O documentário Super
Size Me: A Dieta do Palhaço (2004) fez sucesso por expor os malefícios da
indústria do fast food, ainda que
usasse alguns expedientes sensacionalistas para falar dos temas que eram
centrais para sua discussão, em especial a decisão do diretor Morgan Spurlock
em se submeter a comer McDonald’s por um mês inteiro para mostrar os malefícios
à saúde. A questão é que já haviam estudos documentando isso, então a decisão
do diretor parecia mais motivada para provocar choque do que para fins de
pesquisa. Este Super Size Me 2: O Frango
Nosso de Cada Dia volta a questionar a indústria do fast food, focando principalmente na indústria do frango.
Se no primeiro filme ele usava o dispositivo da dieta para
enquadrar sua narrativa, aqui Morgan parte da ideia de criar sua própria rede
de fast food para tentar entender
como funciona essa indústria, desde a produção da carne até a organização dos
restaurantes e como essa comida é apresentada em termos publicitários. Como no
anterior, Spurlock apresenta algumas conclusões óbvias como se fossem grandes
achados, em especial na noção de que as mensagens da publicidade existem para
estimular o consumo e usam uma retórica de aliviar os malefícios dos alimentos
ultraprocessados que vende. Alguém ainda tinha dúvida disso? Qualquer pessoa
que vai a um fast food já deve ter
percebido, por exemplo, que as imagens da comida sempre são mais atraentes do
que a comida em si.
Centrado no relacionamento deteriorado de um casal, Você Deveria Ter Partido começa como um
exame de um relacionamento erodido por mentiras, aos poucos, porém, vai
entrando no reino do suspense e do terror para se tornar uma espécie de cópia
sem graça de O Iluminado (1980). É
aquele tipo de filme que parecia ter algo a dizer até resolver se conformar aos
clichês do gênero.
Na trama, Theo (Kevin Bacon) é um ex-banqueiro marcado pelo
trauma da morte da primeira esposa. Ele viaja com a filha e a atual esposa, a
atriz Susanna (Amanda Seyfred), uma mulher mais jovem que ele, para alguns dias
de férias em uma casa de campo no interior do País de Gales. Logicamente, nem
tudo é o que parece e fenômenos estranhos começam a acontecer na casa.
Há um esforço genuíno da parte de Kevin Bacon em dotar Theo
de complexidade, fazendo dele um sujeito marcado por dor e trauma, mas, ao
mesmo tempo, cheio de inseguranças em relação a estar casado com uma mulher
mais jovem, algo evidenciado quando ele vai visitá-la num set de filmagem e
reage incomodado ao ser perguntado se é o pai de Susanna. Todos esses problemas
fazem o protagonista agir com certa amargura e de maneira passivo-agressiva em
relação à esposa, com uma desconfiança que nos deixa em dúvida se é apenas insegurança
ou se há algo ali. É um personagem difícil de se conectar por se comportar de maneira
tão desagradável a maior parte do tempo, mas Bacon dá sentimentos tão
verdadeiros a ele que conseguimos enxergar a humanidade machucada dentro dessa
personalidade tão complicada.
Dirigido por Florian Zeller a partir de uma peça de teatro
que ele mesmo escreveu, Meu Pai é um
retrato bem direto e seco sobre a dificuldade em lidar com um idoso com
problemas neurológicos. Não há uma epifania aqui, uma catarse, apenas o
reconhecimento da severidade da degradação mental e como isso afeta a pessoa e
aqueles que o cercam. Talvez por isso não seja um filme fácil de assistir, já
que somos duramente confrontados com a vida de uma pessoa em uma situação de
grande fragilidade, mas nem por isso deixa de ser uma obra muito bem executada.
Na trama, Anthony (Anthony Hopkins) é um senhor idoso que
está com extrema dificuldade de reter memórias ou de se situar no tempo e no
espaço, muitas vezes confuso em relação a onde está, quando e quais são as
pessoas à sua volta. Ele é cuidado pela filha, Anne (Olivia Colman), que o traz
para a casa dela, já que ele não tem mais condições de ficar sozinho. Como
Anthony já está muito esquecido, ele tem dificuldade de lidar e reconhecer as
cuidadoras, o que deixa Anne sozinha em muitos momentos para cuidar dele. O
marido de Anne, Paul (Rufus Sewell), começa a se ressentir da situação, já que
Anne praticamente abre mão da própria vida para cuidar do pai.
