack como uma vítima da situação ao inserir um mal entendido em que Jack crê que Emma iria contar as intimidades dele para um repórter. Assim que isso acontece, o filme parece esquecer a gravidade do que Jack fez (de novo, realisticamente ele teria acabado com a carreira de Emma) e constrói toda a situação como se Emma que devesse desculpas a Jack e as ações dele fossem um mero vacilo sem grandes consequências. Tudo isso soa manipulativo e desonesto, tentando forçar um enlace romântico quando não devia ter um e sequer temos motivos para torcer para que o casal termine junto, já que Jack se comportou como um babaca e Emma passa o filme inteiro agindo como uma lunática.

Os momentos de humor raramente funcionam, gerando mais vergonha ou irritação do risadas de fato. Gemma (Kimiko Glenn), por exemplo, deveria ser a amiga engraçada da protagonista que dá conselhos absurdos, mas ela é tão fútil, autocentrada e desagradável que mais causa incômodo do que gargalhadas. As cenas que o texto tenta fazer rir pela conduta desengonçada de Emma não funcionam porque é tudo tão exagerado que a protagonista não soa apenas como uma garota atrapalhada, mas como alguém tão incapaz de entender conduta humana básica que chega a ser surpreendente que ela consiga viver em sociedade.

Com personagens desinteressantes, humor que não funciona e uma visão problemática sobre relacionamentos, Pode Guardar um Segredo? é um desastre do qual praticamente nada se salva.

 

Nota: 3/10


Trailer

terça-feira, 2 de março de 2021

Crítica – Persona 5 Strikers

 

Análise Crítica – Persona 5 Strikers

Review – Persona 5 Strikers
Persona 5 é um dos melhores JRPGs da última geração de consoles, então quando foi anunciado este Persona 5 Strikers (disponível para PS4 e Nintendo Switch), um spin-off desenvolvido pela Omega Force que traria o combate explosivo de Dynasty Warriors para Persona 5 de maneira semelhante ao que tinham feito com Zelda em Hyrule Warriors ou com Dragon Quest em Dragon Quest Heroes. Tendo jogado Persona 5 Strikers posso dizer que o jogo é menos um derivado e mais uma continuação direta, que mantem muito da estrutura do jogo original.

A trama se passa seis meses depois da trama original (Persona 5 Royal não é cânone) com os personagens se reencontrando para passarem férias juntos. Antes que saiam em uma viajem juntos, no entanto, descobrem que o Metaverso ainda está ativo e alguém o está usando para roubar os desejos das pessoas. Os personagens logo descobrem que as prisões do Metaverso estão se manifestando ao redor do Japão, então decidem usar a viagem de férias para tentar resolver o mistério do que está acontecendo.

Apesar da narrativa ser uma continuação, é possível acompanhar o que acontece mesmo sem ter jogado Persona 5. Claro, você provavelmente vai perder uma ou outra referência aos eventos do original, mas a história consegue se sustentar por conta própria. A trama mostra o quanto os personagens amadureceram desde a última vez que os vimos, muitas vezes tentando aconselhar e redimir os antagonistas que controlam as prisões que encontram. Falo antagonistas porque muitos deles não são necessariamente malignos, são, em muitos casos, pessoas tomadas por trauma, que fizeram escolhas equivocadas e tentaram resolver seus problemas da pior maneira possível. Isso ajuda a dotar os antagonistas e situações encontradas de alguma medida de ambiguidade moral, evitando maniqueísmos fáceis.

segunda-feira, 1 de março de 2021

Crítica – Pelé

 

Análise Crítica – Pelé

Review – Pelé
De uma biografia esperamos não só uma narrativa sobre a vida de uma pessoa, mas o esforço para entender esse sujeito e, no caso de uma pessoa famosa, ir além do retrato midiático, mostrando o indivíduo que existe para além da imagem pública construída a seu respeito. O documentário Pelé até narra um recorte da vida do célebre jogador de futebol, mas faz pouco para ir além de um relato da imagem midiática já conhecida de Edson Arantes do Nascimento.

A narrativa do filme foca no início da carreira de Pelé e vai até o período de quatro Copas do Mundo, indo de 1958, quando o Brasil foi campeão pela primeira vez, ao tri campeonato na Copa de 1970. Tirando a parte da juventude do jogador, o documentário se detêm principalmente sobre a carreira profissional de Pelé.

