Lançado em 2001, Coração de Cavaleiro ajudou a sedimentar
o ator Heath Ledger como um astro de Hollywood. Ele já vinha do sucesso modesto
da comédia adolescente Dez Coisas que Eu
Odeio em Você (1999) e aqui ele mostrou que poderia carregar uma produção
de grande orçamento, já que apesar da recepção morna da crítica da época, o
filme se saiu relativamente bem na bilheteria para ser considerado um sucesso
financeiro. É curioso pensar que a crítica não deu muita bola para ele em seu
lançamento considerando o quanto ele foi reprisado tanto em canais a cabo
quanto na tv aberta, sendo aquele tipo de filme que é tão carismático que a
gente sempre assiste um pouco quando vemos que está passando.
Dirigido e escrito por Brian
Helgeland, que vinha de uma vitória do Oscar melhor roteiro adaptado por Los Angeles: Cidade Probida (1997), a
trama se passa na Inglaterra medieval e segue o jovem escudeiro William (Heath
Ledger), que toma o lugar de seu suserano falecido e resolve participar das
competições de justa da nobreza em busca de glória e dinheiro como cavaleiro. Ao
lado dele estão os escudeirosWat (Alan
Tudyk) e Roland (Mark Addy), o arauto Geoffrey Saucer (Paul Bettany) e a ferreira Kate (Laura
Fraser). Em sua jornada rumo à glória William encontra um rival no conde
Adhemar (Rufus Sewell) e se apaixona pela bela Jocelyn (Shannyn Sossamon).
Filmes sobre viagem no tempo
existem de monte, mas a maneira com a qual Sychronic
constrói sua trama de viagem no tempo chama atenção pelo modo singular com o
qual tudo flui. A narrativa é centrada em Steve (Anthony Mackie) e Dennis
(Jamie Dornan), dois paramédicos trabalhando na cidade de Nova Orleans. Aos
poucos a dupla começa a receber chamados para ocorrências estranhas, muitas
dela soando fisicamente impossíveis ou cujas vítimas não conseguem explicar.
Conforme o número de ocorrências aumenta, eles percebem que esses eventos estão
conectados com uma estranha droga sintética que mexe na maneira com a qual as
pessoas experimentam o tempo.
A narrativa cria um competente
clima de suspense conforme inicialmente nos apresenta às ocorrências estranhas
com as quais os personagens se defrontam. Acerta também no clima convincente
entre os dois protagonistas, parceiros de anos que se conhecem tão bem que
sabem perceber os problemas e falhas do outro apenas com um olhar. O problema é
que quando a trama parecia engrenar, a partir do momento em que Steve consegue
a tal droga, a trama demora um pouco de desenvolver para que o personagem vá
aos poucos explicando como funciona a questão do deslocamento temporal.
Revendo Morte em Veneza, de Luchino Visconti, me surpreendi com o quanto
alguns de seus temas soam terrivelmente atuais para os tempos pandêmicos em que
vivemos. O filme também traz algumas reflexões sobre arte, beleza e permanência
que, de certa forma, são atemporais.
A trama adapta um romance escrito
por Thomas Mann. Sendo situada na virada do século XIX para o século XX, a
narrativa é centrada na figura de Gustav von Aschenbach (Dirk Bogarde) um
pianista em meio a uma crise criativa, afetiva e de saúde. Para lidar com seus
problemas Gustav viaja a um resort em Veneza e lá se encanta pela beleza do
garoto Tadzio (Bjorn Andresen) e passa a segui-lo. Ao mesmo tempo, o músico
começa a desconfiar que os funcionários do hotel talvez não estejam sendo
sinceros quanto a severidade da epidemia de cólera que se espalha pela cidade.
A fixação de Gustav por Tadzio é
sempre enquadrada em uma chave mais platônica e idealizada, nunca sexual. O
interesse do músico é o da contemplação dessa beleza que emerge naturalmente do
garoto, uma beleza que ele sempre tentou transmitir através de sua música, mas
teve dificuldade. A trama pondera sobre a relação entre a beleza e o desgaste
do tempo. Se a beleza nas artes requer trabalho, ela ao menos sobrevive a
passagem do tempo. Por outro lado a beleza física de Tadzio emerge dele
naturalmente, no entanto, é algo fugidio que se desgastará com tempo. As
andanças de Gustav pela cidade para observar o garoto servem, portanto, como
uma metáfora para a natureza fugaz da beleza.