Faz tempo que Hollywood encontrou uma espécie de “formato”
para trazer desenhos antigos para o cinema. Mistura-se animação com atores de
verdade, coloca-se esses personagens para interagir com humanos em alguma trama
genérica focada nesses personagens humanos e pronto, um desenho é trazido para
os cinemas contemporâneos. Foi isso que aconteceu com Alvin e os Esquilos (2007), Zé
Colmeia: O Filme (2010), Os Smurfs
(2011) ou Pica-Pau: O Filme (2017),
todos muito ruins e a maioria deles fracassos de público. Ainda assim, a
indústria continua insistindo nessa fórmula neste Tom & Jerry: O Filme.
A trama é protagonizada por Kayla (Chloe Moretz), que
conseguiu um emprego temporário em um hotel de luxo. Seu hotel está para ser o
palco do casamento das celebridades Preeta (Pallavi Sharda) e Ben (Colin Jost)
e o supervisor de Kayla, Terence (Michael Peña), pede que ela livre o hotel do
rato que passou a morar no local, Jerry. Para conseguir espantar o rato, ela
traz o gato Tom e assim espera salvar o emprego.
Quando escrevi sobre o game Marvel’s Avengers mencionei que o jogo tinha uma boa campanha
principal e um sistema de combate que te fazia sentir estar no controle de
super-herói poderoso, mas seu multiplayer online pecava por uma repetição
excessiva de conteúdos e missões, bem como um sistema de equipamentos
desinteressante. Pois agora o jogo recebe uma versão dedicada aos consoles da
nova geração (PS5 e Xbox Series S/X) junto com algumas adições de conteúdo (para
todas as versões do jogo).
Então vale a pena retornar a Marvel’s Avengers? Bem, depende de como você se sente em relação ao
jogo base, já que além do conteúdo adicional não muito em termos de
reestruturar os elementos problemáticos que apontei no lançamento. A principal
adição é a campanha Futuro Imperfeito centrada em Clint Barton, o Gavião
Arqueiro. A narrativa mistura elementos de dois arcos do personagem nos
quadrinhos, Minha Vida como Uma Arma,
que mostrava ele vivendo num prédio em Nova Iorque com vizinhos pitorescos, e
em Old Man Hawkeye que colocava o
velho Clint em um futuro apocalíptico.
Eu fiquei curioso por OsNovos Mutantes na época que foi
anunciado. A ideia de um filme de terror situado no universo mutante parecia
promissora e tinha potencial para trazer frescor ao molde já previsível de
tramas de super-heróis. O problema é que veio a compra da Fox pela Disney e o
filme, apesar de pronto e finalizado, ficou na gaveta enquanto a Disney pensava
o que fazer com ele. Pelo menos duas ondas de refilmagens foram realizadas e a
esse ponto eu já imaginava que quando fosse efetivamente lançado seria uma
bagunça sem sentido do nível de Quarteto Fantástico (2015).
A trama começa quando a jovem Danielle Moonstar (Blu Hunt)
chega a uma isolada instalação médica liderada pela doutora Reyes (Alice
Braga). Dani acabou de passar por uma tragédia familiar, perdendo toda a
família, e é informada por Reyes que foi acolhida na instituição por ter
poderes mutantes e precisa colocá-los sob controle. Na instituição Dani conhece
os outros jovens internos, Rahne (Maisie Williams), Sam (Charlie Heaton),
Roberto (Henry Zaga) e Illyiana (Anya Taylor-Joy). Aos poucos coisas estranhas
começam a acontecer no instituto conforme os personagens começam a ter visões
de traumas passados.
Por mais que o consumo de álcool seja algo natural em nossa
sociedade, ainda há uma dimensão de julgamento moral associada a ele,
principalmente quando falamos em um consumo com alguma regularidade ou quando
vemos alguém beber além da conta em alguma ocasião. Dirigido por Thomas
Vinterberg este Druk: Mais Uma Rodada
pondera sobre nossa relação complicada com essa substância.
