Dentro da crítica e da cinefilia há toda uma corrente de
debate que argumenta que boa parte dos méritos de Cidadão Kane (1941) residiam no roteiro escrito por Herman
Mankiewicz. Este Mank, dirigido por
David Fincher parece tomar essa posição ao acompanhar Mank enquanto escreve o
roteiro para Orson Welles.
A trama mostra Herman “Mank” Mankiewicz (Gary Oldman)
acamado depois de um acidente de carro. Com problemas financeiros e de saúde
que vinham desde antes do acidente e com a reputação prejudicada entre os
executivos de grandes estúdios por conta de seu alcoolismo, vício em apostas e
constantes críticas às hipocrisias dos magnatas da mídia, Mank aceita escrever
um roteiro para o então incipiente diretor Orson Welles (Tom Burke), uma
história inspirada na trajetória de William Randolph Hearst (Charles Dance).
A narrativa vai e volta no tempo entre o Mank do presente
tentando finalizar seu roteiro e o passado do roteirista, mostrando sua relação
complicada com o produtor Louis B. Mayer (Arliss Howard), chefão da MGM, com o
ricaço Hearst e com Marion (Amanda Seyfred), a jovem esposa de Hearst. Os flashbacks mostram a relação complicada
de Mank com os figurões de Hollywood e da mídia por conta de sua vida de
excessos e posições políticas. Enquanto a Hollywood da década de 1930 adotava
uma postura de não criticar a Alemanha nazista por medo de perder arrecadação
por lá, Mank já denunciava os perigos que os nazistas representavam.
Lidando com um personagem que passa por transformações
radicais em sua vida, O Som do Silêncio não
trata apenas da perda de audição, mas de como aceitar as inevitáveis mudanças
que a vida nos impõe e entender que certas coisas não podem ser restauradas
como eram. São temas delicados, principalmente em relação à comunidade surda,
que muitos filmes as vezes derrapam no excesso de romantização da condição
desses personagens.
Ruben (Riz Ahmed) é um baterista de heavy metal que começa a perder a audição. Ele tem uma banda junto
com a namorada, Lou (Olivia Cooke), e logicamente se preocupa em como seu
problema inviabilizará seu modo de vida. Ruben pensa na possibilidade de
conseguir retomar a vida com um implante coclear, no entanto, o custo alto o
impede de conseguir a cirurgia. Sem alternativas, ele vai morar em uma
comunidade de surdos para aprender a lidar com a nova condição e aceitar que
não há nada de errado com ele.
A jornada do protagonista é quase uma jornada de luto, passando
por estágios como negação, raiva, barganha ou aceitação. De certa forma faz
sentido, já que Ruben experimenta uma perda que praticamente torna impossível
que ele siga com o mesmo modo de vida e precisa de tempo para se adequar à sua
nova realidade. Nesse sentido, Riz Ahmed é ótimo em nos apresentar o desespero
e desamparo de Ruben conforme ele percebe que está em um caminho sem volta.
Dirigido por Ron Howard, este Era Uma Vez um Sonho é um daqueles filmes que parece feito sob
medida para premiações. Traz um diretor de renome e um elenco de peso para
contar um drama baseado em fatos reais sobre superação. Em tese teria tudo que
as premiações adoram e não tinha como dar errado, mas, na prática, muito pouco
funciona no filme
A trama é focada em J.D (Gabriel Basso) um jovem estudante
de direito que volta para sua cidade natal depois de saber que sua mãe, Bev
(Amy Adams), teve uma overdose. Lá, ele começa a rememorar sobre a juventude,
as dificuldades passadas com a família e a difícil relação que tinha com a mãe
e com a avó (Glenn Close).
A narrativa vai e volta no tempo, intercalando o presente de
J.D lidando com a overdose mãe com diferentes momentos do passado em que ele
rememora a infância morando com a mãe e posteriormente com a avó. Não há muita
razão para boa parte dessas idas e vindas que trabalham mais para dar um
caráter fragmentado e episódico do que para efetivamente costurar essas
diferentes experiências. O filme poderia começar com J.D indo para casa e
depois voltando ao passado, contando tudo cronologicamente em ordem a partir
daí que não faria muita diferença.
Não esperava grande coisa deste Por Trás da Inocência, produção original da Netflix. O trailer
tinha toda cara de um thriller erótico
de quinta categoria, mas ainda assim minha curiosidade mórbida levou a melhor e
fui conferir o filme. Minhas expectativas eram extremamente baixas e
surpreendentemente ele conseguiu ser ainda pior do que eu imaginava.
A trama é centrada em Mary (Kristin Davis), uma escritora de
romances de suspense que há anos não produz nada de novo por conta de um
bloqueio criativo. Um dia ela é procurada pelos seus editores que oferecem um
largo adiantamento para que ela produza um novo livro para sua mais famosa
série. Em problemas financeiros por conta de apostas financeiras ruins do
marido, Tom (Dermot Mulroney), ela acaba aceitando e mergulha no universo
sombrio de suas personagens. Ao mesmo tempo, a família contrata uma nova babá
em Grace (Greer Gramer) e Mary começa a sentir uma estranha atração pela jovem,
mas talvez tudo seja apenas imaginação da escritora, muito imersa nas tramas
sombrias de seus livros.