Depois de um longo hiato causado,
dentre outras coisas, por acusações de assédio sexual contra o criador e
protagonista Aziz Ansari, a série Master of None retorna com um foco renovado. Ao invés de Dev (Aziz Ansari), a
trama dessa terceira temporada é centrada em Denise (Lena Waithe) e na relação
dela com a esposa. Não significa que Ansari tenha sido colocado em escanteio,
além de Dev ainda aparecer ocasionalmente, o ator dirigiu os cinco episódios da
temporada que foram escritos com a Lena Waithe.
A trama parece se passar anos
depois da segunda temporada. Denise é uma escritora de sucesso e vive com a
esposa, Alicia (Naomi Ackie) em uma idílica casa de campo. A protagonista está
tentando escrever seu segundo livro, mas encontra problemas para desenvolver a
escrita. Ao mesmo tempo, Alicia insiste que é hora delas terem um filho, algo
que Denise não embarca completamente.
O subtítulo original desta
terceira temporada, Moments in Love,
dá a tônica do que veremos ao longo dos cinco episódios, uma coletânea de
momentos em uma relação afetiva com todos os complicadores, problemas e
incoerências que as pessoas exibem em uma relação. São tramas relativamente
contidas na intimidade das personagens, dentro de suas casas e com poucos
coadjuvantes além do casal protagonista. Imagino que muitas decisões derivaram
do fato de que toda a temporada foi filmada ano passado e por questões de
segurança em virtude da pandemia mantiveram o elenco razoavelmente pequeno.
A pandemia parece também guiar as
escolhas estéticas de Ansari ao longo da temporada, optando por takes mais
longos, com uma câmera estática e a meia distância dos personagens
provavelmente para diminuir o numero de pessoas necessárias no set caso
resolvesse filmar com múltiplas câmeras em constante movimentação. Mesmo que
pareçam decisões pragmáticas e motivadas por razões extra-fílmicas, esses
elementos fazem sentido dentro da narrativa e do olhar que Ansari e Waithe
construíram para a jornada de suas personagens. É como se a dupla tivesse
pensado na melhor maneira de contar uma história impactante e consistente com
os elementos que tinham em mãos.
A distância da câmera em relação
às personagens dá a impressão de que somos observadores distantes desse
cotidiano afetivo, quase como voyeurs entrando
na intimidade alheia, embarcando no universo pessoal dessas personagens. Os
longos takes, com poucos cortes, contribuem para uma impressão de naturalismo,
construindo a impressão de que estamos vendo tudo aquilo conforme se desenrola,
como em um documentário observacional, evidenciando o trabalho do elenco, em
especial das duas atrizes principais, em transmitir esse sentimento de que
aquelas pessoas tem uma conexão longeva, um afeto e um conhecimento da conduta
da outra.
A trama olha para a complexidade
do relacionamento das personagens e dos desequilíbrios que existem entre elas.
Quando começamos a temporada Denise ainda surfa na onda do sucesso de seu
primeiro livro enquanto Alicia está no meio de uma transição profissional, iniciando
como designer de interiores. Nesse sentido, o desinteresse de Denise em ter
filhos naquele momento vem, em parte, da vontade de querer continuar
aprimorando a carreira. Alicia vê na maternidade um meio de construir algo para
si naquela relação, saindo do papel de coadjuvante, da cônjuge que apoia a
esposa bem-sucedida, uma função que fica claramente definida na entrevista que
Denise dá no início do primeiro episódio.
Os conflitos nascem justamente da
incapacidade delas em tentarem observar as coisas pela ótica da outra. Denise
vê as necessidades de Alicia como caprichos e Alicia vê o foco de Denise na
carreira como desinteresse na relação. Com isso, ao invés de dialogarem e se
entenderem, as duas se afastam ainda mais e a relação vai se erodindo até o
inevitável.
Ao longo da temporada a posição
das duas se inverte, com Denise lidando não apenas com o fracasso da relação,
mas de seus projetos como escritora, tendo que reavaliar as escolhas que tomou
até então. Em paralelo Alicia vai atrás do sonho de ser mãe e apesar dos
percalços, incluindo estruturas homofóbicas dos sistemas de saúde, vai
adquirindo sucesso em suas empreitadas. Essa inversão nas vidas delas da a
ambas perspectiva para analisar o passado da relação das duas, algo que vemos
no episódio final.