A trama é protagonizada por Martin (Madds Mikkelsen), um
professor de história que vê sua carreira e seu casamento estagnarem e sente
viver em uma bolha de apatia. Um dia, em um jantar com outros colegas
professores colegiais, Martin ouve falar de uma proposição de um filósofo de
que seria possível melhorar a vida pessoal e profissional mantendo
constantemente um pequeno percentual de álcool no sangue. Assim, Martin e seus
colegas de trabalho decidem fazer um experimento de tentar manter essa pequena
quantidade de álcool para verificar se isso produz algum resultado.
De início a trama discute como tratamos o álcool como tabu,
mas, ao mesmo tempo, idolatramos os feitos de pessoas que eram notórios
consumidores de álcool como Churchill (que aqui é exibido sob um prisma
puramente positivo, sem mencionar sua violência colonial) ou Hemingway. A
pequena dose de álcool consumida pelos personagens vai alterando seu cotidiano,
deixando-os mais criativos, mais soltos melhorando a atividade profissional e
socialização deles.
De cara este Bad Trip
parece basicamente uma reciclagem da trama de Debi & Loide (1994), mas em sua estrutura ele se faz em cima de
cenas nas quais os personagens interagem com populares na rua que não estão
cientes de estarem participando de uma encenação. Assim, boa parte do filme soa
como uma coleção de pegadinhas a la Jackass
com os protagonistas colocando anônimos em situações absurdas.
A premissa é bem básica, Chris (Eric André) e Bud (Lil Rel
Howery) são dois amigos de infância que moram em uma cidadezinha da Flórida,
vivendo de bicos e subempregos. Quando Chris fica sabendo que Maria (Michaela
Conlin), de quem gosta desde os tempos de escola, vai se mudar para Nova Iorque
ele convence Bud a ir numa viagem de carro para a grande cidade. A questão é
que Chris pede a Bud para usar o carro de Trina (Tiffany Haddish), irmã de Bud
e uma criminosa violenta que está na prisão. Ao longo da viagem, Trina foge da
prisão e resolve ir atrás dos dois.
É um fiapo de roteiro que serve apenas para justificar ações
alopradas de seus personagens, que funcionam por conta da entrega ao absurdo e
cara de pau de André, Howery e Raddish em se manterem no personagem enquanto
reagem com populares incrédulos. Ao contrário de programas de pegadinhas como o
já citado Jackass, esses populares
pegos no meio das cenas raramente servem de vítimas ou objetos de humilhação
para os protagonistas, funcionando mais como cúmplices de cena, reagindo aos
atores e dando a eles mais combustível para que eles construam seu humor físico
e nonsense.
A questão é que, na prática, essas interações com os
populares são muitas vezes reduzidas a olhares curiosos e/ou constrangidos
desses indivíduos, um expediente que fica rapidamente cansativo.
Ocasionalmente, o filme encontra boas interações como na cena em que Chris e
Bud batem o carro, no momento em que Chris cai de cima de um bar ou durante o
confronto final com Trina nas quais vemos os populares tentando ajudar de alguma
maneira. Considerando os tempos em que vivemos, chega a ser reconfortante ver
que existem pessoas dispostas a ajudar completos estranhos em situações doidas
no meio da rua.
Por outro lado, boa parte cenas são completamente
inconsequentes para a trama e considerando que o filme tem oitenta e cinco
minutos, não sobra muito material para sustentar a jornada dos personagens. Se
eles apenas queriam experimentar fazer comédia com pessoas aleatórias na rua,
teria sido melhor criar um programa de esquetes do que um filme narrativo.
Essas cenas também incomodam pelo excesso de edição no qual fica evidente que
cada interação num mesmo espaço aconteceu em momentose/ou dias diferentes, como se o filme estivesse
esperando que alguém reagisse da maneira desejada para enfim construir a cena.