É um documentário relativamente convencional em sua estrutura, recorrendo a entrevistas com conhecidos, jornalistas esportivos como Juca Kfouri e José Trajano e o próprio Pelé. Essas entrevistas são intercaladas por imagens de arquivo das partidas e eventos históricos narrados. Ocasionalmente temos imagens de bastidores de treinos, instantes pouco conhecidos de um Pelé em momentos mais íntimos, mas no geral essas imagens de arquivo são de eventos e ações públicas e já conhecidas a respeito do biografado.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

Rapsódias Revisitadas – Banzé no Oeste

 

Análise Crítica – Banzé no Oeste

Review – Banzé no Oeste
O comediante Mel Brooks se tornou famoso pelos filmes paródicos que realizou. Brincou com o universo dos musicais da Broadway em Primavera para Hitler (1967), com o terror em O Jovem Frankenstein (1974), filmes de aventura em A Louca! Louca História de Robin Hood (1993) e com os faroestes neste Banzé no Oeste, lançado em 1974.

A trama se passa durante a expansão para o oeste dos Estados Unidos. O empresário Hedley Lamarr (Harvey Korman) deseja construir uma nova ferrovia, mas a pequena de Rocky Ridge está em seu caminho. Para conseguir as terras da cidade, Lamarr planeja manipular o corrupto governador do estado para nomear um xerife que a cidade deteste, esperando que todos abandonem o local. O escolhido para a ingrata tarefa é Bart (Cleavon Little) um trabalhador ferroviário negro que estava prestes a ser enforcado. Lamarr espera que a população não irá aceitar um xerife negro, mas não imaginava que Bart conquistaria a população, se tornando uma pedra em seu sapato.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

Rapsódias Revisitadas – A Pequena Loja dos Horrores

Análise Crítica – A Pequena Loja dos Horrores

Review – A Pequena Loja dos Horrores

Lançado em 1986, A Pequena Loja dos Horrores não é exatamente um remake direto do filme homônimo feito em 1960 dirigido pelo lendário Roger Corman. Na verdade, a versão de 1986 é uma adaptação do musical da Broadway, sendo, também um musical. Essa mistura entre horror, comédia e musical é um dos elementos que torna o filme tão memorável e o transformou em cult.

Dirigido por Frank Oz (que faz a voz do Yoda na franquia Star Wars), o filme acompanha Seymour (Rick Moranis), um florista tímido e retraído cuja vida muda quando ele encontra uma estranha planta durante um eclipse. Apaixonado pela colega de trabalho, Audrey (Ellen Greene), Seymour nomeia a planta como Audrey II (voz de Levi Stubbs) e acredita que a estranha planta pode melhorar os negócios da dilapidada floricultura em que trabalha. O problema é que Audrey II precisa ser alimentada, com sangue fresco, o que causa problemas para Seymour.

Só pela sinopse já é possível perceber que são temas que se distanciam bastante do romantismo ingênuo no qual boa parte do musical clássico hollywoodiano se construiu ao longo das décadas de 1930 a 1960 e boa parte da graça do filme é exatamente o modo como brinca com essas convenções. Ver o sádico dentista Orin (Steve Martin) alegremente cantar sobre como adora causar dor aos seus pacientes diverte justamente pela oposição das melodias alegres com as letras e ações do personagem que fala sobre seu prazer em torturar as pessoas.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

Drops – O Mapa das Pequenas Coisas Perfeitas

 Análise Crítica – O Mapa das Pequenas Coisas Perfeitas


Review – O Mapa das Pequenas Coisas Perfeitas
Uma pessoa fica presa em um loop temporal revivendo o mesmo dia várias vezes e aprende a apreciar as pequenas coisas da vida. É o que acontece em Feitiço do Tempo (1993) e também neste O Mapa das Pequenas Coisas Perfeitas, que repete muito do filme estrelado por Bill Murray e também outras histórias sobre viagem no tempo.

Na trama, o jovem Mark (Kyle Allen) se vê preso revivendo o mesmo dia. Explorando a cidade Mark conhece Margaret (Kathryn Newton) e percebe que ela também está vivenciando o mesmo loop temporal. Os dois se juntam para explorar a cidade e observar as pequenas coisas significativas que ocorrem ao longo do dia.

Durante boa parte da projeção, o filme faz o que outros sobre o mesmo tema já fizeram, mostram os personagens aproveitando a oportunidade para abrirem seus horizontes, observarem um mundo que muitas vezes não prestam atenção e apreciando as pequenas coisas da vida que muitas vezes nos passam batido. Não há muita novidade em nada disso, nem nas tentativas de Mark em descobrir um meio de escapar do loop, mas é bonitinho o suficiente para não entediar.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

Crítica – Eu Me Importo

Análise Crítica – Eu Me Importo

Review – Eu Me Importo
Devo dizer que Eu Me Importo não é um filme para qualquer um. Não por ser algo complexo, de difícil entendimento ou apreciação, mas por construir uma comédia sombria ao redor de personagens que não são exatamente simpáticos e com um absurdo crescente que pode dificultar a imersão de algumas pessoas. Nada disso quer dizer que se trata necessariamente de um filme ruim, mas se trata de um produto que pode dividir opiniões.

