quinta-feira, 3 de junho de 2021

Crítica – Master of None: 3ª Temporada

 

Análise Crítica – Master of None: 3ª Temporada

Review – Master of None: 3ª Temporada
Depois de um longo hiato causado, dentre outras coisas, por acusações de assédio sexual contra o criador e protagonista Aziz Ansari, a série Master of None retorna com um foco renovado. Ao invés de Dev (Aziz Ansari), a trama dessa terceira temporada é centrada em Denise (Lena Waithe) e na relação dela com a esposa. Não significa que Ansari tenha sido colocado em escanteio, além de Dev ainda aparecer ocasionalmente, o ator dirigiu os cinco episódios da temporada que foram escritos com a Lena Waithe.

A trama parece se passar anos depois da segunda temporada. Denise é uma escritora de sucesso e vive com a esposa, Alicia (Naomi Ackie) em uma idílica casa de campo. A protagonista está tentando escrever seu segundo livro, mas encontra problemas para desenvolver a escrita. Ao mesmo tempo, Alicia insiste que é hora delas terem um filho, algo que Denise não embarca completamente.

O subtítulo original desta terceira temporada, Moments in Love, dá a tônica do que veremos ao longo dos cinco episódios, uma coletânea de momentos em uma relação afetiva com todos os complicadores, problemas e incoerências que as pessoas exibem em uma relação. São tramas relativamente contidas na intimidade das personagens, dentro de suas casas e com poucos coadjuvantes além do casal protagonista. Imagino que muitas decisões derivaram do fato de que toda a temporada foi filmada ano passado e por questões de segurança em virtude da pandemia mantiveram o elenco razoavelmente pequeno.

A pandemia parece também guiar as escolhas estéticas de Ansari ao longo da temporada, optando por takes mais longos, com uma câmera estática e a meia distância dos personagens provavelmente para diminuir o numero de pessoas necessárias no set caso resolvesse filmar com múltiplas câmeras em constante movimentação. Mesmo que pareçam decisões pragmáticas e motivadas por razões extra-fílmicas, esses elementos fazem sentido dentro da narrativa e do olhar que Ansari e Waithe construíram para a jornada de suas personagens. É como se a dupla tivesse pensado na melhor maneira de contar uma história impactante e consistente com os elementos que tinham em mãos.

A distância da câmera em relação às personagens dá a impressão de que somos observadores distantes desse cotidiano afetivo, quase como voyeurs entrando na intimidade alheia, embarcando no universo pessoal dessas personagens. Os longos takes, com poucos cortes, contribuem para uma impressão de naturalismo, construindo a impressão de que estamos vendo tudo aquilo conforme se desenrola, como em um documentário observacional, evidenciando o trabalho do elenco, em especial das duas atrizes principais, em transmitir esse sentimento de que aquelas pessoas tem uma conexão longeva, um afeto e um conhecimento da conduta da outra.

A trama olha para a complexidade do relacionamento das personagens e dos desequilíbrios que existem entre elas. Quando começamos a temporada Denise ainda surfa na onda do sucesso de seu primeiro livro enquanto Alicia está no meio de uma transição profissional, iniciando como designer de interiores. Nesse sentido, o desinteresse de Denise em ter filhos naquele momento vem, em parte, da vontade de querer continuar aprimorando a carreira. Alicia vê na maternidade um meio de construir algo para si naquela relação, saindo do papel de coadjuvante, da cônjuge que apoia a esposa bem-sucedida, uma função que fica claramente definida na entrevista que Denise dá no início do primeiro episódio.

Os conflitos nascem justamente da incapacidade delas em tentarem observar as coisas pela ótica da outra. Denise vê as necessidades de Alicia como caprichos e Alicia vê o foco de Denise na carreira como desinteresse na relação. Com isso, ao invés de dialogarem e se entenderem, as duas se afastam ainda mais e a relação vai se erodindo até o inevitável.

Ao longo da temporada a posição das duas se inverte, com Denise lidando não apenas com o fracasso da relação, mas de seus projetos como escritora, tendo que reavaliar as escolhas que tomou até então. Em paralelo Alicia vai atrás do sonho de ser mãe e apesar dos percalços, incluindo estruturas homofóbicas dos sistemas de saúde, vai adquirindo sucesso em suas empreitadas. Essa inversão nas vidas delas da a ambas perspectiva para analisar o passado da relação das duas, algo que vemos no episódio final.