Os recursos de montagem tiram a espontaneidade e fazem
muitos segmentos soarem forçados, um sentimento ampliado durante os créditos do
filme quando vemos que várias cenas, a exemplo do despertar de Chris, foram
filmadas com inúmeras “vítimas”, deixando claro que é menos um exercício de
improviso e mais em provocar os anônimos até obterem o efeito desejado. Aliás,
a própria ideia de que o uso de não-atores produziria algo mais genuíno ou mais
real é, em si, problemática, já que viver uma situação e performar para a
câmera são duas coisas muito distintas (que o diga Clint Eastwood e seu insosso
15h17: Trem Para Paris). Se isso
fosse verdade todo mundo usaria não profissionais e não haveria necessidade
para atores treinados. O fato de Bad Trip
ter que constantemente recorrer a truques de montagem para tentar fazer render
essas interações mostra que essa espontaneidade não vem assim fácil.
Apesar de alguns lampejos de humor e emoção genuínas, Bad Trip tem dificuldade de conciliar
sua trama com as “pegadinhas” envolvendo pessoas reais, com situações que soam
forçadas em muitos momentos.
Produzido pelo jornal New York Times, o documentário Framing Britney Spears: A Vida de uma
Estrela chamou atenção por revelar a situação jurídica da cantora pop
Britney Spears, que desde 2008 vive sob tutela jurídica do pai, como se fosse
alguém completamente incapaz de cuidar de si mesma.
O que é apresentado aqui é um competente trabalho de
pesquisa que examina a trajetória profissional de Britney desde quando ela
começou no mundo do entretenimento ainda muito jovem até os dias atuais quando
ela luta para reverter a situação da tutela jurídica. Em termos de forma é um
documentário bem simples, se baseando no padrão de entrevistas e imagens de
arquivo, privilegiando mais a transmissão de informações e a construção da
retórica de convencimento acerca da questão problemática que é a tutela de
Spears.
Mais do que a questão da tutela, o documentário pondera
sobre o papel da mídia na trajetória da cantora, especialmente no modo como ela
foi, desde muito nova, constantemente cobrada, vigiada e pressionada pelos
veículos de imprensa do mundo todo, algo que não deve ser saudável. A natureza
predatória dos paparazzi fica evidente na entrevista com o fotógrafo que
registrou o ataque de Britney com um guarda chuva. Os vídeos feitos por ele
evidenciam que a cantora claramente não estava bem e o tempo todo ouvimos ela
ou as pessoas que estavam com ela pedindo para pararem de filmar, mas ainda
assim o paparazzo a seguiu de carro por horas e na entrevista para o documentário
ainda diz que não fez nada de errado, deixando claro que esse modo de cobrir
celebridades não tem nenhuma preocupação em estabelecer uma boa relação com a
fonte, com o consentimento de imagem ou com princípios éticos.
Dentro da crítica e da cinefilia há toda uma corrente de
debate que argumenta que boa parte dos méritos de Cidadão Kane (1941) residiam no roteiro escrito por Herman
Mankiewicz. Este Mank, dirigido por
David Fincher parece tomar essa posição ao acompanhar Mank enquanto escreve o
roteiro para Orson Welles.
A trama mostra Herman “Mank” Mankiewicz (Gary Oldman)
acamado depois de um acidente de carro. Com problemas financeiros e de saúde
que vinham desde antes do acidente e com a reputação prejudicada entre os
executivos de grandes estúdios por conta de seu alcoolismo, vício em apostas e
constantes críticas às hipocrisias dos magnatas da mídia, Mank aceita escrever
um roteiro para o então incipiente diretor Orson Welles (Tom Burke), uma
história inspirada na trajetória de William Randolph Hearst (Charles Dance).
A narrativa vai e volta no tempo entre o Mank do presente
tentando finalizar seu roteiro e o passado do roteirista, mostrando sua relação
complicada com o produtor Louis B. Mayer (Arliss Howard), chefão da MGM, com o
ricaço Hearst e com Marion (Amanda Seyfred), a jovem esposa de Hearst. Os flashbacks mostram a relação complicada
de Mank com os figurões de Hollywood e da mídia por conta de sua vida de
excessos e posições políticas. Enquanto a Hollywood da década de 1930 adotava
uma postura de não criticar a Alemanha nazista por medo de perder arrecadação
por lá, Mank já denunciava os perigos que os nazistas representavam.