A narrativa é protagonizada por Marla (Rosamund Pike), uma mulher que trabalha como tutora de idosos que são colocados sob a tutela do Estado. Marla, no entanto, vê esses idosos como meras formas de enriquecer, rapidamente colocando-os em asilos e depois vendendo todos os bens deles para lucrar. Marla vê uma oportunidade de faturar alto em cima de Jennifer (Dianne Wiest), uma idosa endinheirada e aparentemente sem família. Depois de conseguir tomar o controle dos bens de Jennifer, Marla descobre que a idosa tem conexões com o mafioso russo Roman (Peter Dinklage) e então começa um perigoso embate entre Marla e Roman.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

Drops – Proud Mary

 

Análise Crítica – Proud Mary

Review – Proud Mary
Apesar da trama baseada na velha premissa do assassino de aluguel protegendo uma criança para tentar reparar um passado de violência, esperava que Proud Mary fosse ao menos um filme de ação divertido, mas o que encontrei foi algo tão preso a clichês e sem personalidade que não há muito o que aproveitar. A trama é focada em Mary (Taraji P. Henson), uma assassina de aluguel que trabalha para o mafioso Benny (Danny Glover). Depois que um assassinato dá errado, Mary passa a proteger o garoto Danny (Jahi Di'Allo Winston), mas isso a coloca no caminho de uma guerra de gangues.

É curioso que apesar dos créditos iniciais trazerem uma estética visual e musical que remete aos filmes de blaxploitation dos anos 70, mas o restante do filme nunca investe nesse clima, preferindo ser o mesmo tipo de história criminal urbana com ambientes cinzentos e com baixa saturação de cor que Hollywood vem fazendo nos últimos anos. Uma pena, já que uma pegada mais próxima do blaxploitation poderia dar algum grau de personalidade ao filme.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

Rapsódias Revisitadas – Histórias que Contamos

 

Análise Crítica – Histórias que Contamos

Review – Histórias que Contamos
Quando damos um testemunho ou rememoramos algo muitas vezes pensamos que estamos sendo objetivos, que estamos lembrando as coisas exatamente como elas são, mas na prática não é exatamente assim. Nossa memória é falha, muitas vezes preenchemos as lacunas com suposições ou fabulações que não necessariamente correspondem ao que ocorreu. Ás vezes até somos influenciados pela fala de outros e acreditamos nos lembrar de algo que nunca aconteceu de verdade, como o fato dos ataques de 11 de setembro terem interrompido Dragon Ball Z na TV Globinho. Lançado em 2012, o documentário Histórias que Contamos trata justamente dessa natureza lacunar e fabulativa da memória, lembrando que são as narrativas que construímos sobre os fatos, não os fatos por si só, que ficam na nossa mente.

A diretora Sarah Polley conta a história de sua família, em especial de sua falecida mãe, Diane, e a relação dela com o pai de Sarah, Michael. Ao longo do filme ela ouve o pai, os irmãos e outras pessoas conhecidas da família, até mesmo aqueles não se envolveram diretamente com os eventos narrados. Paralelamente às entrevistas, o filme nos mostra cenas que parecem ser imagens de arquivo, aparentemente dos eventos narrados.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

Crítica – O Cofre

 

Análise Crítica – O Cofre

Review – O Cofre
O Cofre mistura dois elementos que eu não esperava ver junto. A trama faz uma mescla de um filme de roubo com um filme de casa (ou cofre nesse caso) assombrada. O problema é que apesar da mistura de formatos ser, em si, criativa, a mistura desses elementos não é lá muito bem executada.

A narrativa conta a história de duas irmãs, Vee (Taryn Manning) e Leah (Francesca Eastwood) que roubam um banco para conseguir dinheiro para salvar o irmão delas, Michael (Scott Haze). Quando o cofre do banco tem menos dinheiro do que esperavam e a polícia começa a cercar o local as irmãs ficam sem saber o que fazer até que Ed (James Franco), o subgerente do banco, informa que há um segundo cofre no subsolo com mais dinheiro e que lá há um túnel que pode ser usado na fuga. O que as irmãs não sabiam é que os túneis sob o banco eram assombrados.

É uma mescla inesperada de elementos que poderia render algo verdadeiramente tenso, com as protagonistas tendo que lidar tanto com a pressão da polícia do lado de fora quanto a presença do sobrenatural dentro do banco. A questão é que os dois elementos são mal trabalhos demais para funcionar. A presença da polícia do lado de fora do banco é esquecida durante boa parte da duração assim com a presença dos reféns e qualquer demanda deles é também deixada de lado depois da meia hora inicial.