O desfecho da temporada é, ao mesmo tempo, uma culminância natural do arco das duas e uma resolução um pouco covarde já que a trama não faz as personagens se comprometerem com nada em relação à situação da vida delas naquele momento. Acompanhamos as duas passando um final de semana da casa em que moraram, agora sendo alugada via aplicativos, e descobrimos que elas tem se encontrado regularmente apesar de ambas já terem se casado e tido filhos com outras pessoas.

Fica evidente o quanto elas se sentem confortáveis juntas e apreciam uma a outra, principalmente agora que o tempo lhes deu entendimento sobre o que aconteceu. Trabalhando em um emprego que odeia apenas para pagar as contas e sustentar a nova família, Denise entende melhor Alicia e o sentimento de estar se anulando para manter uma relação. Alicia por sua vez, tendo encontrado sucesso profissional entende agora o foco de Denise em querer dedicar ainda mais tempo ao trabalho para continuar subindo a novos patamares.

Apesar de alcançarem um nível mais profundo de diálogo e conforto do que com suas próprias cônjuges, a temporada termina sem que isso implique em qualquer mudança de direção para as duas, que parecem, naquele momento, em manter essa relação extraconjugal em um “não lugar”, reduzindo-a a uma mera fuga do cotidiano. Em nenhum momento as personagens parecem ponderar que um cotidiano que as instiga a fugir constantemente talvez não seja tão saudável assim.

Em uma inesperada terceira temporada que tenta fazer o melhor com as limitações de filmar durante uma pandemia, Master of None faz um exame sensível e intimista sobre um relacionamento conturbado.

 

Nota: 8/10


Trailer

quarta-feira, 2 de junho de 2021

Crítica – Godzilla vs Kong

 

Análise Crítica – Godzilla vs Kong

Review – Godzilla vs Kong
Depois de três filmes (Godzilla, Kong: A Ilha da Caveira e Godzilla 2: Rei dos Monstros) construindo o universo de monstros e preparando terreno para o embate entre os dois famosos monstros gigantes do cinema neste Godzilla vs Kong. Eles mostram que aprenderam algumas lições com os filmes anteriores, embora ainda insistam em repetir alguns dos problemas.

Na trama, Godzilla começa estranhamente a atacar cidades humanas e as pessoas começam a pensar na criatura, que até então protegia o mundo de outros monstros, como uma ameaça. O aumento da agressividade do réptil atômico preocupa a pesquisadora Ilene (Rebecca Hall), que supervisiona o Kong na Ilha da Caveira e teme que Godzilla o ataque. Ao mesmo tempo, Madison (Millie Bobby Brown) desconfia que haja um motivo para os ataques de Godzilla, que não seja apenas agressividade irracional e decide investigar os eventos.

terça-feira, 1 de junho de 2021

Crítica – Vanquish

 Análise Crítica – Vanquish

Review – Vanquish
Não fosse a presença de atores conhecidos do cinemão hollywoodiano, eu seria capaz de dizer que este Vanquish é era um filme amador por conta de suas múltiplas inaptidões técnicas e artísticas. No entanto, sabendo que foi feito por profissionais, é só um produto incompetente em todos os níveis que não serve nem como comédia acidental.

Na trama, Vicky (Ruby Rose) é uma ex-traficante de drogas que trabalha como cuidadora do policial aposentado e paraplégico Damon (Morgan Freeman). Um dia Damon revela a Vicky que ele controla um império de corrupção e drogas e precisa de alguém para recolher o dinheiro de seus negócios antes que o FBI descubra os locais. Vicky inicialmente recusa, mas Damon pega a filha dela de refém e assim a personagem precisa fazer o que ele quer.

É curioso que ao invés de dar logo de uma vez os cinco locais em que quer que Vicky recolha o dinheiro, Damon dá um local por vez, fazendo ela retornar à casa dele com o dinheiro antes de informar o local seguinte. Porque fazer isso ao invés de dar os cinco locais de vez? Não sei. Faria mais sentido, já que ele está correndo contra o tempo, do que fazer Vicky perder tempo indo e voltando, mas o filme nunca dá uma razão consistente para essa escolha do personagem.

segunda-feira, 31 de maio de 2021

Crítica – Cruella

 

Análise Crítica – Cruella

Review – Cruella
Não estava lá muito empolgado para este Cruella, tentativa da Disney de contar a origem da vilã de 101 Dálmatas (1961), que chegou a ser interpretada nos cinemas por Glenn Close. Meu principal temor é que fizessem com a vilã o mesmo que fizeram como Malévola nos filmes estrelados por Angelina Jolie, removendo a maldade da personagem e tratando-a mais como uma vítima incompreendida do que alguém que se regozija na própria maldade. Felizmente isso não acontece tanto aqui, com o filme conseguindo manter a natureza implacável de Cruella ao mesmo tempo em que nos dá razões para torcer por ela.