O desfecho da temporada é, ao
mesmo tempo, uma culminância natural do arco das duas e uma resolução um pouco
covarde já que a trama não faz as personagens se comprometerem com nada em
relação à situação da vida delas naquele momento. Acompanhamos as duas passando
um final de semana da casa em que moraram, agora sendo alugada via aplicativos,
e descobrimos que elas tem se encontrado regularmente apesar de ambas já terem
se casado e tido filhos com outras pessoas.
Fica evidente o quanto elas se
sentem confortáveis juntas e apreciam uma a outra, principalmente agora que o
tempo lhes deu entendimento sobre o que aconteceu. Trabalhando em um emprego
que odeia apenas para pagar as contas e sustentar a nova família, Denise
entende melhor Alicia e o sentimento de estar se anulando para manter uma
relação. Alicia por sua vez, tendo encontrado sucesso profissional entende
agora o foco de Denise em querer dedicar ainda mais tempo ao trabalho para
continuar subindo a novos patamares.
Apesar de alcançarem um nível mais profundo de
diálogo e conforto do que com suas próprias cônjuges, a temporada termina sem
que isso implique em qualquer mudança de direção para as duas, que parecem,
naquele momento, em manter essa relação extraconjugal em um “não lugar”, reduzindo-a
a uma mera fuga do cotidiano. Em nenhum momento as personagens parecem ponderar
que um cotidiano que as instiga a fugir constantemente talvez não seja tão
saudável assim.
Em uma inesperada terceira
temporada que tenta fazer o melhor com as limitações de filmar durante uma
pandemia, Master of None faz um exame
sensível e intimista sobre um relacionamento conturbado.
Depois de três filmes (Godzilla, Kong: A Ilha da Caveirae Godzilla 2: Rei dos Monstros)
construindo o universo de monstros e preparando terreno para o embate entre os
dois famosos monstros gigantes do cinema neste Godzilla vs Kong. Eles mostram que aprenderam algumas lições com os
filmes anteriores, embora ainda insistam em repetir alguns dos problemas.
Na trama, Godzilla começa
estranhamente a atacar cidades humanas e as pessoas começam a pensar na
criatura, que até então protegia o mundo de outros monstros, como uma ameaça. O
aumento da agressividade do réptil atômico preocupa a pesquisadora Ilene
(Rebecca Hall), que supervisiona o Kong na Ilha da Caveira e teme que Godzilla
o ataque. Ao mesmo tempo, Madison (Millie Bobby Brown) desconfia que haja um
motivo para os ataques de Godzilla, que não seja apenas agressividade
irracional e decide investigar os eventos.
Não fosse a presença de atores
conhecidos do cinemão hollywoodiano, eu seria capaz de dizer que este Vanquish é era um filme amador por conta
de suas múltiplas inaptidões técnicas e artísticas. No entanto, sabendo que foi
feito por profissionais, é só um produto incompetente em todos os níveis que
não serve nem como comédia acidental.
Na trama, Vicky (Ruby Rose) é uma
ex-traficante de drogas que trabalha como cuidadora do policial aposentado e
paraplégico Damon (Morgan Freeman). Um dia Damon revela a Vicky que ele
controla um império de corrupção e drogas e precisa de alguém para recolher o
dinheiro de seus negócios antes que o FBI descubra os locais. Vicky
inicialmente recusa, mas Damon pega a filha dela de refém e assim a personagem
precisa fazer o que ele quer.
É curioso que ao invés de dar
logo de uma vez os cinco locais em que quer que Vicky recolha o dinheiro, Damon
dá um local por vez, fazendo ela retornar à casa dele com o dinheiro antes de
informar o local seguinte. Porque fazer isso ao invés de dar os cinco locais de
vez? Não sei. Faria mais sentido, já que ele está correndo contra o tempo, do
que fazer Vicky perder tempo indo e voltando, mas o filme nunca dá uma razão
consistente para essa escolha do personagem.
Não estava lá muito empolgado
para este Cruella, tentativa da
Disney de contar a origem da vilã de 101
Dálmatas (1961), que chegou a ser interpretada nos cinemas por Glenn Close.
Meu principal temor é que fizessem com a vilã o mesmo que fizeram como Malévola
nos filmes estrelados por Angelina Jolie, removendo a maldade da personagem e
tratando-a mais como uma vítima incompreendida do que alguém que se regozija na
própria maldade. Felizmente isso não acontece tanto aqui, com o filme
conseguindo manter a natureza implacável de Cruella ao mesmo tempo em que nos
dá razões para torcer por ela.
