A trama parece se passar anos depois da segunda temporada. Denise é uma escritora de sucesso e vive com a esposa, Alicia (Naomi Ackie) em uma idílica casa de campo. A protagonista está tentando escrever seu segundo livro, mas encontra problemas para desenvolver a escrita. Ao mesmo tempo, Alicia insiste que é hora delas terem um filho, algo que Denise não embarca completamente.
O subtítulo original desta terceira temporada, Moments in Love, dá a tônica do que veremos ao longo dos cinco episódios, uma coletânea de momentos em uma relação afetiva com todos os complicadores, problemas e incoerências que as pessoas exibem em uma relação. São tramas relativamente contidas na intimidade das personagens, dentro de suas casas e com poucos coadjuvantes além do casal protagonista. Imagino que muitas decisões derivaram do fato de que toda a temporada foi filmada ano passado e por questões de segurança em virtude da pandemia mantiveram o elenco razoavelmente pequeno.
A pandemia parece também guiar as escolhas estéticas de Ansari ao longo da temporada, optando por takes mais longos, com uma câmera estática e a meia distância dos personagens provavelmente para diminuir o numero de pessoas necessárias no set caso resolvesse filmar com múltiplas câmeras em constante movimentação. Mesmo que pareçam decisões pragmáticas e motivadas por razões extra-fílmicas, esses elementos fazem sentido dentro da narrativa e do olhar que Ansari e Waithe construíram para a jornada de suas personagens. É como se a dupla tivesse pensado na melhor maneira de contar uma história impactante e consistente com os elementos que tinham em mãos.
A distância da câmera em relação às personagens dá a impressão de que somos observadores distantes desse cotidiano afetivo, quase como voyeurs entrando na intimidade alheia, embarcando no universo pessoal dessas personagens. Os longos takes, com poucos cortes, contribuem para uma impressão de naturalismo, construindo a impressão de que estamos vendo tudo aquilo conforme se desenrola, como em um documentário observacional, evidenciando o trabalho do elenco, em especial das duas atrizes principais, em transmitir esse sentimento de que aquelas pessoas tem uma conexão longeva, um afeto e um conhecimento da conduta da outra.
A trama olha para a complexidade do relacionamento das personagens e dos desequilíbrios que existem entre elas. Quando começamos a temporada Denise ainda surfa na onda do sucesso de seu primeiro livro enquanto Alicia está no meio de uma transição profissional, iniciando como designer de interiores. Nesse sentido, o desinteresse de Denise em ter filhos naquele momento vem, em parte, da vontade de querer continuar aprimorando a carreira. Alicia vê na maternidade um meio de construir algo para si naquela relação, saindo do papel de coadjuvante, da cônjuge que apoia a esposa bem-sucedida, uma função que fica claramente definida na entrevista que Denise dá no início do primeiro episódio.
Os conflitos nascem justamente da incapacidade delas em tentarem observar as coisas pela ótica da outra. Denise vê as necessidades de Alicia como caprichos e Alicia vê o foco de Denise na carreira como desinteresse na relação. Com isso, ao invés de dialogarem e se entenderem, as duas se afastam ainda mais e a relação vai se erodindo até o inevitável.
Ao longo da temporada a posição das duas se inverte, com Denise lidando não apenas com o fracasso da relação, mas de seus projetos como escritora, tendo que reavaliar as escolhas que tomou até então. Em paralelo Alicia vai atrás do sonho de ser mãe e apesar dos percalços, incluindo estruturas homofóbicas dos sistemas de saúde, vai adquirindo sucesso em suas empreitadas. Essa inversão nas vidas delas da a ambas perspectiva para analisar o passado da relação das duas, algo que vemos no episódio final.
O desfecho da temporada é, ao mesmo tempo, uma culminância natural do arco das duas e uma resolução um pouco covarde já que a trama não faz as personagens se comprometerem com nada em relação à situação da vida delas naquele momento. Acompanhamos as duas passando um final de semana da casa em que moraram, agora sendo alugada via aplicativos, e descobrimos que elas tem se encontrado regularmente apesar de ambas já terem se casado e tido filhos com outras pessoas.
Fica evidente o quanto elas se sentem confortáveis juntas e apreciam uma a outra, principalmente agora que o tempo lhes deu entendimento sobre o que aconteceu. Trabalhando em um emprego que odeia apenas para pagar as contas e sustentar a nova família, Denise entende melhor Alicia e o sentimento de estar se anulando para manter uma relação. Alicia por sua vez, tendo encontrado sucesso profissional entende agora o foco de Denise em querer dedicar ainda mais tempo ao trabalho para continuar subindo a novos patamares.
Apesar de alcançarem um nível mais profundo de diálogo e conforto do que com suas próprias cônjuges, a temporada termina sem que isso implique em qualquer mudança de direção para as duas, que parecem, naquele momento, em manter essa relação extraconjugal em um “não lugar”, reduzindo-a a uma mera fuga do cotidiano. Em nenhum momento as personagens parecem ponderar que um cotidiano que as instiga a fugir constantemente talvez não seja tão saudável assim.
Em uma inesperada terceira
temporada que tenta fazer o melhor com as limitações de filmar durante uma
pandemia, Master of None faz um exame
sensível e intimista sobre um relacionamento conturbado.
Nota: 8/10
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