A trama se passa na década de 60 e segue a jovem Cruella (Emma Stone) vivendo de pequenos golpes ao lado dos amigos Gaspar (Joel Fry) e Horácio (Paul Walter Hauser) até conseguir uma oportunidade de trabalhar na butique mais luxuosa de Londres, a que vende as roupas da Baronesa (Emma Thompson), a mais importante estilista do país. Querendo se tornar uma designer de moda, Cruella começa a trabalhar para a Baronesa, mas logo descobre informações surpreendentes sobre seu passado.

sexta-feira, 28 de maio de 2021

Rapsódias Revisitadas – Tony Manero

 

Análise Crítica – Tony Manero

Review – Tony Manero
Misturar ditadura militar chilena com o icônico personagem de John Travolta em Os Embalos de Sábado à Noite (1977) parece algo que não faz sentido. Afinal, que relações podem ser estabelecidas entre esse personagem dançarino e um período brutal da história latino-americana? Para o diretor Pablo Larraín, responsável por este Tony Manero, a resposta é que se pode usar o personagem de Travolta para fazer uma poderosa metáfora sobre a ditadura chilena.

A trama se passa durante a ditadura militar chilena e é centrada em Raúl (Alfredo Castro), um pequeno criminoso de meia-idade que vive na periferia de Santiago e é completamente obcecado pelo filme Os Embalos de Sábado à Noite. Raúl deseja participar de um concurso de sósias de Tony Manero em um programa de televisão local e para isso quer construir uma performance e uma caracterização mais parecida possível com o personagem de Travolta.

A obsessão de Raúl com o filme o torna extremamente violento contra qualquer um que se coloque em seu caminho. Isso fica evidente, por exemplo, quando o cinema em que ele vai repetidas vezes assistir o filme de John Travolta tira a película de cartaz e a substitui por Grease: Nos Tempos da Brilhantina (1978). Quando isso acontece, Raúl vai até a sala de projeção e brutalmente espanca o projecionista. Em outro momento, o protagonista segue uma idosa até a casa dela para matá-la e roubar sua televisão a cores.

quinta-feira, 27 de maio de 2021

Crítica – Army of the Dead: Invasão à Las Vegas

Análise Crítica – Army of the Dead: Invasão à Las Vegas


Review Crítica – Army of the Dead: Invasão à Las Vegas

A ideia de um filme de roubo em meio a um apocalipse zumbi parece sob medida para um divertido blockbuster de ação que deixe o espectador entretido por algum tempo. Em tese Army of the Dead: Invasão à Las Vegas deveria ser isso, mas se alonga mais do que deveria considerando seu fiapo de trama ao ponto de ficar maçante.

Na trama, a cidade de Las Vegas e parte do estado de Nevada foram isoladas depois de um surto zumbi infestou a cidade. O governo planeja lançar em poucos dias uma bomba nuclear na região para resolver o problema. Em meio a isso está Scott (Dave Bautista) um dos poucos a ter enfrentado o início da infestação e ter saído com vida da cidade. Scott é procurado pelo bilionário Tanaka (Hiroyuki Sanada) como uma proposta lucrativa: recuperar 200 milhões guardados em um cofre subterrâneo no hotel-cassino de sua propriedade em Las Vegas aproveitando a desocupação das fronteiras da área de quarentena para penetrar na região, recuperar o dinheiro e sair antes do bombardeio.

quarta-feira, 26 de maio de 2021

Crítica – Judas e o Messias Negro

 

Análise Crítica – Judas e o Messias Negro

Review – Judas e o Messias Negro
De início imaginei que o título deste Judas e o Messias Negro operava em uma grande hipérbole, mas, de fato, a trama do informante que entregou um dos principais líderes dos Panteras Negras em troca de dinheiro lembra a jornada de Judas entregando seu messias por um punhado de moedas.