A trama se passa na década de 60
e segue a jovem Cruella (Emma Stone) vivendo de pequenos golpes ao lado dos
amigos Gaspar (Joel Fry) e Horácio (Paul Walter Hauser) até conseguir uma
oportunidade de trabalhar na butique mais luxuosa de Londres, a que vende as
roupas da Baronesa (Emma Thompson), a mais importante estilista do país.
Querendo se tornar uma designer de moda, Cruella começa a trabalhar para a
Baronesa, mas logo descobre informações surpreendentes sobre seu passado.
Misturar ditadura militar chilena com o icônico personagem
de John Travolta em Os Embalos de Sábado
à Noite (1977) parece algo que não faz sentido. Afinal, que relações podem
ser estabelecidas entre esse personagem dançarino e um período brutal da
história latino-americana? Para o diretor Pablo Larraín, responsável por este Tony Manero, a resposta é que se pode
usar o personagem de Travolta para fazer uma poderosa metáfora sobre a ditadura
chilena.
A trama se passa durante a ditadura militar chilena e é
centrada em Raúl (Alfredo Castro), um pequeno criminoso de meia-idade que vive
na periferia de Santiago e é completamente obcecado pelo filme Os Embalos de Sábado à Noite. Raúl
deseja participar de um concurso de sósias de Tony Manero em um programa de
televisão local e para isso quer construir uma performance e uma caracterização
mais parecida possível com o personagem de Travolta.
A obsessão de Raúl com o filme o torna extremamente violento
contra qualquer um que se coloque em seu caminho. Isso fica evidente, por
exemplo, quando o cinema em que ele vai repetidas vezes assistir o filme de
John Travolta tira a película de cartaz e a substitui por Grease: Nos Tempos da Brilhantina (1978). Quando isso acontece,
Raúl vai até a sala de projeção e brutalmente espanca o projecionista. Em outro
momento, o protagonista segue uma idosa até a casa dela para matá-la e roubar
sua televisão a cores.
A ideia de um filme de roubo em
meio a um apocalipse zumbi parece sob medida para um divertido blockbuster de ação que deixe o
espectador entretido por algum tempo. Em tese Army of the Dead: Invasão à Las Vegas deveria ser isso, mas se
alonga mais do que deveria considerando seu fiapo de trama ao ponto de ficar
maçante.
Na trama, a cidade de Las Vegas e
parte do estado de Nevada foram isoladas depois de um surto zumbi infestou a
cidade. O governo planeja lançar em poucos dias uma bomba nuclear na região
para resolver o problema. Em meio a isso está Scott (Dave Bautista) um dos
poucos a ter enfrentado o início da infestação e ter saído com vida da cidade.
Scott é procurado pelo bilionário Tanaka (Hiroyuki Sanada) como uma proposta
lucrativa: recuperar 200 milhões guardados em um cofre subterrâneo no
hotel-cassino de sua propriedade em Las Vegas aproveitando a desocupação das
fronteiras da área de quarentena para penetrar na região, recuperar o dinheiro
e sair antes do bombardeio.
De início imaginei que o título
deste Judas e o Messias Negro operava
em uma grande hipérbole, mas, de fato, a trama do informante que entregou um
dos principais líderes dos Panteras Negras em troca de dinheiro lembra a
jornada de Judas entregando seu messias por um punhado de moedas.
Baseada em fatos reais, a
narrativa acompanha Bill O’Neal (Lakeith Stanfield), um pequeno criminoso que é
pego pelo FBI e é transformado em informante, sendo mandado para se infiltrar
nos Panteras Negras e vigiar Fred Hampton (Daniel Kaluuya), líder da filial de
Illinois do partido. A história é contada pela estrutura típica do infiltrado
que se aproxima demais daquele que devia investigar, perde um pouco de sua
perspectiva e fica em dúvida sobre a missão, mas o desenvolvimento dos
personagens tem nuance o suficiente para envolver.
A narrativa capta bem o momento
de instabilidade social da década de 1960 conforme diferentes movimentos
sociais, como os movimentos negros, passaram a lutar por igualdade e direitos
civis. Muitos desses movimentos, como os Panteras Negras, eram tratados como
grandes ameaças à ordem pública pelas autoridades federais, temendo um levante
da população menos favorecida.