Um policial precisa ir até uma grande metrópole para caçar
um criminoso de sua cidade natal e causa o caos por lá. Essa era a trama de Um Tira da Pesada (1984) e é também a
premissa central deste Cabras da Peste,
que também parodia “filmes de parceiros” como Máquina Mortífera (1987) ou Os
Bad Boys (1995).
Bruceuilis (Edimilson Filho) é um policial de uma pequena e
pacata cidade no interior do Ceará. Quando uma cabra é levada por um caminhão
transportando rapadura batizada com drogas, Bruceuilis segue o criminoso até
São Paulo para recuperar o animal. Lá ele encontra o apoio de Trindade (Matheus
Nachtergaele), um policial paulista sem respeito dos colegas por querer fazer
apenas trabalho burocrático.
É o típico arranjo da dupla de personalidades opostas, um de
temperamento explosivo e afeito a ação e outro mais retraído, como em Máquina Mortífera. Aqui a narrativa é
autoconsciente dos clichês que evoca e constantemente faz piada com isso, a
exemplo da perseguição inicial envolvendo Bruceuilis e um sujeito que
aparentemente roubou um ventilador, uma correria que acaba com barris
convenientemente posicionados explodindo atrás do protagonista.
O musical AFesta de Formatura narra a história de
Emma (Jo Ellen Pellman), uma adolescente lésbica cuja associação de pais da
escola em que ela estuda se recusa a fazer uma festa de formatura na qual ela
possa ir com a namorada. Ao saberem da notícia, um grupo de fracassadas
estrelas da Broadway decide partir a pequena cidadezinha na qual Emma vive para
protestar contra a homofobia do caso e, além disso, se promoverem para
retomarem as carreiras.
Tinha tudo para ser um musical vibrante e divertido com uma
mensagem positiva de enfrentamento dos preconceitos. De certa forma, até é
isso, mas também é demasiadamente arrastado, se alongando por desnecessárias
duas horas e quinze com várias subtramas que apenas repetem as mesmas ideias do
conflito principal envolvendo Emma. Lá pela marca de uma hora, quando a
presidente da associação de pais, Sra. Greene (Kerry Washington), trapaceia na
realização da formatura e deixa Emma sozinha na festa, imaginamos que o filme
caminha para o seu clímax, com as estrelas da Broadway encabeçadas por Dee Dee
Allen (Meryl Streep) organizando uma nova festa ou denunciando a Sra. Greene.
Só que não, ainda há mais de uma hora de filme em que a trama se arrasta para
chegar a esse ponto.
Boa parte dos problemas vem da necessidade da trama em dar a
cada personagem uma subtrama só sua, sendo que muitas dessas histórias soam
redundantes. A narrativa do ator Barry (James Corden) narrando como foi expulso
de casa pela mãe por ser gay toca nas mesmas questões de homofobia da trama
principal, por exemplo. Imagino que todas essas narrativas secundárias já
estivessem presentes no musical teatral que deu origem ao filme, a questão é
que nem tudo que funciona em um meio, funciona em outro.
O discurso contra a homofobia por vezes peca pelo excesso de
didatismo, muitas vezes soando como uma videoaula na qual essas ideias são
explicadas com pouca organicidade. Claro, em muitos momentos o filme lida bem
com isso, em especial no conflito do relacionamento de Emma com a namorada,
Shelby (Sofia Daler), que teme em sair do armário para a mãe. Há também a
questão das variações bruscas de tom, com a narrativa muitas vezes saindo de
uma cena envolvendo um drama sério sobre preconceito para um número musical
alegre e exuberante, com essas transações por vezes soando abruptas.
O ponto alto, logicamente, são os números musicais. Repletos
de cor, energia e exuberância, as canções retratam os sonhos românticos de Emma
ou os desejos de grandeza dos astros da Broadway. As canções também trazem uma
boa dose de humor, reconhecendo que o núcleo da Broadway está agindo mais por
ego do que por crença, com Meryl Streep e Nicole Kidman vendendo muito bem a
falta de noção e desespero por holofotes dessas personagens.
Eu queria ter gostado mais de A Festa de Formatura por causa de suas canções divertidas e elenco
carismático, mas seu ritmo arrastado e excesso de subtramas atrapalham a
experiência.
A produção francesa A
Sentinela parece não ser capaz de decidir que história quer contar. De
início parece um filme que visa discutir as consequências da guerra contra o
terrorismo e as sequelas disso nas tropas. Logo depois vira um filme de
vingança com cara das produções estreladas por Stallone ou Schwarzenegger na
década de oitenta.
Na trama, a soldado Klara (Olga Kurylenko) volta para a
França depois de uma missão de combate ao terrorismo no exterior dar errado.