Baseada em fatos reais, a narrativa acompanha Bill O’Neal (Lakeith Stanfield), um pequeno criminoso que é pego pelo FBI e é transformado em informante, sendo mandado para se infiltrar nos Panteras Negras e vigiar Fred Hampton (Daniel Kaluuya), líder da filial de Illinois do partido. A história é contada pela estrutura típica do infiltrado que se aproxima demais daquele que devia investigar, perde um pouco de sua perspectiva e fica em dúvida sobre a missão, mas o desenvolvimento dos personagens tem nuance o suficiente para envolver.

A narrativa capta bem o momento de instabilidade social da década de 1960 conforme diferentes movimentos sociais, como os movimentos negros, passaram a lutar por igualdade e direitos civis. Muitos desses movimentos, como os Panteras Negras, eram tratados como grandes ameaças à ordem pública pelas autoridades federais, temendo um levante da população menos favorecida.

terça-feira, 25 de maio de 2021

Crítica – Resident Evil: Village

 

Análise Crítica – Resident Evil: Village

Review – Resident Evil: Village
Me surpreendi positivamente com a maneira com a qual Resident Evil 7: Biohazard reinventava a famosa franquia de survival horror da Capcom investindo ainda mais no terror e no gerenciamento de recursos. Depois de dar nova vida à série, a Capcom decidiu continuar a história de Ethan Winters misturando elementos do jogo anterior com muitas mecânicas de Resident Evil 4, que considero o melhor da série, neste Resident Evil: Village.

A trama se passa alguns anos depois dos eventos na propriedade dos Baker. Ethan e Mia agora vivem na Europa com a filha recém-nascida Rose, protegidos por Chris Redfield e BSAA. Isso até que Chris invade a casa deles, mata Mia, leva Rose embora e captura Ethan. O comboio que levava Ethan preso é atacado e ele se vê em uma estranha vila no interior europeu que é povoada por estranhas criaturas. Quem lidera essas criaturas é a misteriosa Mãe Miranda, que aparentemente pegou Rose. Assim, Ethan precisa derrotar os quatro lordes monstros que governam a vila para chegar até Mãe Miranda.

segunda-feira, 24 de maio de 2021

Drops – Oxigênio

 

Análise Crítica– Oxigênio

Review Crítica– Oxigênio
Uma mulher (Melanie Laurent) acorda sem memória dentro de uma cápsula criogênica. A cápsula está defeituosa, perdendo aos poucos seu suprimento de oxigênio e ela só pode ser aberta com um código específico que a protagonista não se lembra. Assim, a mulher precisa se lembrar quem é e qual seu código para conseguir abrir a cápsula antes que o oxigênio se esgote. A premissa deste Oxigênio já é por si só carregada de tensão por seu espaço diminuto e corrida contra o tempo, o problema é como essa trama é conduzida.

Melanie Laurent traz um sentimento palpável de confusão e desespero da personagem, algo essencial para embarcarmos na história já que o rosto dela está presente durante 95% do filme. A principal interação da protagonista é com a inteligência artificial (voz de Mathieu Amalric) que controla o funcionamento da cápsula e a única maneira que ela tem de entrar em contato com o mundo exterior e entender o que está acontecendo.

sexta-feira, 21 de maio de 2021

Crítica – Monstro

 Análise Crítica – Monstro


Review – Monstro
O cinema hollywoodiano tem produzido diversas representações (ficcionais e documentais) do tratamento injusto que o sistema judiciário e policial dos Estados Unidos dá a populações não brancas, especialmente às comunidades negras. Este Monstro, adaptação de um romance de Walter Dean Myers, se encaixa nessa tendência, ainda que tenha pouco a acrescentar ao debate dessas questões.

A trama é centrada em Steve (Kelvin Harrison Jr), um jovem de 17 anos aspirante a cineasta e morador do Harlem que é acusado de um crime que não cometeu simplesmente por ser um adolescente negro de periferia que estava próximo do local quando tudo aconteceu. A trama acompanha o julgamento de Steve, as dificuldades dele em se adaptar à vida da prisão, bem como a vida pregressa do protagonista com todos os sonhos e planos que ele tinha.

A narrativa aponta o problema, a conduta preconceituosa de policiais e promotores que julgam Steve por sua cor e sua origem e não pelos fatos em si. Mostra como a sociedade tende a tratar automaticamente um negro periférico como bandido mesmo quando não há praticamente nenhuma evidência objetiva para tal, com o promotor inclusive tentando transformar qualquer elemento da vida de Steve, como sua paixão por cinema, em uma prova de que ele seria um criminoso dissimulado e estaria mentindo para os jurados do tribunal.