Afetada por estresse pós-traumático, a soldado tenta reconstruir a vida. Tudo
muda quando a irmã de Klara é estuprada e espancada por um rico estrangeiro com
imunidade diplomática. Quando as autoridades não podem tocar no estuprador de
sua irmã, Klara decide fazer justiça com as próprias mãos.
Apesar de tocar em temas sérios, como as marcas da guerra
que ficam nos soldados ou violência contra a mulher, o filme não tem nada a
dizer sobre nada disso. Toda questão do trauma da protagonista é basicamente
irrelevante para a trama, já que ela poderia ser simplesmente uma soldado
competente que não mudaria coisa alguma. Do mesmo modo, o estupro da irmã dele
serve apenas de motivador para a ação e poderia ser substituído por qualquer
outro crime, como assassinato, espancamento ou atropelamento que não faria
qualquer diferença, é meramente um dispositivo de roteiro para servir de
gatilho para a história.
O filme Janela
Indiscreta (1954) segue na memória do cinema pela excelente condução do
suspense por parte de Alfred Hitchcock e pelo modo como sua narrativa servia
para pensarmos o voyeurismo do próprio ato de ser um espectador de cinema. Este
O Recepcionista também toca no tema do
voyeurismo, mas não tem muito a pensar sobre esse tópico, tampouco consegue criar
um suspense minimamente envolvente.
Na trama, Bart (Tye Sheridan) é um jovem com Síndrome de
Asperger que trabalha como recepcionista noturno em um hotel e tem o hábito de
filmar as pessoas com quem interage para tentar aprender a socializar melhor.
Bart não filma apenas quem conversa diretamente com ele, mas também coloca
câmeras em alguns quartos do hotel em que trabalha. Quando uma mulher é
assassinada diante das câmeras de Bart, isso o coloca em uma corrida contra o
tempo para evitar que a polícia desconfie dele, em especial o detetive Espada
(John Leguizamo), e para descobrir a identidade do real culpado.
Sherdian pesa a mão dos trejeitos e nas inflexões vocais de
Bart, muitas vezes pendendo para uma composição histriônica e exagerada. Não
ajuda que o texto não dê nenhuma nuance ao personagem, reduzindo-o ao seu
transtorno, o que soa anacrônico e um retrocesso na representação de
personagens no espectro do autismo, principalmente quando tivemos retratos mais
complexos de personagens dessa natureza como a Benê (Daphne Bozaski) de Malhação Viva a Diferença e As Five.
Quando vi os trailers deste Dia do Sim me pareceu que seria basicamente uma versão infantil de Sim, Senhor (2008) e, bem, é exatamente
isso. Tem as mesmas mensagens sobre se abrir a novas experiências, sair da zona
de conforto ao mesmo tempo em que lembra que é possível (e necessário) dizer
não em certos momentos. Mesmo com toda a sensação de conteúdo reciclado,
esperava que fosse ao menos divertido. A questão é que enquanto o filme
estrelado por Jim Carrey conseguia trazer situações absurdas e alguma
ponderação dotada de emoção genuína sobre como nos fechamos para a vida ao
nosso redor, Dia do Sim não consegue
fazer nenhuma dessas coisas.
Na trama, o casal Allison (Jennifer Garner) e Carlos (Edgar
Ramirez) está em um relacionamento estagnado e com problemas com os três filhos
que os acham muito controladores e repressores, principalmente Allison. Quando
a escola chama a atenção do casal pelo modo como lidam com os filhos, os
protagonistas decidem tentar um “dia do sim”, um dia em que dizem sim para tudo
que os filhos pedirem.
Dirigido por Judd Apatow, este A Arte de Ser Adulto tem muitos dos mesmos problemas recorrentes
nos filmes do diretor, protagonistas masculinos emocionalmente imaturos sob um prisma romantizado, se
alonga mais do que deveria, uma clara divisão entre uma primeira parte mais
focada em comédia e uma segunda parte mais voltada para o drama. Não significa
que seja desprovido de qualidades, mas, ao mesmo tempo, mostra o quanto os
mecanismos do diretor já estão cansando. Eu sequer sabia que era dirigido por
Apatow quando comecei a assistir e durante a projeção achei que tinha muito a
“cara” do realizador. Resolvi conferir os créditos e vi que de fato era Apatow dirigindo.
A trama, escrita pelo comediante Pete Davidson, tem um cunho
semiautobiográfico. O protagonista, Scott (Pete Davidson), é um jovem de 24
anos que não terminou a escola, vive com a mãe, Margie (Marisa Tomei), e lida
com problemas de ansiedade e depressão desde muito cedo quando perdeu o pai, um
bombeiro que faleceu em serviço. Quando a irmã mais nova de Scott, Claire
(Maude Apatow), sai de casa para ir para a faculdade e Margie arruma um novo
namorado, Ray (Bill Burr), que também é bombeiro, Scott é confrontado sua
imaturidade e forçado a revisitar traumas passados. Assim como o protagonista,
Davidson também cresceu em Staten Island e também perdeu o pai, um bombeiro que
faleceu durante o resgate de vítimas do 11 de setembro, quando ainda era criança.